Ernesto Rosa Neto
São Paulo - SP

  • No dia 17/12/91 paguei uma dívida que fizera na CEF. Tempos difíceis..., precisei fazer uma penhora. Como paguei em cheque, fui obrigado a esperar a compensação, para depois retirar os valores. Porém, não pude ir em seguida: sem tempo, av. Paulista, trânsito, estacionamento... chegaram as férias, viajei..., fui deixando e lá voltei no dia 12/04/92.

O caixa fez as contas e me cobrou o equivalente a quase metade do valor guardado. Quase caí de costas. Não tinha como pagar — aquilo era um absurdo — e as jóias nem eram minhas. Pedi que refizesse as contas, era mesmo aquele disparate.

Pedi que me mostrasse as contas. Foi assim (em moeda da época):

Avaliação das jóias .................................................... $ 690.000,00

n de dias de 20/12/91 até 12/04/92  ...............................   114

taxa de permanência  ................................................. 0,003334

$690.000 x 114 x 0,003334 = $262.000,00.

Fui a um canto pensar preocupado. Conversei com outras pessoas:

— É isso mesmo! Paguei um absurdo para guardar uns poucos dias  Disse-me um senhor.

Mas aí fiquei mais calmo, comecei a pensar. A única variável é o número de dias, então, como foi feito, o valor a pagar é função linear do número de dias — mas a inflação é exponencial. Caramba! E só esperar...

Voltei ao caixa e perguntei se podia deixar para retirar outro dia. O caixa disse-me que poderia deixar até cinco anos, só que o valor iria sempre aumentar. Vi o canto da sua boca se mexer como com sarcasmo, mas talvez estivesse mesmo apenas querendo me avisar que o valor aumentaria cada vez mais, todo o dia.

Sabe de uma coisa? O melhor lugar para guardar jóias é na CEF. Fui embora!

No dia 12/08/94, quase três anos depois, telefonaram-me pedindo que retirasse as jóias porque as normas estavam sendo mudadas. Mesmo sabendo que as mudanças de contrato não têm efeito retroativo, mas considerando que a inflação tinha caído naquele momento de vésperas de eleição, fui à Caixa em 15/08/94 e o caixa fez as contas:

Avaliação das jóias..................................................... $ 690.000,00

n de dias de 20/12/91 até 15/08/94  ...................................  985

taxa de permanência  ...................................................... 0,003334

$690.000 x 985 x 0,003334 = $2.270.031,00.

Isso em moeda de 1991. Para fazer a conversão para reais era preciso cortar 3 zeros e dividir por 2.750:

$2.270,03 2.750 = $0,83.

Oitenta e três centavos! Paguei, peguei as jóias e fui devolvê-las. A Caixa cobrava 40% para guardar uns três meses e quase nada para guardar durante três anos.

Sim, senhor! Quem será que criou essa sistemática?

Ernesto Rosa Neto é professor de Prática de Ensino da Matemática e de História da Ciência na Universidade Mackenzie, tralhando na linha construtivista. E autor de livros didáticos e paradidáticos e de roteiros de vídeo e multimídea.

NR. A experiência vivida pelo colega Ernesto Rosa, Neto (acreditem, isso aconteceu mesmo com ele) é um exemplo curioso e interessante das distorções provocadas pelo processo inflacionário. Achamos importante destacar alguns pontos que permitem uma melhor compreensão do que ocorreu durante o período em que a CEF guardou as jóias do professor Ernesto.

1)         Sem dúvida o aspecto mais importante do problema é o fato de que, embora a dívida aumentasse todos os dias, sobre o total da dívida não incidiam nem juros, nem correção, nem qualquer tipo de encargo financeiro.

2)    A taxa de aproximadamente 10% ao mês permaneceu inalterada durante um período em que a inflação mais frequente era de 40 a 50% ao mês. Além disso, o principal que servia de base para o cálculo da taxa diária também permaneceu fixo nos $690.000,00 iniciais.   Em agosto de 1994, o valor desse principal era aproximadamente 25 centavos. Se a CEF permitisse que o processo continuasse, ela receberia menos de 3 centavos por mês para guardar as jóias.

Concluindo, o sistema foi criado para funcionar de modo favorável para a CEF por prazos curtos. Tanto isso é verdade que nosso colega levou um grande susto na primeira vez que tentou retirar as jóias. A questão, portanto, não é perguntar quem criou o sistema, mas, sim, quem permitiu que ele fosse usado para prazos longos e não alterou a taxa num período de inflação galopante.