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Abram Bloch
Dedico e ofereço este artigo aos meus colegas, professores de Matemática do 2.° grau. Pretendo, deste modo, prestar minha modesta homenagem a este grupo de denodados e sacrificados lutadores em prol do Saber, grupo ao qual me orgulho de pertencer há mais de cinqüenta anos! Pretendo apresentar um método simples para a resolução de ineqüações-produto e ineqüações-qüociente. Apesar de simples, trata-se de uma proposta bem fundamentada do ponto de vista lógico. O nome adotado - método da "marcha a ré" - deixou de ser relevante após as primeiras generalizações, mas emplacou, e por isso foi conservado. De modo genérico, pode-se afirmar que a justificação dos métodos para a resolução de ineqüações-produto se baseia essencialmente em propriedades de funções contínuas (mudança de sinal ao atravessar uma raiz). Pois bem, essa explicação ou justificação, que é legítima no plano intuitivo, está condenada a permanecer nesse plano: sua demonstração usa recursos de análise por demais refinados para um curso de Matemática em escolas do 2.° grau. Ao contrário, a demonstração de validade do método que venho propor está baseada unicamente em propriedades algébricas elementares (baseia-se nas propriedades do conceito de ordem no corpo IR dos números reais). Sobre a vantagem em agilidade do método proposto, comparado ao método tradicional, não me parece haver dúvida. Pelo método tradicional, resolve-se a ineqüação A . B . C . D > 0 analisando o sinal de cada fator em cada intervalo determinado por duas raízes reais consecutivas (que poderão ser em número de oito, quando os fatores A, B, C e D forem funções quadráticas), enquanto que, pelo método aqui proposto, estuda-se o sinal do produto A.B. C . D num único intervalo. O prof. Glenn Albert Jacques Van Amson, do Anglo Vestibulares, e eu mesmo publicamos uma apresentação didática do método, dirigida a alunos do segundo grau.
Consideremos uma função polinomial f(x) definida em IR da forma e do tipo seguintes: f(x) = a0(x r1)(x r2) . . . (x rn), onde a0 IR*, x é uma variável real e as raízes r1, r2,...rn são números reais, distintos dois a dois. As funções polinomiais f(x) descritas acima serão chamadas polinômios reais com todas suas raízes reais e simples. Podemos supor que r1 < r2 < ... < rn sem perda de generalidade. Então, as n raízes (com n IN*) determinam n + 1 intervalos abertos, como segue:
Um dos segredos para agilizar a demonstração consiste em representar esses intervalos de maneira prolixa; em vez de I1 = {x IR | x < r1}, que é uma maneira correta, usamos a seguinte notação, também correta, mas redundante: h = {x IR x < r1) (x < r2) . . . (x < rn)}. De forma análoga, o intervalo Ip, com 2 p n, não será indicado como se faz comumente, Ip = {x IR rp-1 < x < rp}, porém será denotado como segue: Ip = {x IR (x > r1) (x > r2) . . . (x > rp-1) (x < rp) (x < rp+1) . . . (x < rn)} . O último intervalo, In+1, será expresso assim: In+1= {x IR | (x > r1) (x > r2) . . . (x > rn)} . Com essas considerações, deste ponto em diante, usaremos o termo raízes consecutivas para indicar qualquer par de raízes {rp , rp+i}. Também usaremos o termo intervalos consecutivos para indicar qualquer par de intervalos {Ip , Ip+i}}. Encerrando estas preliminares, vamos observar que as ineqüações x < r e x r < 0 são equivalentes e, do mesmo modo, as ineqüações x > s e x s > 0 são equivalentes. Assim, fica estabelecido que o intervalo Ip, com 1 < p n, pode ser descrito como segue:
Ip
= {x
IR
| (x
r1> 0)
(x
r2 >
0)
. . .
(x
rp-1 > 0)
Vamos retomar o polinômio descrito no § 2, f(x) = a0(x r1)(x r2) . . . (x rn), e atribuir a x dois valores u e v, ambos num mesmo intervalo Ip. Analisemos, agora, o produto f(u) . f{v):
Empregando as propriedades associativa e comutativa da multiplicação, obtemos:
Voltemos, por um instante, à descrição de Ip dada no § 2: se, para um certo i, tivermos u ri>0, resultará também que v ri> 0. Do mesmo modo, se, para um certo i, tivermos u ri< 0, resulta também v ri < 0. Ora, isto constitui uma prova que se verifica: [(u r)(v ri)] > 0, para todo i, i IN, 1 i n. Além disso, a0 2 > 0, pois a0 IR*. Segue que o segundo membro de (*) é um produto de fatores todos positivos e, portanto, f(u).f(v) > 0. A desigualdade demonstrada acima constitui a tese do seguinte teorema: TEOREMA 1: Seja f(x) um polinômio real com todas as suas raízes reais e simples. Seja I qualquer um dos intervalos descritos no § 2, e seja x0 um elemento qualquer de I. Nessas condições: se f(x0) > 0, então f(x) > 0, para todo x 1; se f(x0) < 0, então f(x) < 0, para todo x I. Isto é, dentro de I, f(x) não muda de sinal.
