Nelson Tunala
Rio de Janeiro, RJ

     1. Introdução

Alguns problemas de probabilidades são equivalentes à seleção aleatória de pontos em espaços amostrais representados por figuras geométricas. Nos modelos em apreço, a probabilidade de um determinado evento se reduz à relação ou ao seu limite, caso exista entre medidas geométricas homogêneas, tais como comprimento, área ou volume.

Neste trabalho, iremos caracterizar o que vem a ser a Probabilidade Geométrica e, por meio de seus métodos, solucionar alguns problemas interessantes, como o Problema do Encontro e o clássico Problema da Agulha de Buffon.

 

     2.  Probabilidade Geométrica

Suponhamos que um segmento seja parte de um outro segmento L e que se tenha escolhido ao acaso um ponto de L. Se admitirmos que a probabilidade de este ponto pertencer a é proporcional ao comprimento de e não depende do lugar que ocupa em L, então a probabilidade de que o ponto selecionado esteja em   será (figura 1):

                     
 

Analogamente, suponhamos que uma figura plana g seja parte de uma outra figura plana G e que se tenha escolhido ao acaso um ponto de G. Se admitirmos que a probabilidade de este ponto pertencer a g é proporcional à área de g e não depende do lugar que g ocupa em G, então a probabilidade de que o ponto selecionado esteja em g será (figura 2):


 

De modo semelhante, determina-se a probabilidade de que um ponto dado em um sólido V pertença a uma parte v deste sólido (figura 3):

 

Mostraremos, a seguir, alguns dos inúmeros problemas de determinação de probabilidades onde os métodos geométricos são os mais indicados.

 

     Resolução de alguns problemas

  Problema 3.1

Seja B um ponto escolhido ao acaso sobre um segmento OA de comprimento L. Encontrar a probabilidade P1de que o comprimento do menor dos segmentos OB e BA seja superior a L/3.   Admite-se que a probabilidade de um ponto situar-se num segmento é proporcional ao comprimento deste e não depende da posição que o ponto ocupa.

 

Solução:

Designando por m(PQ) o comprimento do segmento PQ, consideremos os pontos X, Y OA, com m(OX) = m(XY) = m(YA) = L/3   (figura 4).   Se   B   é interior a  XY,   tem-se que:

Assim,                               

            

   Problema 3.2

Consideremos uma família de retas paralelas em IR2, onde quaisquer duas adjacentes são distantes de 2a. Determinar a probabilidade P2 de que uma moeda de raio r (r < a), lançada ao acaso sobre o plano, não intercepte nenhuma das retas.

Solução:

Representemos por    y,   a distância entre o centro da moeda e um eixo eqüidistante das duas paralelas mais próximas (figura 5).

Verifica-se, facilmente, que a moeda não intercepta quaisquer das rotas, desde que   y < a r.

Daí, o lugar geométrico do centro da moeda deverá ser a região retangular infinita hachurada,   g, da figura6.


 

   Problema 3.3

Tendo-se tomado, ao acaso, dois números positivos x e y, que não excedem a dois, determinar a probabilidade P3 de que o produto xy não exceda à unidade e o quociente y/x não exceda a dois.

Solução:

Do enunciado tem-se:

Representando-se estas restrições em um sistema cartesiano (figura 7), resulta hachurada a região simultânea g dos casos favoráveis, enquanto a região G dos casos possíveis é dada por ]0,2]x]0,2].

A região     tem área   S(g)   dada por

S(g)  = Área do triângulo ODF + Área limitada pela hipérbole y = l / x, o eixo das abscissas, a reta x = l / e a reta  x = 2.

Esta segunda parcela de S(g)  pode ser facilmente determinada, se utilizarmos a definição geométrica de logaritmo natural (vide pp. 33 e 34 da referência [4]).

 

enquanto a área de  G,  S(G),   vale 4.

 

 Problema 3.4  - O Problema do Encontro

Duas pessoas decidiram se encontrar em um determinado local entre 11 e 12 horas. Combinou-se previamente que a primeira pessoa a chegar esperará no máximo 15 minutos pela outra. Ache a probabilidade P4 de este encontro realizar-se neste intervalo, admitindo-se que os instantes de chegada (entre 11 e 12 horas) de cada uma das pessoas provêm do acaso.

