Vera Helena. Giusti de Souza,
IME-USP

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RPM — O leitor pergunta
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- Um leitor de Santa Maria, RS, nos faz a seguinte pergunta: Na resolução do problema.: "Ache a razão entre as áreas totais de dois cubos tais que a aresta de um é a diagonal do outro" é correio dar um valor, por exemplo, a = 2, para a aresta do menor e calcular a razão neste caso?

RPM: Antes de verificar se o procedimento indicado é correto ou não, lembramos que é sempre uma boa tática atribuir valores particulares às variáveis de um problema quando não vislumbramos, de pronto, uma solução geral. Ou seja, correto é, só não é completo! Tendo estudado um caso particular será preciso ainda estudar o caso geral, ou verificar se a solução do caso particular responde também ao caso geral, como se dá no problema acima enunciado. Senão, vejamos:

Sendo 2 a aresta do cubo menor, a sua diagonal será que é também a aresta do cubo maior. As respectivas áreas totais serão, então, 6 x 4 = 24 e 6 x 12 = 72,   e, finalmente, sua razão é igual a  24/72 = 1/3.

O que se verifica neste caso é entretanto:

1.    A atribuição de um valor particular à medida da aresta não facilitou o raciocínio geométrico; só evitou o cálculo com letras. A solução direta, no caso geral, seria calcular a área total  do cubo menor de aresta a e a área total  do cubo maior de aresta  d = a .   Donde  s/S = 6a2/6d2 = 6a2/(6 x 3a2) = 1/3. (Usamos as mesmas ferramentas geométricas do caso  a = 2   e chegamos ao mesmo resultado; a complicação maior ficou só por conta da manipulação algébrica.)

2.    O cálculo no caso geral mostra que o resultado numérico obtido para   a = 2 não dependeu do valor escolhido para a aresta, o que não estava evidente antes.

3.   Nada foi dito sobre unidade, de modo que, ao invés de tomar a = 2, poderíamos ter tomado a aresta do cubo menor como unidade e fazer os cálculos com  a = 1. O resultado, como quociente de áreas, será um número puro, independendo da unidade e, portanto, do particular valor da aresta de partida.

4.    Uma última observação fica por conta do fato de que, sendo 6 as faces em cada um dos cubos, todas com mesma área, o cálculo da razão entre as áreas pode ser simplificado, bastando calcular a razão entre as áreas de uma das faces dos cubos.
 

 

- Um leitor de São Paulo, SP, nos pergunta qual o fundamento teórico da transformação de dízimas periódicas em fração.

RPM. Tanto na RPM 7 (pp. 58-59) como na RPM 10 (pp. 26-27), o cálculo da geratriz de uma dízima está baseado na seguinte observação: se  x = 0,333...,   então  10x = 3,333... 3 + x,  e, de   10x = 3 + x,  vem  x = 3/9  ou  1/3 .  Se o período tiver dois algarismos, como em   y = 0,232323..., multiplica-se  y  por  100,  obtendo-se  100y = 23 + y,   donde   y = 23/99 e assim por diante, qualquer que seja o número de dígitos do período da dízima. Daí a regra: uma geratriz de uma dízima periódica simples é a fração cujo numerador é o período e o denominador é o número formado por tantos noves quantos forem os algarismos do período.

Se  z = 0,2454545...,  então  x = 0,2 + (w/10),   onde  w = 0,454545... e  l00w = 45 + w, donde  w = 45/99  e   z = (2/10) + (45/990) = (245 2)/990.   Repare que este último numerador pode ser calculado como  2 x 99 + 45 = 2 x (100- 1) 4 45 = 245 2.   Donde, a regra: uma geratriz de uma dízima periódica composta é a fração cujo numerador é a parte não periódica seguida do período menos a parte não periódica e o denominador é o número formado por tantos noves quantos são os algarismos do período seguidos por tantos zeros quantos são os algarismos da parte não periódica.

Estes cálculos baseiam se nas igualdades    l0x = 3 + x,     100y = 23 + y   e  100w = 45 + w.   Qual é, entretanto, o fundamento para a validade destas igualdades?