Voltando ao polinômio f(x) descrito no § 2, vamos detalhar f(x) do seguinte modo: f(x) = a0(x r1)(x r2) . . . (x rp-1)(x rp)(x rp+1) . . . (x rn). Desta vez atribuiremos à variável x dois valores u e v pertencentes a intervalos consecutivos: u Ip e v Ip+1. Como no § anterior, iremos obter o sinal do produto f(u) . f(v) e, para isso, vamos explicitar os seus fatores do seguinte modo: f(u) . f(v)=
Com relação ao segundo membro, observe-se que: - de a0 IR*, tem-se que a02 > 0, - para todo i IN, tal que 1 i p 1, tem-se que u > ri e v > ri (pois u Ip e v Ip+1 e, portanto, segue que:
- para todo i IN, tal que p +1 < i < n, tem-se que u < ri e u < ri (pois u Ip e v Ip+1) e, portanto, segue que:
- resta analisar o produto (u rp)(v rp). Ora, u Ip u-rp < 0 e v Ip+1 v rp > 0. Logo, (u rp)(v rp) < 0. Dessas quatro observações, podemos concluir que Fica assim demonstrado o seguinte teorema: TEOREMA 2: Seja, f(x) um polinômio real com todas as suas raízes reais e simples, e sejam Ip e Ip+1 dois intervalos consecutivos quaisquer. Então, em Ip e Ip+1, f(x) terá sinais contrários. Isto é, f(x) assume valores numéricos de sinais contrários, quando a variável x passa de um intervalo a um intervalo consecutivo.
Os dois teoremas demonstrados nos itens anteriores habilitam-nos a afirmar que o sinal do polinômio f(x) descrito no § 2 muda alternadamente quando x passa de um intervalo a um intervalo consecutivo (situado à sua esquerda ou à sua direita, indiferentemente). Ora, isso permite obter a distribuição completa, de sinais de f(x) em IR {r1,r2,...,rn}, bastando conhecer as raízes e o sinal de f(x) em apenas um valor de x escolhido em qualquer dos intervalos Ip. Exemplo 1 Dar a distribuição de sinais do polinômio f(x) = 14(x 5)(x + 3)(7 4x)(x + l), x IR. Resolução: Inicialmente vamos reduzir f(x) à forma descrita no § 2:
Vamos escolher (arbitrariamente) x = 0 (0 pertence a I3).
f(0) < 0 (três fatores negativos). Logo, f(x) é negativo em I3. Então, aplicando os teoremas 1 e 2:
Exemplo 2 Resolver em IR a ineqüação: (4x3 9x)(x 3) < 16 (x2 3x). Resolução: Inicialmente, devemos obter uma ineqüação g(x) < 0, equivalente à ineqüação dada e com g(x) na forma descrita no § 2. x(4x2 9)(x 3)-16x(x 3) < 0 x(x 3)(4x2 25) < 0
Vamos atribuir a x o valor 10 (escolhido arbitrariamente em I5):
Logo, g(x) é positivo em I5. Pelos teoremas 1 e 2, resulta:
Finalmente, a ineqüação g(x) < 0, que é equivalente à ineqüação dada, tem como conjunto solução a união dos intervalos I2 e I4:
Consideremos, agora, um polinômio do tipo A(x) = (x r)2m, onde m IN* e r IR. Diz-se que r é uma raiz de A(x) de multiplicidade 2m (par). Quanto aos sinais de A(x): - A(x) = 0 se, e somente se, x = r; - para todo x IR, x / r, tem-se A(x) > 0. Fica demonstrado assim o seguinte teorema: TEOREMA 3: Seja P(x) = g(x) . (x r)2m, com m IN* e r IR, e onde g(x) é um polinômio do qual r não é raiz. Nessas condições, P(r) = 0, e para x r, P(x) terá a mesma distribuição de sinais que g(x). Isto é, para obter a distribuição de sinais de P(x), com x r, pode-se omitir o fator (x r)2m e estudar a distribuição de sinal de g(x). Exemplo 3 Resolver em IR a ineqüação: (x 1) (x 2) (x 3)6 < 0. Resolução: Estudemos a distribuição do sinal de f(x) = (x l)(x 2), obtido pela omissão de (x 3)6. Repare-se que f(0) > 0 (logo, f(x) é positivo em I1).
A distribuição de sinal de P(x) = f(x) . (x 3)6 é :
O conjunto solução da ineqüação dada é S = {x IR | (1 x 2) V x = 3}. Seja P(x) = g(x) . (x r)2m+1, onde m IN*, r IR e g(x) é um polinômio do qual r não seja raiz. Pode-se dizer que r é uma raiz de multiplicidade ímpar de P(x). Note-se que P(x) = g(x) . (x r) (x r)2m e, conseqüentemente, P(x) tem a mesma distribuição de sinais que g(x) . (x r). Finalmente, seja P(x) = f(x) . (ax2 + bx + c), onde a > 0, b2 4ac < 0 e f(x) é um polinômio como foi descrito no § 2. Nessas condições, ax2 + bx + c é positivo para todo x IR e, conseqüentemente, P(x) terá a mesma distribuição de sinais que f(x). Portanto, para estudar o sinal de P(x), pode-se simplesmente omitir o fator ax2 + bx + c.
E sabido que a regra dos sinais para a divisão é a mesma que a regra dos sinais para a multiplicação. Por isso, o método aqui exposto para resolver ineqüações-produto pode ser aplicado para resolver ineqüações-qüociente do tipo
onde f(x) e g(x) são polinômios.
Resolução: A ineqüação dada pode ser expressa na forma
As raízes 3 e 1 de f(x), 4 e 4 de g(x) determinam os seguintes intervalos:
Atribuindo a x o valor 10, temos
Aplicando os teoremas 1 e 2, temos a seguinte distribuição de sinais:
Segue que o conjunto solução é: S = {x IR | (-4 < x 3) (1 x < 4)}.
A resolução de toda ineqüação-produto, ou ineqüação-qüociente, (de polinômios a coeficientes reais) recai na resolução de uma ineqüação f(x) < 0 ou f(x) > 0, etc, onde f(x) é um polinômio real com todas as suas raízes reais e simples.
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