Jean-Marc Sant
Liceu Molière, Rio de Janeiro

     A RPM e a Informática no Ensino da Matemática

Cada vez mais os computadores estão sendo utilizados nas escolas. No Brasil eles já fazem parte do quotidiano de uma porção de estudantes, embora ainda em franca minoria. Vale a pena, entretanto, começar a analisar algumas propostas da utilização do computador no ensino da Matemática, para conhecer suas vantagens e limitações e assim fazer melhor uso de tal instrumento. Assim como um bom livro-texto não é, por si só, garantia de um bom curso, também um bom software precisa ser bem explorado por mestre e alunos para dar bons resultados. Ao contrário do que esperam muitos administradores educacionais, o computador não faz milagres.

Neste número apresentamos o software Cabri-Geomètre. Trata-se de um software para ensino da Geometria que pode ser usado desde o 1.° grau.

0 Cabri-Geomètre é um programa de computação que traça figuras geométricas, permite sua deformação mantendo algumas características da figura de partida e mede segmentos e ângulos. É como um Caderno de Rascunho Interativo para o aprendizado de Geometria.

Mediante a utilização de seus menus (= relação das opções disponíveis) e com simples toques de um mouse é possível, por exemplo, traçar retas, círculos, triângulos, segmentos, marcar ponto médio traçar a mediatriz de um segmento, traçar retas paralelas ou perpendiculares a outras retas, determinar o centro de um círculo, traçar bissetrizes, medir segmentos e ângulos.

É possível ainda fazer variar as figuras, mantendo alguns vínculos, e, durante a deformação, ter as medidas atualizadas.

Entre outras facilidades, é possível "esconder" linhas que sejam consideradas auxiliares e também obter a construção "passo a passo" de uma figura.

O usuário pode ainda criar e salvar uma seqüência de construções para recuperá-la quando precisar; são as macroconstruções.

O programa permite ainda uma seleção a príorí dos menus, em que seja suprimido o acesso a certos tópicos. O professor pode lançar mão desse recurso a fim de graduar a complexidade do programa conforme o estágio de seus estudantes.

A facilidade com que o estudante pode explorar e verificar o que acontece com várias situações análogas é útil para formar ou testar suas convicções, leva-o a formular conjecturas, aguçando sua curiosidade para buscar uma demonstração. Exemplos disso são:
 

   a intersecção das mediatrizes ou medianas de um triângulo se faz sempre no mesmo ponto?

   num triângulo, o centro do círculo circunscrito é sempre o ponto de encontro das mediatrizes?

Ou ainda:

qual a figura formada pelos simétricos de um ponto que descreve um círculo em relação a um ponto fixo? (homotetia).

   Se num triângulo   ABC   tomam-se dois pontos   T e sobre o lado AC tais que AR - RT = TC, se P é o ponto alinhado com B e C de modo que   seja o ponto médio de  CP  e  se  M   é o ponto em que a reta   PR  corta o lado  AB,  será que   M   é sempre o ponto médio de AB?

Por um ponto A do diâmetro MN de um semicírculo de centro O, traça-se a perpendicular a MN que corta o semicírculo em B. Sobre OB marca-se o ponto C tal que OC = AB. Qual é o lugar geométrico do ponto C quando A percorre  MN ?

A utilização do Cabri permite também a motivação de definições como a do cosseno de um ângulo após a observação do que acontece com as medidas numa projeção ortogonal ou a da parábola como lugar geométrico dos pontos equidistantes de uma reta e um ponto fixados.

A possibilidade de fazer variar as figuras abre mais um campo ao estudante: a busca de construções que resistam a essas deformações. Por exemplo, marcados os pontos A e B, pede-se que sejam traçados o segmento   AB  e sua mediatriz  d.

Com o auxílio do mouse, o programa permite que se faça variar, por exemplo, a posição do ponto B. O ponto A se mantém fixo e, a cada nova posição do ponto B, a reta d será sempre a mediatriz do segmento  AB.

