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Numa. próspera, cidade do interior de São Paulo, o prefeito, querendo justificar a necessidade de uma Secretaria de Esportes (dizia-se para. poder nomear um primo de sua esposa), decidiu implantar um campeonato de futebol. Como não tivesse infra-estrutura administrativa para organizar o torneio, solicitou ao colégio estadual da cidade que organizasse o evento, já que o colégio tinha dois professores de Educação Física. Ambos os professores aceitaram a incumbência, desde que os demais membros do corpo docente participassem. O fato é que algo de contagiante aconteceu e todos os professores se empolgaram com o torneio. A professora de Música adaptou um velho hino para o hino do torneio. A professora de Filosofia criou o código de ética do competidor e, como o professor de Matemática também quisesse colaborar, pediu para. fazer o regulamento da escolha do vencedor. Além de estabelecer os critérios gerais de classificação e desclassificação, era necessário também estabelecer o critério de desempate em caso de dois times ficarem no finai da disputa como mesmo número de pontos ganhos. Era preciso, neste caso, um critério de decisão. Decidir por saldo de gols era perigoso, pois poderia haver uma "peruada à la argentina". Decidir por pênaltis é complicado, pela própria complexidade da cobrança, em face da famosa movimentação do goleiro antes de cobrar a falta ou da famosa paradinha criada pelo Rei Pele, que só chuta depois que o goleiro se desloca para um lado. Como esses critérios são sempre passíveis de interpretação, e como tribunal de futebol de várzea costuma ser o tapa, decidiu-se adotar um critério muito usado em campeonatos estaduais e nacionais de futebol profissional: se, no finai do campeonato, dois times estiverem com o mesmo número de pontos ganhos, o campeio será o time com maior número de vitórias. O professor de Matemática ouviu as recomendações, fez a minuta do regulamento e apresentou-o à Comissão Organizadora. Esta, por falta de tempo (eterna desculpa de brasileiros), aprovou tudo sem ler, em confiança! O Campeonato começou e, no seu desenrolar, dois times se destacaram: o Heróis do Minho (que, dizem, mas nunca foi provado, era financiado por um português, dono da maior padaria do lugar), e o Flor da Mocidade, que representava um bairro pobre do arrabalde da cidade. Com o evoluir dos jogos, o Flor da Mocidade passou à frente e só faltava, um jogo no domingo. Para seu único rival, o Heróis do Minho, também só restava um jogo no sábado. Se o Flor da Mocidade vencesse no domingo, seria o campeão pelo major número de vitórias, mesmo que o Heróis do Minho vencesse no sábado. E foi o que deu. No sábado, o Heróis do Minho venceu. O estádio encheu, no domingo, para ver a última partida. Se o Flor da Mocidade empatasse ou perdesse, adeus título. Mas, se vencesse, então seria campeão por ter uma vitória a mais que o Heróis do Minho. No esperado domingo não deu outra. No fim do primeiro tempo o Flor da Mocidade já vencia por três a zero o pobre time Íbis Paulista.. Foi aí que o Presidente da Comissão leu o regulamento pela primeira vez. Não se sabe se por engano datilográfíco ou erro do professor de Matemática., o fato é que o regulamento dizia, claramente: "se dois times terminarem o campeonato com o mesmo número de pontos ganhos, será campeão o que tiver o maior número de derrotas". Era isso o que estava escrito, em total desacordo com o combinado. No intervalo do jogo, o Presidente da Comissão pôs a boca no trombone e em cinco minutos todo o estádio, em efervescência, discutia o acontecido e o que iria acontecer em face de tão estranho e heterodoxo regulamento, que, aliás, não obedecia ao combinado. Resumidamente, assim estavam os ânimos na arena, digo, no estádio: - desespero no pessoal do Flor da Mocidade, pois mudara a regra do campeonato que, na versão tradicional, lhe garantiria o título; - alegria no pessoal dos Heróis do Minho, que via uma chance de ser campeão ou de, no mínimo, "melar" o campeonato. Para resolver esse imbróglio matemático, foi chamado o responsável (ou seria irresponsável?), o professor de Matemática, que felizmente morava perto do estádio. O professor de Matemática, com uma comissão de alunos, foi ate ao estádio, que fervia. Metade da torcida queria brigar, qualquer que fosse o resultado. Somente algumas pessoas cuidavam da análise da questão sem partidarismo. Enquanto o professor de Matemática não chegava, a professora de Filosofia, que pelo mestre de Álgebra não tinha simpatia, deu sua contribuição, jogando gasolina na fogueira ao declarar: É a primeira vez na história da humanidade que se declara vencedor quem mais perde. Na Grécia antiga, o perdedor era quase humilhado, e em Roma nós sabemos o que eles faziam aos gladiadores que perdiam. Não quero atacar o mestre de Matemática, mas ele criou um regulamento que é, no mínimo, anti-histórico.
