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Muitas vezes, nós, educadores, somos questionados e nos questionamos sobre o que nos motiva a ser educadores. Parece que a rotina nos faz esquecer das nossas verdadeiras motivações e a acomodação nos impede de buscar um sentido maior naquilo que fazemos. Durante uma aula sobre Progressões Aritméticas, no 1.° ano do 2.° grau, pedi aos alunos que resolvessem o seguinte problema: Quantos números de 100 a 500 são divisíveis por 8? Naturalmente, eu esperava que os alunos percebessem a necessidade de descobrir o primeiro número após 100 que fosse divisível por 8 (104), o último número antes de 500 que fosse divisível por 8 (496) e a razão da P.A. (8). Em seguida, aplicaríamos a fórmula do termo geral da P.A.: an = al + (n l) r 496 = 104 + (n - 1) . 8 n = 50. E, concluiríamos: De 100 a 500 há 50 números divisíveis por 8. No entanto, eis que surge um caminho diferente. Diz um aluno: - É simples, basta calcularmos quantos números há de 100 a 500. São 401 números. Divida 401 por 8. Resulta 50 (resto 1). Logo, de 100 a 500 há 50 números divisíveis por 8. Nem preciso dizer que, comparado ao cálculo tradicional, o "método do Bruno" fez o maior sucesso. Além de ser mais fácil e aparentemente eficaz, a sugestão do Bruno trouxe à aula um daqueles raros momentos mágicos. Alunos atentos, interessados e motivados pela sua possível descoberta. Fiquei entusiasmada, resolvi investir na sugestão e ver no que iria dar. Na pior das hipóteses, concluiríamos que o cálculo sugerido era restrito ao problema em questão. Comecei a discutir com os alunos a lógica de tal raciocínio, a fim de me certificar de que os demais alunos haviam compreendido. Percebemos, então, que, dividindo 401 por 8, estávamos agrupando os 401 números de 8 em 8. E que em cada um desses grupos de 8 números havia apenas um número divisível por 8. Observe as 50 linhas (grupos):
(Os números em negrito, em cada linha, são os múltiplos de 8.) Portanto, se em cada um dos 50 grupos há apenas um múltiplo de 8, é lógico que de 100 a 500 teremos 50 números divisíveis por 8. Observe que, para os alunos, o "método do Bruno" era mais atraente, uma vez que se resumia a uma simples divisão. Questionei os alunos sobre o significado do resto. Eles disseram que o resto representava a quantidade de números na última linha incompleta, onde não se chegava a formar outro grupo de oito números. Eles, na hora, não perceberam a importância do resto. O resto representa a quantidade de números no último grupo que, mesmo incompleto, poderá conter mais um dos múltiplos. Penso que nós educadores devemos incentivar e prestigiar as "descobertas" dos nossos alunos. Embora sabendo que o método do Bruno não estava correto, tive o cuidado de não declarar isso de imediato. Com a nossa autoridade, dizer a um aluno, perante uma turma: "Seu método está errado" é uma das formas mais eficientes de afastá-lo da Matemática. Pelo contrário, se percebemos que um aluno tem uma boa idéia, embora não totalmente correta, devemos estimulá-lo a prosseguir, encontrar seus erros e corrigi-los. Sugeri, portanto, outros exemplos para que os alunos pudessem criticar o "método do Bruno", que tinha se transformado em um autêntico sucesso. Perguntei: Quantos múltiplos de 7 há de 1 000 a 10 000? Pelo método do Bruno encontramos 9 001 7 = 1 285 múltiplos de 7, o que não é correto. Existem, na verdade, 1 286 múltiplos de 7 no intervalo dado, porque essa divisão deixa resto 6 e um desses 6 números é múltiplo de 7. Os alunos perceberam com tristeza que o método do Bruno não era infalível. A listagem dos grupos deixou isso claro.
Ficaram um breve instante em silêncio, cada qual com seus pensamentos. Imaginei que já não consideravam o "método do Bruno" tão simples como de princípio e que, no fundo, lamentavam. Foi a Michele quem nos trouxe um novo argumento: - Professora, apesar dessa diferença encontrada, podemos dizer que, ao aplicar o método do Bruno, o resultado será ou o próprio quociente ou, no máximo, um número a mais do que o quociente. Isso porque, na linha incompleta, nunca teremos mais do que um múltiplo do número em questão. A Michele estava certa. Utilizando o novo método, teríamos duas possíveis hipóteses: 1.ª) o resultado é exatamente o quociente; 2.ª) o resultado é apenas um número a mais do que o quociente encontrado. A confirmação de uma das hipóteses dependeria da análise dos números da linha incompleta, se houver. No entanto, o Fabrício considerava trabalhoso demais agrupar os números, como estávamos fazendo, para só então examinar a linha incompleta. Ele sugeriu um meio mais rápido: - Procure o último múltiplo do número. Em seguida, verifique se ele está entre os r números do resto. Assim:
iv. Os seis últimos números são : 10 000, 9 999, 9 998, 9 997, 9 996 e 9 995. Entre esses seis números está o último múltiplo de 7 (9 996). Logo, confirma-se a segunda hipótese: são 1286 múltiplos. O método do Bruno foi salvo. Certamente ele não traz grandes vantagens em relação ao tradicional, o da progressão aritmética. Mas a sua importância é imensa. Ele foi criado e aperfeiçoado por alunos. O que nos motiva a ser educadores? Ainda continuo pensando nisso tudo durante as aulas. Hoje, muitos dos alunos preferem usar o método por eles descoberto. Estou certa de que já não é mais o método do Bruno, mas também da Michele, do Fabrício, do Alexandre, ... Uma descoberta que, independente da grandeza, foi resultado da contribuição de cada um deles. Observo-os mais. Vejo em alguns deles uma vontade nova de inventar outros caminhos e não de apenas seguir cegamente por trilhas já traçadas. Talvez, querer suscitar o gênio criador que habita cada um de nossos alunos já seja um bom motivo para sermos educadores.
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