O Método do Bruno

Simone N. Ferreira
Blumenau, SC

Muitas vezes, nós, educadores, somos questionados e nos questionamos sobre o que nos motiva a ser educadores.

Parece que a rotina nos faz esquecer das nossas verdadeiras motivações e a acomodação nos impede de buscar um sentido maior naquilo que fazemos.

Durante uma aula sobre Progressões Aritméticas, no 1 ano do 2 grau, pedi aos alunos que resolvessem o seguinte problema:

Quantos números de 100 a 500 são divisíveis por 8?

Naturalmente, eu esperava que os alunos percebessem a necessidade de descobrir o primeiro número após 100 que fosse divisível por 8 (104), o último número antes de 500 que fosse divisível por 8 (496) e a razão da P.A. (8). Em seguida, aplicaríamos a fórmula do termo geral da P.A.:

an = al + (n l) r    496 = 104 + (n - 1) . 8   n = 50.

E, concluiríamos: De 100 a 500 há 50 números divisíveis por 8. No entanto, eis que surge um caminho diferente. Diz um aluno:

- É simples, basta calcularmos quantos números há de 100 a 500. São 401 números. Divida 401 por 8. Resulta 50 (resto 1). Logo, de 100 a 500 há 50 números divisíveis por 8.

Nem preciso dizer que, comparado ao cálculo tradicional, o "método do Bruno" fez o maior sucesso. Além de ser mais fácil e aparentemente eficaz, a sugestão do Bruno trouxe à aula um daqueles raros momentos mágicos.  Alunos atentos, interessados e motivados pela sua possível descoberta.

Fiquei entusiasmada, resolvi investir na sugestão e ver no que iria dar. Na pior das hipóteses, concluiríamos que o cálculo sugerido era restrito ao problema em questão.

Comecei a discutir com os alunos a lógica de tal raciocínio, a fim de me certificar de que os demais alunos haviam compreendido. Percebemos, então, que, dividindo 401 por 8, estávamos agrupando os 401 números de 8 em 8. E que em cada um desses grupos de 8 números havia apenas um número divisível por 8.

Observe as 50 linhas (grupos):

100

101

102

103

104

105

106

107

 

108

109

110

111

112

113

114

115

 

 

 

 

 

 

50 grupos

492

493

494

495

496

497

498

499

 

500

 

 

 

 

 

 

 

resto = 1

(Os números em negrito, em cada linha, são os múltiplos de 8.)

Portanto, se em cada um dos 50 grupos há apenas um múltiplo de 8, é lógico que de 100 a 500 teremos 50 números divisíveis por 8.

Observe que, para os alunos, o "método do Bruno" era mais atraente, uma vez que se resumia a uma simples divisão. Questionei os alunos sobre o significado do resto. Eles disseram que o resto representava a quantidade de números na última linha incompleta, onde não se chegava a formar outro grupo de oito números.

Eles, na hora, não perceberam a importância do resto. O resto representa a quantidade de números no último grupo que, mesmo incompleto, poderá conter mais um dos múltiplos.

Penso que nós educadores devemos incentivar e prestigiar as "descobertas" dos nossos alunos. Embora sabendo que o método do Bruno não estava correto, tive o cuidado de não declarar isso de imediato. Com a nossa autoridade, dizer a um aluno, perante uma turma: "Seu método está errado" é uma das formas mais eficientes de afastá-lo da Matemática. Pelo contrário, se percebemos que um aluno tem uma boa idéia, embora não totalmente correta, devemos estimulá-lo a prosseguir, encontrar seus erros e corrigi-los. Sugeri, portanto, outros exemplos para que os alunos pudessem criticar o "método do Bruno",    que tinha se transformado em um autêntico sucesso. Perguntei:

Quantos múltiplos de 7 há de 1 000  a   10 000?

Pelo método do Bruno encontramos 9 001 7 = 1 285 múltiplos de 7, o que não é correto. Existem, na verdade, 1 286 múltiplos de 7 no intervalo dado, porque essa divisão deixa resto 6 e um desses 6 números é múltiplo de   7.

Os alunos perceberam com tristeza que o método do Bruno não era infalível. A listagem dos grupos deixou isso claro.

1000

1001

1002

1003

1004

1005

1006

 

1007

1008

1009

1010

1011

1012

1013

 

 

 

 

 

1285 grupos

9988

9989

9990

9991

9992

9993

9994

 

9995

9996

9997

9998

9999

1000

 

resto = 6

Ficaram um breve instante em silêncio, cada qual com seus pensamentos. Imaginei que já não consideravam o "método do Bruno" tão simples como de princípio e que, no fundo, lamentavam.

Foi a Michele quem nos trouxe um novo argumento:

- Professora, apesar dessa diferença encontrada, podemos dizer que, ao aplicar o método do Bruno, o resultado será ou o próprio quociente ou, no máximo, um número a mais do que o quociente. Isso porque, na linha incompleta, nunca teremos mais do que um múltiplo do número em questão.

A Michele estava certa. Utilizando o novo método, teríamos duas possíveis hipóteses:

1) o resultado é exatamente o quociente;

2) o resultado é apenas um número a mais do que o quociente encontrado.

A confirmação de uma das hipóteses dependeria da análise dos números da linha incompleta, se houver.

No entanto, o Fabrício considerava trabalhoso demais agrupar os números, como estávamos fazendo, para só então examinar a linha incompleta.

Ele sugeriu um meio mais rápido:

- Procure o último múltiplo do número.  Em seguida, verifique se ele está entre os   r  números do resto. Assim:

 

iv. Os seis últimos números são : 10 000, 9 999, 9 998, 9 997, 9 996 e 9 995. Entre esses seis números está o último múltiplo de 7 (9 996). Logo, confirma-se a segunda hipótese: são 1286 múltiplos.

O método do Bruno foi salvo. Certamente ele não traz grandes vantagens em relação ao tradicional, o da progressão aritmética. Mas a sua importância é imensa. Ele foi criado e aperfeiçoado por alunos.

O que nos motiva a ser educadores? Ainda continuo pensando nisso tudo durante as aulas.

Hoje, muitos dos alunos preferem usar o método por eles descoberto. Estou certa de que já não é mais o método do Bruno, mas também da Michele, do Fabrício, do Alexandre, ... Uma descoberta que, independente da grandeza, foi resultado da contribuição de cada um deles.

Observo-os mais. Vejo em alguns deles uma vontade nova de inventar outros caminhos e não de apenas seguir cegamente por trilhas já traçadas.

Talvez, querer suscitar o gênio criador que habita cada um de nossos alunos já seja um bom motivo para sermos educadores.

 

Simone N. Ferreira é bacharel e licenciada em Matemática pela Universidade Regional de Blumenau. Há oito anos é professora do Colégio Franciscano Santo Antônio de Blumenau.