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Alguns professores do primeiro e segundo grau (às vezes, do terceiro) costumam expressar o temor de que a preocupação do aluno com a competição nas Olimpíadas de Matemática possa perturbar o seu rendimento escolar e, o que é pior, possa pesar negativamente na sua formação. Alegam estes professores que as provas são muito difíceis, fora da realidade escolar, provocando nos candidatos frustrações ou, ao contrário, desvio pernicioso dos seus interesses por uma única matéria, em detrimento das outras. Argumentam, por fim, que as duas situações prejudicam a formação do aluno para a vida. Temos visto, ao longo dos vários anos dedicados às Olimpíadas, que as coisas não ocorrem necessariamente dessa forma. Há muitas discussões teóricas sobre o assunto, mas nossa experiência sugere que: a) as frustrações ocorrem, mas muitas vezes têm sido fator de estímulo positivo. Se estamos preocupados com a formação do estudante para a vida, não podemos fazer de conta que fracassos não existem. A vida é assim: se não soubermos lidar com as frustrações, não estaremos bem preparados para ela. O importante é tentarmos dar a volta por cima e recomeçarmos sempre com a proposta de fazer melhor que antes. Em nossas sessões de preparação para as Olimpíadas estamos sempre enfatizando aos estudantes que o nosso êxito depende muito mais do nosso esforço do que das famosas "faculdades inatas". Muitos deles não chegam a ser premiados nas competições, mas reconhecem que o esforço despendido não foi em vão. Conhecemos vários deles que estão nas melhores universidades e faculdades do país ou do exterior, eventualmente em áreas inesperadas: Medicina, Jornalismo, Arquitetura, etc. b) os alunos que dedicaram boa parte do seu tempo preparando-se para as Olimpíadas com reconhecido êxito são jovens perfeitamente integrados à vida e dotados de múltiplos interesses. Há uma visível correlação entre o sucesso com a Matemática e o interesse por outras disciplinas e atividades. São fatos indiscutíveis o crescente papel da Matemática nas interdisciplinas e a sua presença em nossas vidas. Por isso, achamos interessante transcrever neste número trechos de uma entrevista com o Eduardo Tengan, primeiro colocado da área de Exatas da Fuvest deste ano. Como se sabe, só com Matemática e Física não dá para obter o brilhante resultado alcançado pelo Eduardo. Importante: o Eduardo nega peremptoriamente que seja um gênio, seja lá o que isso for. Pergunta: Qual o seu nome completo, sua idade e as escolas que cursou? Eduardo : Meu nome é Eduardo Tengan, tenho 18 anos e fiz o primeiro grau no Colégio Magistra, o segundo grau na Escola Técnica Federal e cursinho no Etapa. Pergunta: Quais foram os resultados que você obteve no vestibular? Eduardo : Entrei em Mecatrônica na USP, Eletrônica no ITA e Engenharia de Computação na UNICAMP. Pergunta: Quais foram suas notas na segunda fase da FUVEST? Eduardo : 9,2 de Matemática; 10,0 de Física; 9,6 de Química; 8,4 de Biologia; 9,2 de História; 9,0 de Redação; 6,0 de Geografia; 6,8 de Inglês. Pergunta: De quais competições de Matemática você participou? Que resultados obteve? Eduardo : Participei da Olimpíada Estadual de Matemática quando estava na 8.ª série, pegando 6.° lugar. Participei, quando fazia a ETF, de todos os Desafios de Matemática do 2.° Grau do Etapa, só que não me recordo das classificações, mas sempre fui premiado. Aliás, o primeiro destes prêmios foi o livro de Olimpíadas da SBM, que realmente me despertou para as Olimpíadas. Participei da Olimpíada Brasileira de Matemática em 1991, pegando o 4.° lugar, e em 1992, pegando o 2.