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Robert
Costallat Duclos
Estamos plenamente de acordo com a tese do Prof. Geraldo Ávila (RPM 18) que versa sobre a introdução do Cálculo nos programas do ensino de 2° grau. Reforçaremos a opinião do Prol. Ávila por intermédio de duas experiências que tivemos, primeiro como estudante, e depois como professor comissionado pela UNICAMP para ministrar aulas de Matemática nos três anos dos cursos técnicos de Eletrotécnica, Mecânica e Tecnologia de Alimentos durante os anos de 1967 a 1979. Como estudante fomos ainda do tempo em que o curso secunda rio (1.° e 2.° graus) era distribuído em cinco anos de curso ginasial, seguido de um curso de dois anos. que era chamado "Pré-universitário" ou "Complementar". Havia três modalidades de Complementar: Engenharia, Medicina e Direito. Naquela época o programa do quinto ano ginasial (equivalente ao primeiro ano do 2.° grau de hoje) incluía o estudo de Logaritmos, Análise Combinatória, Binômio de Newton, Geometria Analítica (a duas e três dimensões), Limites, Derivadas e Integração. No Complementar de Engenharia (equivalente aos dois últimos anos do 2° grau de hoje) retomava-se o Cálculo com maior profundidade, no nível de qualquer primeiro ano universitário de hoje. O vestibular que prestamos em 1946 para ingressar na Escola de Engenharia da antiga Universidade do Brasil (hoje, Universidade Federal do Rio de Janeiro) constava de provas escritas e orais. As provas escritas eram discursivas. Na prova oral de Matemática tivemos que nos defrontar com três examinadores: o primeiro examinava o candidato em Álgebra, o segundo em Geometria (plana e espacial) e Trigonometria (plana e esférica), e o terceiro exclusivamente em Cálculo. Na segunda experiência, como professor comissionado, elaboramos um programa para os três anos dos cursos técnicos. 0 Cálculo foi inserido no segundo semestre do segundo ano, no nível do ex-complementar de Engenharia da década de 40: limites e derivadas, derivadas das funções algébricas, trigonométricas, exponenciais, logarítmicas, derivadas das funções implícitas, máximos e mínimos, e cálculo integral. Todo o programa apoiou-se nas aplicações da Matemática, e sobretudo nas suas bases intuitivas, deixando o aspecto lógico-formal para o terceiro ano. Disse o Prof. Morris Kline, da Universidade de Nova York: "O estilo lógico e formal é uma das influências mais desvitalizadoras no ensino da Matemática. A apresentação lógica e ordenada da Matemática pode ter uma atração estética para o matemático, mas serve como anestésico para o estudante". E também: "O rigor pode salvar a Matemática, mas seguramente perderá os alunos".
Nosso programa nos deu ensejo para dar um grande número de aplicações. Enfatizamos ao máximo a utilização de gráficos; no início dos cursos evitamos muitos detalhes capazes de extraviar o estudante nos labirintos do raciocínio puro, isento de suporte concreto e estrutura real. Entretanto, não foi cometido o excesso oposto, de transformar o aluno em mero ledor de tabelas, ou o erro de assimilá-lo a um computador sem alma, incapaz de discernir a unidade na multiplicidade. Todo o programa do terceiro ano presta-se à tarefa de introduzir na Matemática o rigor levemente abandonado no primeiro ano em favor da intuição. A finalidade não era fazer do estudante um matemático, mas dar-lhe conhecimento básico da matéria, uma linguagem mais econômica, expressiva e comunicativa. Do ponto de vista pedagógico, a Matemática não pode isolar-se, sob pena de se tornar sem interesse para o estudante, mormente quando a orientação dirige-se para a técnica, como era o nosso caso. O estudante é mais atraído pelos frutos da Matemática do que pela sua estética. A Matemática é uma linguagem, e isolá-la das outras ciências é como ter o domínio de um idioma e não ter nada para dizer. Sem motivação, o estudante assimilará a Matemática a um simples quebra-cabeça, ou então a considerará apenas como uma modalidade de ginástica mental. A Matemática existe para auxiliar o homem na compreensão do mundo físico, econômico e social. Ela tem propósitos e, no sentido pedagógico, sua principal finalidade é orientar o estudante na complexidade das ciências e técnicas. O professor de Matemática deve ordenar seu programa conforme o desenvolvimento dado pelas disciplinas técnicas e da cadeira de Física. A Física é a base da técnica e a Matemática a linguagem da Física. Acreditamos que generalizar antes de particularizar ou preceder a abstração ao concreto é contrário à boa pedagogia. Não podemos generalizar ignorando os casos particulares. Quem não conhece cães, gatos, tigres, leões, elefantes, etc, jamais poderá assimilar o conceito de mamífero. Do mesmo modo, quem não tem experiência física das variações lineares, quadráticas, exponenciais, logarítmicas, periódicas, etc, dificilmente poderá compreender a importância do estudo genérico das funções em Matemática.
