Gilda de La Rocque Palis
PUC-Rio


O conhecimento se torna mais sólido quando foi construído e aplicado em mais de um ambiente
 conceitua
l apropriado.    (Douacly [l])

Achar os zeros de uma função f, isto é, achar valores de x para os quais f(x) = 0, é um problema freqüente e importante em Matemática.

Durante sua vivência escolar os alunos resolvem problemas desse tipo em várias ocasiões, em geral obtendo soluções exatas, expressas por fórmulas fechadas. Por exemplo:

Em geral, nesses estudos, de natureza essencialmente algébrica, estão ausentes dois pontos de vista complementares e importantes: o gráfico e o numérico. Essa ausência se deve em parte às dificuldades intrínsecas de implementação de atividades nesses contextos.

A utilização de novas tecnologias computacionais (calculadoras e softwares gráficos) viabiliza a incorporação dos pontos de vista numérico e gráfico. Além disso, ferramentas computacionais permitem uma liberdade bem maior na escolha das funções de trabalho, não sendo mais necessário levar em conta as limitações do cálculo e do desenho realizados à mão.

Softwares gráficos produzem em pouquíssimo tempo esboços de gráficos de funções difíceis ou impossíveis de desenhar à mão; e ferramentas numéricas fornecem rapidamente resultados de processos computacionais tediosos e demorados. Essas facilidades permitem uma ampliação importante no universo de funções estudadas; suas expressões podem ser mais complexas, pode-se trabalhar com funções polinomiais de maior grau, com funções transcendentes de difícil fatoração, etc. [2]

De acordo com vários pesquisadores, a representação de objetos matemáticos em contextos complementares, como os contextos gráfico, algébrico e numérico, permitida por alguns programas computacionais, pode favorecer o processo de construção do conhecimento desses objetos [1].

Porém, é preciso destacar que certamente a qualidade do aprendizado depende, em grande parte, da qualidade das tarefas propostas aos alunos e não da disponibilidade ou emprego de tecnologias computacionais.

Mas com ferramentas computacionais não se ensina da mesma forma e certamente não as mesmas coisas. A conjugação de cálculos exatos com cálculos "reais", logo aproximados, contrapõe objetivos algébricos e numéricos e a Matemática se "decimaliza".

A distinção entre soluções exatas e aproximadas poderia ser incluída na prática escolar mais cedo do que usualmente se tem realizado. Em particular, os alunos deveriam usar o sinal de igualdade somente com o significado de exatamente igual, e se familiarizar com o emprego da simbologia de valor absoluto nas situações de aproximação.

Veremos adiante que a procura de zeros de funções reais é um problema aue permite trabalhar com essas ideias.

Inicialmente, vamos enunciar uma definição que será empregada no restante do texto e dar alguns exemplos ilustrativos.

Definição: Dizemos que um número real   a   é uma aproximação do número real   r,   com erro menor que   E,   se

| a r | < E,

ou seja, se, na reta numérica, a distância entre   a e r   for menor do que   E.

Vejamos alguns exemplos:

1. O número  a = 2,146  é uma aproximação de  r = 2,15  com erro menor do que  0,01,  pois  | a r | = | 2,146 2,15 | = 0,004 < 0,01.

2. Se r pertence ao intervalo (1,32; 1,58), podemos dizer que 1,33 é uma aproximação de r com erro menor do que 0,26, pois

|1,33 r | < |1,58  1,32| = 0,26

 

De fato, todo real no intervalo considerado é uma aproximação de  r  com erro menor do que  0,26.

3. Se   r   pertence ao intervalo   (1,32;   1,58),   podemos dizer que' seu ponto médio,    1,45,   é uma aproximação de   r   com erro menor do que  0,13,  pois

4. Se r pertence ao intervalo (3,55; 3,56), podemos dizer que 3,55 é uma aproximação de r com erro menor do que 0,01. De fato, todo real no intervalo considerado é uma aproximação de   r   com erro menor do que  0,01.

Vamos agora apresentar dois problemas, que podem ser resolvidos com o apoio de calculadoras gráficas ou softwares gráficos.

Essas ferramentas desenham gráficos de funções restritos a regiões bem definidas do plano cartesiano; essas regiões são comumente denominadas janelas gráficas.

Todas as figuras deste texto foram geradas utilizando o software MPP (Mathematics Plotting Package - V3.49), um programa de domínio público desenvolvido pela Academia Naval dos Estados Unidos. [4]

 

     Problema 1

Determine uma aproximação do maior zero da função

f(x) = x3 2x2 13x 4

com erro menor do que   10-4.

A partir do gráfico da função na "janela" [4, 6] x [35, 10] (Figura 1), vemos que o maior zero da função pertence ao intervalo [4, 5]. Denotemos esse zero por   r.

Examinando o gráfico da função na "janela"  [4, 5] x [—10, 10]  (Figura 2), onde o intervalo  [4, 5] está dividido em subintervalos de comprimento 0,1, vemos que r pertence ao intervalo (4,8; 4,9). Podemos concluir, então, que | 4,8 r | < 0,1, ou seja, que 4,8 é uma aproximação de   r   com erro menor do que   0,1.

Agora, olhando o gráfico da mesma função na "janela" [4,8; 4,9] x [ 1, 1] (Figura 3), onde o intervalo [4,8; 4,9] está dividido em subintervalos de comprimento 0,01, podemos concluir que r está bem próximo de 4,85; mas não sabemos se ligeiramente à direita ou à esquerda.