° lugar. Em 1992, fui para a Olimpíada Ibero-americana, em Caracas, e peguei medalha de Prata (o Tengan fez 54 pontos; se tivesse feito 55, teria conseguido a medalha de Ouro). Pergunta: O que você achou da experiência da Ibero-americana.? Eduardo : Achei muito bom. O pessoal da Venezuela está de parabéns. Gostei bastante da experiência. O interessante lá era ver como o pessoal de outros países encara a Matemática. Ouvi dizer, por exemplo, que na Colômbia chega a haver 15 000 participantes na olimpíada nacional. Ao contrário do que acontece no Brasil, lá o pessoal leva a sério a Matemática. O ambiente era legal, fomos visitar vários lugares. Meu espanhol é que era ruim e cheguei até a conversar em inglês com alguns amigos que fiz. O Brasil conseguiu o melhor resultado na soma de todos os pontos (participaram 14 países, entre eles Espanha, Argentina, Cuba, Colômbia, México). Pergunta: E agora, o que você anda fazendo? Eduardo : Bom, estou fazendo Mecatrônica na Poli e por enquanto não está muito duro. Estou aproveitando para estudar Matemática para a Olimpíada Ibero-americana que será no México, em setembro. Pergunta: E como você tem se preparado? Eduardo : Você sabe, eu tenho participado da preparação desde o ano retrasado, quando eu comecei bem cru. Na primeira aula, fiquei assustado, pois havia um monte de coisas de Geometria que eu nunca tinha visto. Gostei muito da maneira como os problemas eram resolvidos, os teoremas demonstrados. Comecei a tomar gosto pela coisa e fui estudando (em São Paulo é feita uma preparação para a Olimpíada Brasileira., às sextas-feiras, para os estudantes interessados. A preparação começa em abril e se estende até outubro. Informações à Rua Vergueiro, 1987, no Etapa). Atualmente tenho participado da preparação para a prova de seleção que irá definir a equipe para a Olimpíada Ibero-americana. Tenho consultado livros que o pessoal da preparação indicou; a biblioteca do IME tem vários desses livros. Quando necessário, tiro xerox de outros materiais, específicos de Olimpíadas. Mas as listas enviadas pela comissão ou fornecidas na preparação são fundamentais. Pergunta: E como está sua bolsa de Iniciação Científica? (Os estudantes premiados na OBM são contemplados com bolsas de Iniciação Científica, durante seus cursos de graduação.) Eduardo : Estou correndo atrás disso. Amanhã mesmo vou conversar com o Prof. Paulo Leite. Pergunta: O que você acha. das Olimpíadas? Eduardo : Acho que é muito válida a participação nas Olimpíadas. Você aprende técnicas novas, você tem uma nova visão da Matemática. São coisas que não têm só utilidade na Matemática, você aprende a ter um método de como resolver problemas que podem ser aplicados por exemplo em Física. Acho que esta Matemática elementar é o ponto de partida. Quem não tem uma boa base desta Matemática não pode se desenvolver em outras coisas. Algumas pessoas dizem que participar de Olimpíadas atrapalha o vestibular; pra mim isso é papo furado. Pelo contrário, acho que ajuda. Pergunta: Por que será que o número de mulheres participantes de Olimpíadas de Matemática costuma ser bem menor que o de homens? O que você acha? Eduardo : Sinceramente, não vejo nenhuma razão aparente para isso. Não tenho nenhuma teoria para explicar isso. Acho que o interesse delas é menor, sei lá. Por quê, não sei. Pergunta: Você acredita em gênios? Eduardo: Acho que não existe esse negócio de gênios. Você tem que se esforçar mesmo. Se você for pensar assim, vai pensar da seguinte forma: ah!, não sou nenhum superdotado, então não vou estudar porque não vou chegar lá. Não é bem assim: se você realmente quer, você tem que se esforçar, tem que trabalhar. Não adianta falar eu quero, eu quero, eu quero, você tem que realmente se esforçar. Pode ser que os resultados não sejam 100%, mas você pode atingir níveis relativamente altos.
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