Ensino no 1.° grau (uma experiência)
 

Cristina Frade
Belo Horizonte, MG

Na tentativa de estimular o hábito da leitura e recuperar o valor e a utilidade do livro didático, venho, há alguns anos, desenvolvendo uma forma de trabalho pouco convencional com meus alunos de Matemática, da 5 à 8 série do 1 grau: a leitura e a interpretação de textos do livro de Matemática.

Hoje é consenso que o livro de Matemática tem sido aberto pelos alunos apenas para fazer exercícios. Eles têm deixado o 1o grau incapazes de estabelecer contato com um texto escrito em linguagem matemática e, conseqüentemente, sem ter adquirido uma habilidade que considero fundamental no processo de aprendizagem: a independência e maturidade para estudarem sozinhos.

Como é feito meu trabalho em sala de aula?

Dentre as muitas coleções de Matemática de 5 à 8 séries que existem no mercado, e às quais consigo ter acesso, escolho aquela que, a meu ver, coloca os conceitos matemáticos com maior precisão e clareza e é mais coerente em sua linguagem, do primeiro ao último volume.

De posse do livro-texto e do caderno de atividades (complemento do livro-texto com exercícios propostos), os alunos se reúnem, em grupos de dois, e o processo de estudo segue os seguintes itens:

1.         leitura de determinada unidade;

2.         discussão em grupo, à medida que a leitura se processa;

3.         exercícios sobre o tópico estudado;

4.         seminário orientado pelo professor, ao término do estudo da unidade, com a participação dos alunos;

5.         resumo feito pelo professor, ressaltando as idéias mais importantes, ligando o que foi lido à unidade anterior e à posterior;

6.         crítica do texto e sugestões para os autores.
 

Observação:

Várias vezes deparei-me com conceitos ou exercícios resolvidos de modo impreciso. Quando isso ocorre, chamo a atenção sobre o fato, faço uma crítica na esperança de que os alunos percebam a imprecisão e sugiro a substituição de um argumento por outro.

Para esclarecer melhor essa questão, darei como exemplo um fato ocorrido, no ano passado, numa turma da 7 série, quando estudávamos Sistemas de Equações do Primeiro Grau a Duas Variáveis. No capítulo VI do livro-texto, havia um sistema a ser estudado:

De acordo com o texto, o domínio de validade era

o que não está correto.

Fiz perguntas aos alunos até que alguns perceberam qual deveria ser o domínio de validade correto. Perguntei quem se disporia a escrever uma carta aos autores, sugerindo a mudança necessária. No dia seguinte, recebi de um aluno a carta que transcrevo abaixo:

Belo Horizonte, 02 de novembro de 1992

Prezados Editores,

Sou aluno de 7 série do Centro Pedagógico da. Universidade Federal de Minas Gerais, e faço uso do livro Matemática, Conceitos e Histórias, editado pelos senhores.

Ao ler o capítulo VI deste, percebi um erro de edição no item 4.

Notem que o domínio de validade do 2 exemplo do sistema da página 101 está errado.

Esse domínio diz que (x, y) (3,1) e, dessa maneira, dá-se a entender que o único resultado impossível desse sistema é o par ordenado (3,1). Entretanto, qualquer resultado que tenha x=3, ou y = 1, será impossível. Pois se, por exemplo, o resultado for (4,1), o resultado será impossível, já que  y  não pode ser igual a  1.

Assim, o certo seria colocar o domínio de validade da seguinte maneira:

Atenciosamente,

José Antonio de Aquino Ribeiro

 

É verdade que, no início desse trabalho, os alunos apresentam uma certa dificuldade em interpretar o texto e voltar a ele tantas vezes quantas forem necessárias para resolverem os exercícios. Isso acontece devido à falta de costume de ler um texto de Matemática.

Mas, à medida que o tempo vai passando e eles vão se familiarizando com a linguagem, a atividade vai se tornando muito agradável. Os alunos não só gostam de trabalhar com o livro como sentem que seus pais não jogaram dinheiro fora ao comprá-lo.

É certo, também, que esse trabalho reforça a importância da interpretação de texto, tão importante em Português, História e Geografia e enriquece qualquer metodologia de ensino.

Trabalhando desse modo, o professor estará tentando:

-     incentivar o hábito da leitura;

-     incentivar a independência de estudo do aluno;

-     proporcionar maior participação do aluno nas aulas;

-     desenvolver o espírito crítico da leitura (questionando o que se lê);

-     despertar a capacidade do aluno para redigir um texto em linguagem matemática (mesmo para sugerir uma correção);

-     apresentar-se ao aluno como um orientador, e jamais como o todo-poderoso detentor do saber.

 

Cristina Frade é mestre em Matemática, pela Universidade Federal de Minas Gerais e professora da Escola do 1° Grau do Centro Pedagógico da UFMG.