"Quem não vê é como quem não sabe.'

José Orlando Gomes de Freitas
Funchal, Portugal

Leia o seguinte texto*, supondo que depois será questionado sobre ele:

Um jornal é melhor do que uma revista. Um cume ou encosta é melhor do que uma rua. No início parece que é melhor correr do que andar. É preciso experimentar várias vezes. Prega várias partidas, mas é fácil de aprender. Mesmo as crianças podem achá-lo divertido.

Uma vez com sucesso, as complicações são minimizadas. Os pássaros raramente se aproximam. Muitas pessoas, às vezes, fazem-no ao mesmo tempo, contudo isso pode causar problemas. É preciso muito espaço. E necessário ter cuidado com a chuva, pois destrói tudo. Se não houver complicações, pode ser muito agradável. Uma pedra pode servir de âncora. Se alguma coisa se partir, perdemo-lo e não teremos uma segunda chance.

Cada frase parece fazer sentido, mas se você é como a maioria, ficou com a sensação de que na realidade não percebeu praticamente nada do conteúdo. Volte atrás e, tendo agora em mente que o presente texto fala sobre papagaios de papel, leia o novamente e compare com a primeira leitura.

Consegue ver a diferença da sua compreensão nessa segunda leitura? Agora é possível visualizar mentalmente tudo o que é dito no texto. Essa visualização é quase sempre sinônimo de entendimento. Na verdade, quando sabemos do que se trata, é muito mais fácil compreender e assim contribuir para uma melhor memorização e motivação sobre o assunto.

A seguir são apresentadas duas situações nas quais novamente se exemplifica que o trabalhar no abstrato causa confusão para certas pessoas:

  No filme Perigo iminente há uma cena em que um médico, ao estudar a inteligência de um paciente, lhe diz:

— Suponha que você está no meio de um deserto e...
De repente, o paciente interrompe:

—Mas qual?

  Num dos programas de questionários, perguntaram a um participante quanto era   12 x 6 e este, desconfiado, pergunta:

   12 vezes 6 o quê? (metros, litros, ...?)
E foi então que o apresentador lhe disse:

   12 vezes 6 litros.

E assim o concorrente conseguiu fazer o respectivo cálculo.

Na disciplina de Matemática passa-se algo de semelhante. A maioria dos alunos não consegue visualizar os elementos e conceitos matemáticos. De fato, a maior parte da Matemática infelizmente ainda é apresentada de uma maneira muito abstrata e formal.

 

O que parece ser concreto para um professor de Matemática, pode não ser visto da mesma maneira por parte de seus alunos.

Há mais de 50 anos, Brownell (1935) verificou que os estudantes desprovidos de situações concretas (como, por exemplo, 5 + 7), do que quando lhes é associada uma unidade (exemplo, 5 laranjas + 7 laranjas). Quando as unidades são omitidas, a soma indicada não só se torna mais difícil, como também se transforma numa abstração a ser memorizada. E quando as unidades estão presentes, os estudantes aparentemente visualizam a situação como real e são capazes de responder corretamente.

O mesmo problema acontece a estudantes do ensino secundário perante questões acerca de funções divorciadas de uma situação real. Quando esses estudantes investigam funções em situações con­cretas (por exemplo, com as relações:  x = tempo  e  y = espaço, no lançamento oblíquo de uma pedra, o movimento é descrito por uma parábola), estão aptos a dar sentido aos resultados matemáticos com a experiência real da situação exemplificada.

Quando os alunos inventam falsos raciocínios (por exemplo, (x + y)2 = x2 + y2)* provindos não se sabe de onde, talvez estejam apenas reagindo à dificuldade que têm em relacionar conceitos matemáticos com o seu significado real. Estão também mandando a importante mensagem: "Eu não vejo significado real e, portanto, utilidade nessa matéria. Por isso dêem-me exemplos concretos".

É preciso pintar as iias matemáticas dadas aos alunos. Esses exemplos apresentados servem para justificar tal necessidade, mas muitos outros exemplos no campo da Matemática são comuns no dia-a-dia dos estudantes. E nós, professores de Matemática, muitas vezes, não sentimos a necessidade de materializar os objetos matemáticos, pois, na verdade, somos parte dos poucos sobreviventes de uma Escola passiva e destinada a craques.

 

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John Allen Paulos, no seu livro Analfabetismo em Matemática e suas conseqüências (RPM 27, p.50), afirma: "Gostaria imensamente de ganhar 5 dólares cada vez que um aluno, no fim do curso secundário, ainda é capaz de escrever, em um exame de Álgebra, que  (x+ y)2 = x2+ y2"

 

Referências Bibliográficas

[l]   BROWNELL, W.A. Psycological Considerations in the Learning and the Teaching of Arithmetic. TheTeaching of Arithmetic (pp. 1-31), New York, NCTM e Columbia University, 1935.

[2]    CARROLL, L. Alice no País das Maravilhas.

[3]    DAVIS,  R.   Learning Mathematics:    The Cognitiva Science Appronch  to Mathematics Education.   Ablex Publishing Co., 1984

[4]     FARREL, MA. Learn from your Students   Mathematics Tearher, 85: 656 659, 1992.

[5]     LEVINE, M. Effective Problem Solving. New Jersey, Prentice Hall, 1992.

[6]  National Council of Teachers of Mathematics (NCTM). Professional Standards for Teaching  Mathematics, 1991.

[7]     PAULOS, J.A. Analfabetismo em Matemática e suas conseqüências. Editora Nova Fronteira, 1994.

 

NR. Não podemos esquecer, porém, que, embora seja bom partir de exemplos concretos para explicar operações e propriedades, é também muito importante dar passos em direção ao abstrato. Na RPM 28, p. 2, ao falar sobre a Matemática, diz Elon Lages Lima:

... a Matemática trata de noções e verdades de natureza abstrata. Aliás, essa é uma das razões da sua força e sua importância. A afirmação 2 x 5= 10 tanto se aplica aos dedos de duas mãos quanto aos jogadores que disputam um jogo de basquete.

Certamente temos que ir muito além do   2 x 5 dedos = 10 dedos.