Eduardo Wagner
Rio de Janeiro, RJ

As histórias que vamos contar envolvem dois amigos que gostam de freqüentar bares e restaurantes, além de discutir problemas de Matemática. Em pelo menos duas situações, surgiram interessantes problemas cujas soluções, além de elegantes, são bastante educativas.
 

     Primeira História

Augusto e João foram a um restaurante para comer pizza. O primeiro pediu uma grande e o segundo, uma média e uma pequena, todas do mesmo sabor. Curiosamente, o preço da pizza grande era exatamente igual à soma dos preços das pizzas média e pequena. Logo após os pedidos surgiu naturalmente o problema de saber quem vai comer mais. O fato de os preços a pagar serem iguais não quer dizer nada, porque nos restaurantes, o preço não costuma ser proporcional à quantidade de comida servida. Augusto argumenta que, se tivesse uma régua, poderia medir os diâmetros, calcular as áreas e verificar se a área da pizza grande é maior, igual ou menor do que a soma das áreas das outras duas. Porém, não havia régua disponível. Pensando um pouco, João, bom geômetra, declarou ter resolvido o problema, dizendo que assim que as pizzas chegassem diria quem comeria mais, e para isso usaria apenas objetos que estavam em cima da mesa. Augusto estupefato duvidou. "Como é possível? Não temos instrumento de medida algum. Em cima da mesa só há talheres, copos, guardanapos e o cardápio, responsável por nossa incrível discussão!" A espera não foi longa e as pizzas chegaram. Rapidamente, então, João cortou cada uma delas em duas metades.

Sobre a mesa (de mármore) juntou os diâmetros para formar um triângulo.

Utilizando o canto do cardápio como um modelo para o ângulo reto, João verificou que o ângulo oposto ao diâmetro da maior metade () era menor do que 90° e declarou "eu como mais". E Augusto, após pensar alguns momentos, concordou.

Qual é a explicação?

A explicação depende de dois teoremas importantes. 0 primeiro bastante conhecido e o segundo não muito.

TEOREMA 1

A razão entre as áreas de figuras semelhantes é igual ao quadrado da razão de semelhança.

TEOREMA 2

Se figuras semelhantes são construídas sobre a hipotenusa e sobre os catetos de um triângulo retângulo, então a área da figura maior é igual à soma das áreas das outras duas.

Vamos demonstrar esse segundo teorema.

Na figura a seguir, A, B e C representam as áreas de figuras semelhantes que foram construídas sobre os lados de um triângulo retângulo de hipotenusa  a  e catetos  b e c.

Pelo teorema 1:

Portanto,

Como no triângulo retângulo, a2 = b2 + c2, concluímos que A = B + C.

Reciprocamente, se figuras semelhantes são construídas sobre os lados  a, b e c  de um triângulo, e se  A = B + C,  então  a2 = + c e, pela recíproca do teorema de Pitágoras, o triângulo é retângulo.

Para concluir que no nosso problema João estava certo, observe que, se a é o ângulo oposto ao lado a do triângulo de lados a, b e c,   temos:

Portanto, se na nossa história João constatou que o ângulo a era menor que 90°, então a área da semipizza grande era menor que a soma das áreas das outras duas metades.

 

     Segunda História

Dias depois, Augusto, afobado com o calor, senta em um bar e pede um chope (na verdade, o primeiro de muitos). Nesse lugar, o chope é servido em "tulipas", que são copos com a forma de um cone invertido. O garçom chega com a bebida ao mesmo tempo que João encontra seu amigo. "Como vai, João? Sente e tome rápido a metade deste copo. Eu tomo a outra metade." A fisionomia de João mostra alguma tristeza. Como determinar a altura do nível da bebida quando um copo cônico contém a metade do seu conteúdo? Augusto então alivia a situação.  "Meu caro amigo, para este problema, seus artifícios são insuficientes. Eu hoje vim prevenido e trouxe uma régua e uma calculadora. Desculpe a brincadeira e vamos juntos resolver o nosso problema."

Augusto então saca de sua régua, calculadora, caneta e sobre um guardanapo mostra a solução sob o olhar de um estupefato garçom.

"Observe, João, que o copo tem 20 cm de altura.

Desejamos obter a altura da superfície do líquido que corresponda à metade do volume do copo. Para isso, precisamos recordar dois  teoremas."
 

TEOREMA 3

Toda, seção paralela à base de um cone forma um outro cone semelhante ao primeiro.
 

TEOREMA 4

A razão entre o volume de sólidos semelhantes é igual ao cubo da razão de semelhança.

Augusto continua sua explicação.

"Se você tiver tomado uma parte do conteúdo deste copo, teremos aqui, pelo teorema 3, dois objetos semelhantes: o cone formado pelo líquido e o próprio copo. A razão de semelhança entre esses dois cones é a razão entre suas alturas, ou seja, h/20. Como desejamos que o líquido tenha a metade do volume do copo, pelo teorema 4 podemos escrever:

Assim,   a   altura   que   corresponde   à   metade do volume do copo é  h = 10 cm."

João concorda com a perfeita explicação, mas repara que a resposta não resolve ainda o problema porque ele não tem a menor idéia de quanto é   10 .   E então Augusto, com a sua calculadora e seu sorriso irônico, diz: "Ah! é bom saber que esse valor dá aproximadamente 16 cm."

Bem. O problema foi resolvido e o chope, já meio quente, foi adequadamente dividido. Falta apenas o final da história.

Nessa altura, as pessoas das outras mesas ouviam atentamente nossos personagens com um misto de admiração e espanto. Nisso, João faz uma descoberta, que anuncia em alto e bom som: "Este problema me revela que quando somos servidos em tulipas com 4 cm de colarinho estamos tomando apenas metade do conteúdo do copo. Assim, se eu digo que tomei 10 chopes, na verdade tomei 5, mas paguei 10!".

E foram expulsos do bar.
 

CADERNO 5 DA RPM
Os Elementos de Euclides
João Bosco Pitombeira

Torne-se AMIGO

"O presente CADERNO DA RPM versa sobre tema antigo, porém de permanente atualidade, pois, decorridos cerca de dois mil e trezentos anos desde o seu aparecimento, os Elementos de Euclides têm sido a obra mais influente que já se produziu até os dias de hoje, dentre todas as obras matemáticas e científicas conhecidas .  .  .  .  .  .  .  .  .  .  .  .  .  .  .  .  .  .  .  .  .  .  . . . . . . . . . . . o tema do presente CADERNO DA RPM é importante e oportuno.  E o nome do seu autor, por demais conhecido em nosso meio, só faz aumentar a recomendação da obra."

Geraldo Ávila (trechos da Apresentação do Caderno 5 da RPM)

Aos que já são AMIGOS 94 foi enviado o CADERNO 5 e três números atrasados da RPM, conforme foi prometido na RPM 24, p. 4.