A abstração só pode ser sugerida pelo professor, nunca ensinada, sob pena de o estudante decorar a dedução, bem mais preocupado com a nota do exame do que com a atração estética, ou o amor à Lógica. A abstração é o último estágio de qualquer conhecimento. A abordagem inicial deve ser mais intuitiva do que dedutiva, permitindo uma compreensão direta das idéias. Só após a familiarização com os elementos é que podemos partir para a Lógica Formal e as abstrações subseqüentes. A criança fala antes de conhecer gramática, e não são conhecimentos profundos do idioma que fazem o literato. E comum o rigor desviar a pesquisa, inibindo a intuição. Muita gente confunde erudição com cultura.
Não somos
favoráveis aos atuais programas do 2.° grau, que iniciam
o curso com a teoria dos conjuntos, funções e relações. Se correto
filosoficamente, é de didática duvidosa. O estudante egresso do 1.°
grau não
está ainda à altura de generalizações e abstrações. Desconhecendo
as disciplinas que lhe serão ministradas no decorrer do curso, não
possui a visão necessária para ajustar sozinho a linguagem
matemática à compreensão dos fenômenos naturais e físicos. Quem deve
orientá-lo nesta direção é o professor de Matemática, que deve mostrar ao
estudante, através de imagens, as induções e analogias, aguçando-lhe a
intuição. Esta será, mais tarde, complementada com recursos da Lógica
Formal, dando ao estudante a noção de rigor matemático.
Seguimos,
na elaboração do nosso programa, o conselho de Piaget, que afirma: "Todo
jovem precisa reunir camadas de experiências antes que possa dominar
abstrações e desenvolver visão própria (insight)".
Whitehead reforça Piaget com este pensamento: "Não há estrada
real que conduza à aprendizagem através de um caminho quimérico
de brilhantes generalizações. 0 problema da educação está em fazer
o aluno ver a floresta por meio das árvores".
Geralmente a falha do ensino provém da ausência de entrosamento
entre os professores das várias disciplinas. 0 lema é "cada um por si
e Deus por ninguém". Muitos programas, considerados
isoladamente como perfeitos, fracassam do ponto de vista didático, justamente
por falta de bom entrosamento das disciplinas afins.
O ensino,
como a Educação, são holossistemas, isto é, sistemas globais,
compreendendo ao mesmo tempo o conjunto e as partes. Todos
os conhecimentos são interdependentes, de forma que ao elaborar programas
devemos verificar com os professores das disciplinas afins as
necessidades matemáticas dos currículos. As divisões do saber em
disciplinas são meramente de ordem prática, e não devem ser vistas nem
apresentadas ao aluno como unidades estanques. Como bem disse Paul
Davies em seu livro Deus e a nova Física, "o mundo não é
uma coleção de coisas separadas, mas de coisas emparelhadas, uma rede de
relações".
Todo o
nosso programa fundamentou-se na interdependência dos
conhecimentos das cadeiras afins. Para bem explicar isso, imaginemos uma
situação de primeiro semestre do primeiro ano do 2.° grau, em que o
professor "tortura" o aluno com questões assim: encontrar um conjunto C
para que uma determinada função
f : A
C seja bijetora;
ou então, dadas duas funções f e g, determinar o domínio da função
f -1
o g-1.
Enquanto isso o professor
de Física tem de
seafastar de seu próprio
programa para explicar coisas que o aluno não aprendeu em Matemática e de
que ele precisa, como relações trigonométricas
essenciais para resolver determinado problema. A noção é então
dada com pressa, na base do "vai por mim que dá certo; seu professor de
Matemática lhe dará mais tarde melhores explicações". Por que, então,
não iniciar esse primeiro ano de Matemática com Trigonometria Plana,
falando sobre arcos, suas medidas, linhas trigonométricas
e sobretudo funções trigonométricas, aproveitando para ressaltar
sua importância na linguagem matemática dos fenômenos físicos e
naturais sujeitos à periodicidade (ondas, acústica, movimento harmônico,
correntes alternadas, sistema biela/manivela, pêndulos, ciclos
econômicos, etc.)? No terceiro ano, depois de o aluno ter sido "apresentado"
a uma variedade de funções matemáticas necessárias à compreensão
dos fenômenos físicos, podemos então nos valer do seu poder de
abstração e maturidade matemática para adentrar mais na teoria dos
conjuntos, relações e funções, assim como dar-lhe noções de lógica
simbólica, álgebra dos circuitos e noções gerais de álgebra de Boole (Eletrotécnica).
Somente no terceiro ano o estudante será capaz
de assimilar uma formulação abstrata, pois já conseguiu acumular
bastante experiência durante os anos anteriores, permitindo-lhe não só maior
flexibilidade intelectual, como também um prazer todo especial,
quase estético, diante da lógica e da harmonia das estruturas
matemáticas.
Ao
elaborarmos o programa, concluímos que o Cálculo deveria ser
inserido no segundo semestre do segundo ano. Não encontramos, entre os
alunos, dificuldade maior de assimilação da matéria durante os treze anos de
ensino de Matemática nos cursos técnicos da UNICAMP.
Diz muito bem o Prof. Geraldo Ávila em seu artigo acima citado: "A idéia de
que os programas de Matemática são extensos e não comportariam a inclusão do
Cálculo é um equívoco. Os atuais programas
estão, isto sim, mal estruturados".
Robert
Costallat Duclos é
ex-professor de
Matemática e Resistência dos Materiais dos cursos técnicos da UNICAMP.
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