Ora, o que está por trás de uma dízima é um processo de limite. Trata-se de um número racional que não admite uma representação decimal finita. Sendo, porém, o resultado da divisão por um inteiro, a partir de uma certa casa, um algarismo ou um grupo de algarismos começa a se repetir. Isso faz com que qualquer casa decimal desse desenvolvimento seja conhecida! Então, embora não se possa escrever o número na forma decimal, é possível escrever uma aproximação desse número com tantas casas decimais quantas se deseje, isto é, com erro menor do que qualquer valor previamente estabelecido. Ou seja, o número racional não tem uma representação decimal finita, mas é o limite de uma seqüência muito especial de números, todos com forma decimal finita, cada um dos quais é obtido pelo acréscimo de um período ao termo anterior, como nos exemplos seguintes: quando se escreve  1/3 = 0,33333 ...  entende-se que  1/3  seja o limite da seguinte seqüência:  xl = 0,3 ; x2 = 0,33 ;  x3 = 0,333 ;  x4 = 0,3333 ; etc, e por 243/990 = 0,245454545... entende-se que 243/990 seja o limite da seguinte sequência:  zl = 0,245 ;  z2 = 0,24545 ;  z3 = 0,2454545 ;  z4 = 0,245454545 ; etc. Estes limites podem ser considerados também como soma dos termos de uma progressão geométrica infinita, uma série geométrica de razão igual a uma potência de   10  com expoente negativo. Com efeito,

1 /3 = 0,3 + 0,03 + 0,003 + 0,0003 + . . .

= 3 x 10-1 + 3 x 10-2 + 3 x 10-3 + 3 x 10-4 + . . .

= 0,3(1+ q + q + q + . . .),    onde    q = 10-1    e

243/990 = 0,2 + 0,045 + 0,00045 + 0,0000045 + 0,000000045 + . . .

 

= 0,2 + 45 x 10-3 + 45 10-5 + 45 x 10-7 + 45 x 10-9 + . . .

= 0,2 + 0,045(1 + q + q2 +q3 + . . .),    onde    q = 10-2 .

Uma dízima periódica composta pode ser sempre escrita como a soma de um decimal finito, formado pela parte que não se repete, com uma dízima simples multiplicada por uma conveniente potência de 10.  Desse  modo, uma dízima composta escreve se sempre na forma  r + 10sp(l + q + q2 + q3 + . . .)  onde:  r  é a parte que não se repete,  s  é um inteiro,  p  é o período da dízima e  q = 10-k,  em que  k é o número de algarismos do período  p.

E como chegamos a 10x = 3 + x? É fato conhecido que a soma infinita l + q + q2 + q3 + . . ., sempre que a razão q tiver módulo menor do que 1, é convergente. Portanto, o produto   l0x  pode ser feito termo a termo:

l0x = 10 x [3 x 10-1 + 3 x 10-2 + 3 10-3 + 3 x 10-4 + . . .]

= 3 + 3 x 10-1 + 3 x 10-2 + 3 x 10-3 + 3 x 10-4 + . . . = 3 + x '

e, analogamente, o cálculo de 100z. Um fundamento teórico para o cálculo da geratriz é, então, a possibilidade de multiplicar a soma de uma série convergente por um número, multiplicando cada um dos termos da série por esse número.

Observa-se ainda que, sendo a série geométrica 1 + q + q2 + q3 + . . . convergente, com soma 1/(1 q), pois q é um número entre 0 e 1 (potência de 10 com expoente negativo), obtêm-se novamente as regras acima para o cálculo de geratrizes de dízimas periódicas simples ou compostas, calculando a soma da série que define a dízima. Por exemplo, se   a   é um algarismo,

Se  a e b  são dois algarismos, a dízima   0,ababab . . .   será a somada série geométrica 0, ab x (1 + q + q2 + q3 + . . .), onde q = 10-2. E esta soma é ab/99, e assim por diante.

- Um leitor de Arês, RN, ficou admirado ao descobrir que as duas raízes de uma equação do segundo grau podem ser dois números complexos cuja soma e o produto são números reais.

RPM. De fato, isso se dá sempre que os coeficientes da equação do segundo grau são reais e seu discriminante é negativo. É conseqüência do seguinte: as raízes de uma equação da forma ax2 + bx + c = 0, com a 0, são os números x1 e  x2, tais que sua soma é b/a e seu produto é c/a, e se a, b e c são reais, com b2 4ac < 0, essas raízes são números complexos conjugados. Dois complexos conjugados têm sempre soma e produto reais. Com efeito, dois complexos conjugados são números da forma    + i  e   i,   com e reais, donde sua soma será ( + i) + ( i) = 2 (real) e seu produto será  ( + i) x ( i) = 2 + 2, real também. E mais, estes dois números complexos são as raízes da equação do segundo grau com coeficientes reais   x2 2x + 2 + 2 = 0.