![]() |
|
|
|||
![]() |
Roberto Ribeiro Paterlini*
No estudo das soluções do problema abaixo deparamos com uma situação fórmula versus algoritmo. O problema comporta dois tipos diferentes de solução. Podemos obter uma fórmula que fornece uma resposta direta. Ou então podemos construir um algoritmo que também nos dá a resposta quando os dados são concretizados. Uma experiência com este problema em sala de aula nos leva a algumas reflexões sobre o Ensino da Matemática. Não estaríamos nós, professores, enfatizando demasiadamente a associação entre solução de um problema e obtenção de uma fórmula, em detrimento da elaboração de algoritmos?
__________ Esse problema pode ser encontrado no artigo Counting Squares de David L. Pagni, publicado no periódico Mathematics Teacher, vol. 84, n.°9, dezembro de 1991, página 754. Nós o propusemos em uma aula de problemas para alunos de Licenciatura em Matemática da UFSCar. Na figura acima, temos b = 6 e h = 4, e pode-se ver que o número de quadrados unitários que têm seu interior interceptado pela diagonal é 8.
Não é fácil visualizar a fórmula correta a partir desses dados. Com a ajuda do
professor, os estudantes viram que n = b + h
Paralelamente a essas atividades, um estudante trabalhava de modo diferente, e no final da aula apresentou-nos uma solução, que resumimos a seguir. Observou que trocando b por h e vice-versa o resultado não se modifica. Observou ainda que nos seguintes casos o problema é trivial. Primeiro, se h = 1 (ou b = 1), o número de quadrados unitários interceptados é igual a b (ou h, respectivamente). Segundo, se b = h, o número de quadrados interceptados é b. Vejamos o caso 3 x 2. Esse retângulo deve ser decomposto em dois retângulos menores. O primeiro é o maior quadrado possível que caiba no retângulo (portanto, um quadrado 2 x 2). O segundo é o retângulo 1 x 2. Algebricamente temos 3 x 2 = 2 v 2 + 1 x 2. A figura a seguir ilustra como deve ser subdividido o retângulo 3 x 2 em retângulos menores.
O estudante observou que os retângulos menores estão dentro dos dois casos triviais já considerados acima. Como o retângulo 2 x 2 nos fornece 2 quadrados unitários interceptados (caso b = h), e o retângulo 1 x 2 nos fornece também 2 (caso b = 1), então (concluiu o estudante) o número de quadrados unitários interceptados no retângulo 3 x 2 é 4. Para melhor ilustrar o procedimento, vejamos também o caso 11 x 7. Esse retângulo é decomposto em 4 retângulos menores. Primeiro retiramos o maior quadrado possível, no caso, um quadrado 7 x 7. Do restante, repetimos o procedimento: novamente tomamos o maior quadrado possível (no caso, um quadrado 4 x 4). E assim por diante. Paramos quando o retângulo inicial se esgota ou sobra um retângulo do tipo b = 1 ou h = 1. No nosso exemplo particular temos a decomposição: 11 x 7 = 7 x 7 + 4 x 4 + 3 x 3+ 1 x 3.
Cada um desses retângulos menores está dentro dos dois casos triviais considerados acima. Então (concluiu o estudante) o número de quadrados unitários interceptados no retângulo 11 x 7 é a soma 7 + 4 + 3 + 3 = 17. Termina aqui a solução de nosso estudante. Não nos apresentou demonstração da validade do algoritmo, mas verificamos que funcionava perfeitamente.
Apresentamos primeiro uma demonstração da fórmula: o número de quadrados unitários interceptados é b + h — mdc(b, h) (*)
Cada um dos segmentos 12,
23, ... ,
k
Por definição k é o número de pontos da diagonal que são comuns a uma das linhas do reticulado. A diagonal intercepta exatamente uma vez cada uma das b + 1 linhas verticais e cada uma das h + 1 linhas horizontais. Mas do número b + 1 + h + 1 devemos subtrair o número de pontos da diagonal que são comuns com algum vértice de um quadrado unitário, de modo que estes pontos não sejam contados duas vezes.
Um desses pontos é certamente (x0,
y0)
= (0,0). Os outros pontos
(xi,
yi),
i
Esses pontos podem ser obtidos considerando-se todas as frações
m/n equivalentes a h/b tais que m
Por exemplo, sejam b = 12 e h = 8 (ver figura abaixo). Como
mdc(12,8) = 4, simplificando-se
fornecem os pontos (3,2), (6,4), (9,6) e (12,8), que pertencem à diagonal. Voltando aos cálculos anteriores,
Vamos fazer agora algumas considerações sobre a solução do estudante. Trata-se de uma sequência de procedimentos que, executados corretamente, nos levam à solução, desde que b e h sejam fornecidos em valores numéricos. Dizemos que essa sequência de procedimentos é um algoritmo. A princípio ficamos surpresos com essa solução. Mas dois fatos nos levaram a pensar que o algoritmo estava correto. Primeiro, sua semelhança com o algoritmo euclidiano para o cálculo do máximo divisor comum. Segundo, aplicando o algoritmo a alguns exemplos, verificamos que funcionava perfeitamente. Fizemos então um estudo posterior, no qual constatamos: a) A fórmula b + h — mdc(b,h) implica a validade do algoritmo; b) A fórmula b + h — mdc(b,h) pode ser obtida do algoritmo; c) A veracidade do algoritmo pode ser obtida independentemente da fórmula. Provaremos as afirmações a) e b), as quais significam que a fórmula e o algoritmo são equivalentes. A afirmação c) será deixada para o exercício da argúcia do leitor.
Indicaremos
por Nb
Nb.h = qNh.h + Nr.h = qh + Nr.h. (**)
a) A fórmula
b
+ h
Supondo válida a fórmula, temos
Nb.h
= b + h
Nb.h = b + h
= qh + r + h
= qh + Nr.h, e isso implica a veracidade de (**) e, conseqüentemente, do algoritmo.
b) A fórmula
b
+ h
Para sistematizar, anotaremos b = a1 e h = a2. O algoritmo euclidiano aplicado a a1 e a a2 pode ser assim desenvolvido:
a1 = q1a2
+ a3, 0
a2 = q2a3
+ a4, 0
a3 = q3a4
+ a5, 0
an-3= qn-3an-2
+ an-1, 0
an-2= qn-2an-1
+ an, 0
an-1= qn-1an + 0, onde an = mdc(a1, a2). Somando-se todas as equações acima, vem a1 + a21 + . . . + an-1 = (q1a2 + . . . + qn-1an) + (a3 + . . . + an) donde a1 + a2 = (q1a2 + . . . + qn-1an) + an, ou
q1a2
+
. . . +
qn-1an
= a1 +
a2
Aplicando repetidamente a propriedade (**) acima, temos
como queríamos demonstrar.
É principalmente a diversidade de abordagens dos assuntos em estudo que ativa a flexibilidade e a capacidade de compreensão da mente dos estudantes. Essa diversidade faz compreender ao estudante de uma maneira prática que há muitos modos de tratar o mesmo problema intelectual. No Ensino da Matemática através de Problemas, vimos que devemos colocar nossa atenção na possibilidade de se apresentarem soluções na forma de algoritmos. A elaboração de algoritmos desenvolve qualidades de organização e previsão, e é uma atividade que não deve ser omitida no ensino formal da Matemática. Bibliografia Pagni, D. L. Counting Squares, em Mathematics Teacher, vol. 84, n.° 9, dezembro de 1991, página 754.
|