Raul F. W. Agostino
Rio de Janeiro, RJ

De tudo que ensinamos aos nossos alunos, os assuntos que despertam mais interesse são os que envolvem situações do cotidiano. Nestes tempos de AIDS, o problema a seguir* tem servido de boa fonte de motivação e participação, em sala de aula.

Num país, 10% da população é portadora de um vírus. Um teste para detectar ou não a presença do vírus dá 90% de acertos quando aplicado a portadores e dá 80% de acertos quando aplicado a não portadores.

Qual o percentual de pessoas realmente portadoras do vírus, dentre aquelas que o teste classificou como portadoras?

Vejamos uma solução que pode ser dada sem citar teoremas de Probabilidade ou Estatística:

Considere que o teste foi aplicado aos   I  habitantes do país. O número de testes que indicou a presença do vírus foi:

Destas, são portadoras   0,09I.

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Problema proposto no projeto Sapiens (uma espécie de vestibuJar em etapas) para alunos do 2 grau no Rio de Janeiro.

Assim, são realmente portadoras do vírus 0,097I / 0,27I 33,3%   das pessoas que o teste classificou como portadoras.

Esse número é no mínimo curioso e mostra que uma pessoa que fez o teste e foi classificada como portadora tem grande possibilidade de ser um "falso-positivo" (normalmente, quando uma pessoa faz um teste desse tipo e o resultado é positivo, os médicos recomendam um novo teste).

No entanto, o número de testes que indicaram a ausência do vírus foi 0,73I e, dentre esses, 0,72I não são portadores, o que dá

0,727I / 0,73I  = 98,6% de não portadores dentre os classificados como não portadores.

Algumas variações nos dados também originam resultados interessantes. Por exemplo:

Se 0,5% da população é portadora e o teste acerta em 98% dos casos, então somente 20% das pessoas que o teste classificou como portadoras são realmente portadoras.

Dependendo dos objetivos, pode-se a partir daí enunciar o conceito de probabilidade condicional ou mesmo desenvolver tópicos em Estatística; no entanto, a grande qualidade desse problema é apresentar uma situação de real interesse dos nossos alunos, com uma abordagem bastante intuitiva.

Para Aprofundamento

[1]    MORGADO, A. e outros.   Análise Combinatória e Probabilidade.   Rio de Janeiro, SBM, 1991.

[2]  PAULOS, J.A. AnaJ/abetismo em Matemática e suas consequências. Rio de Janeiro, Nova Fronteira,  1994.

NR. Esperamos que nenhum leitor use este artigo como justificativa para não se submeter a testes e exames clínicos solicitados por seu médico. O que o exemplo permite concluir é que, como todo teste está sujeito a erros, dificilmente se justifica a sua aplicação indiscriminada a toda uma população. É importante observar, no entanto, que, quando o médico pede exames, ele tem razões para suspeitar que exista algo errado com o paciente e, portanto, a probabilidade condicional de que ele esteja doente é, em geral, bem maior do que a incidência da doença na população toda (v. RPM 4, p. 21).