Solução:

Sendo aleatórios os instantes de chegada das duas pessoas em [11, 12], podemos associá-los a pontos de 2 segmentos de comprimento unitário (amplitude do intervalo), representados em eixos ortogonais x e y em IR2. Cada ponto (x,y) de [0, 1] x [0, 1] teria coordenadas x,y numericamente iguais às frações de horas dos respectivos instantes de chegada, 11 + x, 11 + y, das duas pessoas.

De acordo com o enunciado, o encontro somente terá lugar

Estas restrições definem a região hachurada   g   da figura 8. Assim,


 

Problema 3.5 - O Problema, da Agulha de Buffon

Em 1777, o matemático e filósofo francês George Louis Leclerc, o Conde de Buffon (1707-1788), apresentou em seu Essai d'Arithmétique Morale o seguinte problema:

Consideremos uma família de retas paralelas em  IR2, onde duas paralelas adjacentes arbitrárias distam de  a.   Tendo-se lançado, ao acaso, sobre o plano, uma agulha de comprimento ( a), determinar a probabilidade P5 de que a agulha intercepte uma. das retas.

Solução:

Designemos por x a distância do ponto médio da agulha à reta mais próxima e por o ângulo formado entre a agulha e esta mesma reta (figura 9).

A posição da agulha, em relação à reta mais próxima, é individualizada pelos valores de   x [0, a / 2]   e   [0, ].

Ainda da figura 9, deduz-se facilmente que a agulha interceptará a reta mais próxima à região hachurada   g da figura 10. Observe que a região   G = [0,7r] x [0, a/2].

Tiramos estas conclusões sobre a probabilidade de sucesso na experiência da agulha, fazendo somente um raciocínio puro, sem qualquer apelo à repetição de lançamentos.

Lançando-se a agulha n vezes sobre o plano, o número k de vezes que ela intercepta uma reta do plano deve ser tal que a razão k/n se aproxime tanto mais de 2/a, quanto maior for n, isto é, para grande,   2n/ka.

Portanto, em princípio, isto nos sugere um método experimental para o cálculo de      (vide RPM 9, p. 10, e RPM 12. pp. 69-70).

A tabela seguinte foi extraída da p, 190 da referência [2] e contém alguns dados sobre experiências realizadas com agulha, para a determinação de   .

Autor
(ano)
Razão
/a

N de lançamentos
n

N de sucessos*
k

Valor estimado para
= 2n / ka

Wolf
(1850)
Smith
(1855)
De Morgan
(1860)
Fox
(1864)
Lazzerini
(1901)
Reina
(1925)
0.8
0.6
1,0
0,75
0,83
0,5419
5000
3204
600
1030
3408
2520
2532
1218,5
382,5
489
1808
859
3,1596
3,1553
3,137
3,1595
3,1415929
3,1795

Smith e De Morgan consideravam como "meio sucesso" (atribuindo o valor 0,5) um concurso agulha-reta não muito bem definido.

 

     4.  Considerações finais

Ao leitor interessado em problemas adicionais sobre o assunto, aconselhamos a seção 1.2 da referência [1] ou aseção 14.5 da referência [5].


 

Referências Bibliográficas

[1]   Gmurman, V. E.  Problemas em  Probabilidades e Estatística. São Paulo, Editora Mir, 1984.

[2]   Gridgeman, N. T. Geometric Probability and lhe Number .  Scripta Mathematica 25 (1960), pp. 183 195.

[3]    James, B.R. Probabilidade:  Um Curso Intermediário. Rio de Janeiro, IMPA - Projeto Euclides, 1981.

[4]    Lima, E. L. Logaritmos.   Rio de Janeiro, SBM - Coleção fundamentos da Matemática Elementar, 1985.

[5]   Tsypkin, A e Pinsky, A. Methods of Solving Problens  in High School Mathematics. Moscow, Editora Mir, 1986