O desenho do gráfico da função na janela [4,84; 4,85] x [1, 1] mostra que  r > 4,85,  sendo que não estamos exibindo esse desenho.

Examinando o gráfico da função na "janela" [4,85; 4,86] [-1, 1] (Figura 4), estando agora o intervalo [4,85; 4,86] divi­dido em subintervalos de comprimento 0,001, podemos ver que r pertence ao intervalo (4,850; 4,851). Concluímos estão que 4,850 é uma aproximação de r com erro menor que 0,001, isto é, |4,850 r| < 0,001

Para finalizar, examinemos o gráfico da mesma função na "janela" [4,850; 4,851] x [-0,01; 0,01] (Figura 5), com o intervalo [4,850; 4,851] dividido em subintervalos de comprimento 0,0001. Vemos agora que  pertence ao intervalo  [4,8502; 4,8503], e assim

4,8502 é uma aproximação de r com erro menor do que 0,0001. Logo, 4,8502 é uma das respostas possíveis para o problema proposto.

Observe que em cada etapa há várias respostas possíveis. A escolha que fizemos determina os truncamentos da expansão decimal de r; com efeito, 4,8502 são os primeiros dígitos da expansão decimal da solução.

 

     Problema 2

Determine uma aproximação racional do maior zero da função

com erro menor que   10-3.

Denotemos esse zero por   r.     Em se tratando de uma função quadrática, sabemos que

De maneira análoga ao que foi feito no problema anterior, apoiando-se nas Figuras 6   a   9,   podemos concluir que:

Assim, 0,913 é uma resposta para o problema.

Essa questão pode também ser resolvida algebricamente:

Suponhamos que a seja uma aproximação de com erro menor do que 10-3 /2 e que b seja uma aproximação de com erro menor do que 10-3 /2 (veja diversos métodos para cálculo de aproximações de raízes quadradas na RPM 2, p. 27, e RPM 21, pp. 6 a 18).   Nesse caso:

Multiplicando (2) por   1   obtemos:

Somando (1) e (3) temos:

o que indica que   a — b   é uma aproximação de      com erro menor do que   10-3.

Problemas de construção de aproximações de números reais, envolvendo diversos procedimentos (truncamentos da expansão decimal, método de bisseção, método de aproximações sucessivas, etc), são muito interessantes para ampliar o conhecimento dos alunos sobre o Sistema de Números Reais e para apoiar o desenvolvimento posterior do conceito de Sequência Convergente. [3], [5] e [6]

 

     Observação:

O programa MPP (Mathematics Plotting Package - V3.49) é um conjunto de módulos integrados em um programa com os quais se podem obter gráficos de funções f : IR IR definidas em coordenadas retangulares ou polares; gerar desenhos de imagens de funções f : IR IR2 definidas em coordenadas retangulares; e obter resultados numéricos, concomitantemente com visualizações gráficas, de alguns processos matemáticos (derivação, integração, ...).

Esse programa foi desenvolvido na Academia Naval dos Estados Unidos por H.L. Penn, J. Buchanan e F. Pittelli, e requer pouco tempo para se familiarizar com seu manuseio.

O Programa roda em IBM-PC e clones com um mínimo de 512K de memória e monitor CGA, EGA ou VGA. No entanto, para que possam ser aproveitadas as facilidades do programa relacionadas ao emprego de cores variadas, é aconselhável o uso de monitor colorido e placa EGA ou VGA. Mas isso não é essencial.

Se algum leitor desejar uma cópia do programa (a preço do disco somente, pois se trata de um programa de domínio público) e uma cópia do manual em português [4], encaminhe um pedido ao Departamento de Matemática, PUC-Rio, Rua Marquês de São Vicente, 225 - 22453-900 Rio de Janeiro, RJ, aos cuidados da Professora Gilda de La Rocque Palis, anexando ao pedido um envelope selado e auto-endereçado para que lhe possamos mandar, na ocasião, os preços do disquete, manual e correio.
 

Referências  Bibliográficas

[1]  DOUADY, R. Jeu de cadres et diàlectique outil-objet, Reclierches eu Didactiques des Mathematiques 7, 1986.

[2]  PALIS, G.L.R. Experiências com a u tilizanção de um software gráfico na área de Matemática, Anais do II Seminário Nacional de Informática Educativa, U.F. Alagoas, 1991.

[3] MALTA, I. e PALIS, G.L.R. Números reais e seqüências numéricas, Departamento de Matemática, PUC-Rio, 1994.

[4] PALIS, G.L.R. Manual de apoio ao uso do MPP (Mathematics Plotling Package), Departamento de Matemática, PUC-Rio, 1994.

[5]  PALIS, G.L.R. Caderno de atividades para serem realizadas com apoio de microcomputadores: funções elementares, Departamento de Matemática, PUC-Rio, 1994.

[6] PALIS, G.L.R. Experiências de construção de aproximações de números reais usando programas aplicativos, Anais do Workshop Aplicações Inovadoras de Informática na Educação, Coppe - UFRJ, junho de 1994.

 

Gilda de La Rocque Palis, doutora em Matemática pelo IMPA, é professora da PUC-Rio, onde coordena atividades de pesquisa em ensino-aprendizagem de Matemática no 2 e 3 graus e de análise do impacto da tecnologia computacional nesse segmento educativo.