Vera Clotilde Carneiro
IM - UFRGS

     Introdução

A capacidade de analisar e interpretar gráficos é muito importante em qualquer domínio científico. E, portanto, necessário levar os estudantes à compreensão desse tema. Esta foi uma das conclusões do grupo que discutiu o ensino de Matemática para as Biociências (Medicina e Biologia, incluindo Física e Química) na 1 Reunião de Didática da Matemática do Cone Sul, realizada em Montevidéu, em abril de 1992. Nessa ocasião, os professores do 2° grau presentes reivindicaram de seus colegas, professores universitários, material didático adequado às aplicações da Matemática às outras ciências.

Este artigo é uma contribuição nesse sentido, focalizando algumas situações reais retratadas através de seus gráficos. Estes são analisados com ênfase na identificação e interpretação dos pontos críticos. Seu conteúdo pode ser explorado no 2 grau com auxílio das noções intuitivas de evolução contínua, velocidade e aceleração, que fazem parte do cotidiano de nossos alunos.

 

       Pontos Críticos

A expressão ponto crítico é, geralmente, usada em Cálculo para designar os pontos onde a derivada de uma função se anula ou existe ou são extremos do domínio da função. Para nós, neste artigo, ponto crítico tem o significado amplo, que lhe é atribuído em vários domínios científicos, de ocorrência de irregularidades ou alterações na evolução dos fenômenos.

Compressão dos gases:  um exemplo da Física.

Muitos fenômenos têm evolução regular, características persistentes e futuro previsível. Isso ocorre no fenômeno de compressão e expansão de um gás que possa ser considerado perfeito, como é o caso do dióxido de carbono (CO2) à temperatura de 50°C. Uma amostra desse gás em recipiente cilíndrico (Fig. 1) tem seu volume reduzido de forma lenta (para manter constante a temperatura) e contínua à medida que a pressão sobre o êmbolo aumenta. A pressão  e o volume   variam de acordo com a lei de Boyle

pv = c = constante

O gráfico é uma curva chamada hipérbole (Fig. 2). Nesse processo não há pontos críticos.

No entanto, esse mesmo gás sujeito a temperaturas inferiores a 30,04°C apresenta comportamento diferente. Submetido a pressões sempre crescentes, há um momento em que ele não resiste como gás e se transforma abruptamente em líquido.

O gráfico registra um valor crítico da pressão quando ocorre a condensação do gás (Fig. 3). O ponto crítico corresponde a uma descontinuidade do processo [1].

Crescimento populacional: um exemplo da Biologia.

O crescimento de populações (humana, de animais, de bactérias) admite modelo matemático contínuo.   Isto significa que o número de indivíduos da população ó interpretado como função contínua do tempo:

N  =  N(t).

Um modelo freqüentemente adotado é aquele que pressupõe um limite superior B da população imposto por vários condicionantes, tais como espaço físico, escassez de alimento, guerras, epidemias, etc. Nesse modelo, a taxa de crescimento populacional, ou seja, a velocidade v do crescimento da população é proporcional ao número TV de indivíduos no instante considerado e à possibilidade de continuar crescendo, representada pela diferença   B - N.

Matematicamente, isso se traduz na equação

v = kN (B N),

onde   k   é uma constante de proporcionalidade-, característica do crescimento populacional em consideração.

O gráfico de v como função de N é uma parábola (Fig. 4). O vértice desta parábola ocorre quando N = B/2, que é um valor crítico da população. Até este valor, a taxa ou velocidade de crescimento vai aumentando porque N está aumentando; porém, a partir de N = B/2 a taxa de crescimento v começa a diminuir com o decaimento de B N (porque já não há espaço para o crescimento, devido aos condicionantes do crescimento).

Os textos de Biologia [2] apresentam o gráfico da evolução da população   N   em função do tempo com um ponto crítico   C   em  N = B/2  (Fig. 5). Este ponto crítico corresponde a uma inflexão da curva, ou seja, a curva muda de concavidade em   C: de côncava para cima passa a ser côncava para baixo. A concavidade significa velocidade crescente (ou aceleração positiva) de crescimento populacional, enquanto a concavidade para baixo significa velocidade decrescente (ou aceleração negativa) de crescimento populacional ([3], p.  10). Nesse ponto a aceleração do processo é nula.

 Titulação de um ácido:   um exemplo da Química.

O pH é a medida de quão ácida ou básica é uma solução. Um pH = 7 é considerado neutro. Um pH menor que 7 indica substância ácida e maior que  7   indica substância básica.

Os químicos denominam curvas de titulação os gráficos que retraíam a evolução de um pH ácido para um pH básico. Essas curvas são obtidas experimentalmente, ponto a ponto. Uma tal experiência consiste em tomar uma amostra de ácido (por exemplo, ácido clorídrico, HCl, com pH 2) e a ela adicionar, gota a gota, porções de uma substância básica (por exemplo, hidróxido de sódio, NaOH,   com  pH 12).

Inicialmente é necessária uma quantidade considerável de base para alterar a acidez da solução. Subitamente, próximo ao ponto de equivalência entre os volumes de ácido e base, o pH começa a crescer cada vez mais rapidamente. No ponto de equivalência o pH é neutro ( = 7), a velocidade da reação atinge seu pico e começa diminuir.

O gráfico que representa a velocidade v, de crescimento do pH em função do volume V de base adicionado à solução, apresenta um ponto crítico C que corresponde ao volume de equivalência VE (Fig. 6). Até esse ponto a velocidade v é crescente (aceleração positiva), passando em seguida a decrescer (aceleração negativa).

A curva do pH em função do volume V de base adicionado também apresenta um ponto crítico C correspondendo ao volume de equivalência VE (Fig. 7). A curva muda de concavidade em C.   A aceleração do processo que era positiva passa a ser negativa.

A aceleração do processo, em função de V, não está determinada no volume crítico VE (Fig. 8). Ela passa, nas vizinhanças desse ponto, de valores positivos muito grandes para valores negativos também muito grandes em módulo.
 

 

     Conclusões

Os exemplos apresentados ilustram interpretações de gráficos que são úteis nas aplicações da Matemática. É importante que os alunos, ao estudarem funções, se familiarizem com suas aplicações em outros domínios científicos, não só pela utilidade dos conceitos matemáticos que estão aprendendo mas, também, como motivação para que apreciem o valor desses conceitos.

É de se notar que situações consideradas do âmbito da Matemática Superior podem ser exploradas no 2 grau, desde que adequadamente apresentadas. É o que ocorre com o crescimento populacional, que se modela com uma equação diferencial, e, no entanto, pode ser apresentado em nível elementar, como vimos acima, mediante o uso de conceitos familiares aos alunos, como velocidade e aceleração.

 

Referências Bibliográficas

[1]    CASTELLAN, G. W. Físico-Química. Rio de Janeiro, Ao Livro Técnico, 1972.

[2]  KASTNER, B. Applications oí Secondary School Mathematics.   Reston, Va., National Council of   Teachers of Mathematics, 1978.

[3]    MACHADO, N. J. Noções de Cálculo, Matemática por assunto, v. 9. São Paulo, Scipione, 1986.

 

Vera Clotilde Carneiro é mestre em Matemática pela UFRGS e professora do Instituto de Matemática. Seus interesses incluem o ensino de Matemática, já tendo ministrado cursos de extensão para professores de 1 e 2 graus.