Nessa hora chega, sereno, o professor
de Matemática, que só aceita discutir
o assunto numa sala, diante de
um quadro-negro. No seu sagrado "habitat" o mestre fez o quadro de resultados:
O professor de Matemática explicou: - Quando dois times jogam o mesmo número de jogos e resultam com o mesmo número de pontos ganhos, obrigatoriamente e sempre, o time que tiver o maior número de vitórias terá o maior número de derrotas e reciprocamente. . Uma pessoa da Comissão Diretora que estava com o jornal do dia e que dava a classificação dos times profissionais no Campeonato Brasileiro notou que o fato realmente acontecia. Ou seja, colocai no regulamento a escolha entre dois times com o mesmo número de jogos e o mesmo número de pontos ganhos pelo critério de maior número de vitórias ou de maior número de derrotas dá no mesmo. Todos, ou os que puderam entender, concordaram e o Flor da Mocidade foi consagrado campeão, embora alguns, ou por não haverem entendido ou por má-fé, dissessem que fora resultado de "tapetão" (resultado jurídico obtido fora do campo). Passados uns meses, o professor de História perguntou ao professor de Matemática como ele percebera esse fato, correto, mas curioso, de que o campeão é o que mais perde, se comparado com o concorrente com o mesmo número de pontos ganhos. E ouviu a seguinte história, contada em sigilo: A linda filha do professor de Matemática, que estudava em uma universidade distante, chegou das férias com o coração partido e dividida.. Estava perdidamente apaixonada por dois rapazes maravilhosos. Um deles, Pedro, era jovem e de família de classe média em decadência (o coitado era também filho de professor) e o outro, Arthur, de rica e tradicional família pecuarista. A iovem estava dividida quanto a escolher entre um e outro, quando seu pai a orientou: - Minha filha, para uma pessoa jovem como você relacionar-se com pessoa desquitada e talvez até com um filho é sempre um problema. A menina, aturdida, perguntou ao pai como soube de tudo isso se ela só conhecera Arthur há quinze dias e na cidade da sua universidade, distante, muito distante, da cidade onde morava seu pai. Que seu pai era matemático e fazia raciocínios incríveis, quase dignos de bruxo (opinião dela), ela sabia, mas a Matemática permitiria descobrir problemas amorosos? O pai respondeu com a simplicidade dos matemáticos: - Usei o Princípio de Roberval, ou, como dizem os fisicos, a Balança de Roberval, aquela de dois pratos iguais. Se você está apaixonada igualmente por duas excelentes pessoas, então os pratos da balança estão equilibrados. Se eles estão equilibrados e surge essa brutal diferença em favor de Arthur, que é o fato de ele ser rico, e isso é uma indiscutível vantagem, então Arthur deve ter, para não desequilibrar a balança, uma grande desvantagem. Como você disse que ele é uma boa pessoa, com boa probabilidade a única desvantagem que ele deve ter é ser desquitado, situação essa não ideal, pelo menos na opinião dos pais de uma moça solteira e tão jovem. A filha do matemático ficou extasiada com a lógica dedutiva do pai. Anos depois o pai usou essa lógica no regulamento do campeonato. Se dois times empatam, o que tiver maior número de vitórias deve, obrigatoriamente, ter o maior número de derrotas. Lógico, não?
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