Isso permitiu a estudantes da 5 série resolver o seguinte problema: Construa um triângulo isósceles de base AB dada e que permaneça isósceles quando se faça variar o vértice B. O estudante constrói o triângulo isósceles ABC, tomando o vértice C sobre a mediatriz   d   de   AB.    Percebe que se fizer variar o vértice   B   o novo triângulo pode deixar de ser isóceles. Vinculando, entretanto o vértice C à mediatriz d, ele consegue que o triângulo se mantenha isósceles, a cada passo, durante a deformação.

É possível ainda auxiliar o aluno em sua visualização espacial, por meio de representações planas do espaço, como a perspectiva. Por exemplo: convencer-se de que uma pirâmide de base retangular pode ter 4 triângulos retângulos como faces laterais ou ainda mobilizar seus conhecimentos para construir um prisma em perspectiva ou explorar e levantar conjecturas ao estudar a intersecção de um plano com uma pirâmide (figura acima, à direita).

Temos trabalhado com esse programa em nossa escola com alunos desde a 5 série. Eles trabalham em duplas, e demonstram grande interesse. Os problemas resolvidos em laboratório são depois realiza­dos à mão, com os instrumentos de desenho, quando então se analisam as propriedades geométricas envolvidas nas diversas construções.

A utilização do Cabri pelos estudantes permite testar sua capacidade de transferência de conhecimentos, a potencialidade de sua mobilidade em vários contextos, a adaptabilidade dos instrumentos.

Lembramos, entretanto, que, mesmo que os alunos mostrem entusiasmo, o professor precisa estar atento para distinguir a atividade que induz à construção de conhecimento matemático daquela em que o aluno simplesmente brinca como se estivesse jogando um videogueime, sem observar os fenómenos geométricos ou se perguntar "como" ou "por quê".

Ao usar tal instrumento com estudantes, vale ter em mente estas observações de J.F.Bonnet (1993), professor em Grenoble, na França, que adverte o professor a ficar atento procurando sempre:

    convencer que é necessário compreender;

    fazer redigir e formalizar;

   fazer desenhar em papel ou construir maquetes;

   organizar momentos para síntese em comum;

   valorizar observações pertinentes.

O Cabri-Geomètre é um software desenvolvido por Y. Baulac, Franck Bellemain e J.M. Laborde, no Laboratório de Estruturas Discretas e de Didática da Universidade de Grenoble.  Este é um laboratório associado ao CNRS, instituição francesa equivalente ao CNPq brasileiro.

Na França existem grupos que trabalham com o Cabri há alguns anos, coletando atividades interessantes a serem desenvolvidas com esse software. Existem até publicações periódicas em torno dele, como por exemplo o CABRIOLE* e o ABRACADABRI**.

NR. A PUC é representante oficial do Cabri no Brasil, informações: Departamento de Matemática - PUC - Rua Marquês do Paranaguá, 111 - CEP 01303-050 - São Paulo, SP -  Tel. 256 1622.

 

Jean-Marc Sant é formado pela Universidade de Lille, na França, em Matemática, Física e Tecnologia. Está no Brasil desde 1990, por contrato com o governo francês, lecionando Matemática e Informática no Liceu Molière, escola ligada ao Consulado Geral da França, no Rio de Janeiro. Trabalha com turmas desde as quintas séries até o final do segundo grau e, ultimamente, vem trabalhando cada vez mais com softtvares no ensino da Matemática. O Liceu Molière leva os alunos para o Laboratório de Informática desde as primeiras séries para crianças.

 

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*   Journal CABRIOLE - IREM de Grenoble - Université Joseph Fourier - BP 41 - 38402 Saint Martin  D'Heres -      CEDEX, France.
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**   ABRACADABRI - Les Cabricotiers - BP 19     97432 Ravine des Cabris   -   LA REUNION, France.