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Um professor de Olinda, PE, pede uma justificativa para o algoritmo clássico para extração da raiz quadrada de um número. Vamos detalhar a explicação em um caso particular, ficando claro que a justificativa é análoga para o caso geral. Seja P um número inteiro positivo com cinco ou seis algarismos, que, só para facilitar o raciocínio, suporemos ser um quadrado perfeito. Uma primeira avaliação mostra que não terá mais do que três algarismos. Então querermos determinar os algarismos x, y e z, que são inteiros com 0 x, y, z 9, verificando (x . 102 + y . 10 + z)2 = P
Notemos inicialmente, que o número P pode ser escrito na forma P = A . 104 + B . 102 + C onde A, B e C são inteiros tais que 0 A, B, C 99. Por exemplo, se P = 541 696 = 54 . 104 + 16 . 102 + 96 teremos a = 54, B = 16 e C = 96. Isto corresponde a separar os algarismos de P de dois em dois a partir da direita, que á o primeiro passo do algoritmo. No final ficará mais claro o porquê desta separação. Decorre então que dada P, isto é, dados A, B e C queremos determinar x, y e z tais que x2 .104 + (2x . 10 + y)y . 102 + [2(x .10 + y) . 10 + z] . z = A .104 + B . 102 + C Observamos que nossa única preocupação aqui será a de justificar os passos do algoritmo para achar a raiz quadrada a existência e unicidade desta raiz podem ser provadas de outras maneiras. Em primeiro lugar vamos provar que o algarismo x é determinado como sendo o maior inteiro entre 0 e 9 tal que x2 A. (No nosso exemplo, A = 54 e, por tentativa, 62 = 36, 72 = 49, 82 = 64 donde x = 7). Devemos demonstrar dois fatos: 1) Se x é tal que x2 > A teremos: (x . 102 + y . 10 + z)2 > P para quaisquer algarismos y e z (e, então não poderá começar com este algarismo x). Com efeito, se x é tal que x2 A teremos x2 – A 1 donde (x2 – A) . 104 104 > 9999 B . 102 + C e x2 . 104 – A . 104 > B . 102 + C ou x2 . 104 > A . 104 + B . 102 + C e então para quaisquer algarismos y e z (x . 102 = y . 10 + z)2 (x . 102)2 = x2 . 104 > P. Assim sendo não pode começar com um algarismo x tal que x2 > A e portanto devemos ter x2 A.
2) Se o algarismo x1 é tal que x < x1 e A teremos (x . 102 + y . 10 + z)2 > P para quaisquer algarismos y e z (e, então não poderá começar com esse algarismo x). Com efeito, se x < x1 e A, teremos x1 . x 1 e então para quaisquer algarismos y e z (x1– x) . 102 102 > 99 y . 10 + z donde x1 . 102 > x . 102 + y . 10 + z e (x . 102 + y . 10 + z)2 < (x1 . 102)2 = . 104 A .104 A . 104 + B . 102 + C ou seja (x . 102 + y . 10 + z)2 < P Isto mostra que se existe x1 tal que x < x1 e A então não pode começar com x e portanto x deve ser o maior possível (com x2 A). Conhecido o x, vamos determinar y, o segundo algarismo da raiz quadrada. De acordo com o algoritmo devemos multiplicar o x obtido por 2 e também elevar x ao quadrado e calcular a diferença A – x2 de acordo com o seguinte dispositivo prático:
Temos então A – x2 = 5 e 2x = 14. Neste exemplo o y será igual a 3 e no dispositivo prático teremos:
Ora, o 143 corresponde a 140 + 3 ou seja 2x .10 + y; o 429 é (2x . 10 + y)y e o 516 (obtido “abaixando”o 16) é (A – x2) . 102 + B. O y resultou igual a 3 pois 143 x 3 = 429 < 516 e 144 x 4 = 576 > 516 Há uma regra prática para determinar o 3 neste exemplo, que consiste em dividir o 51 (do 516) pelo 14; ela será explicada mais adiante. O que vamos provar agora é que o y é determinado como sendo o maior inteiro entre 0 e 9 tal que (2x . 10 + y)y (A - x2) .102 + B Novamente devemos demonstrar dois fatos:
1) Se y é tal que (2x . 10 + y)z > (A - x2) .102 + B então (x . 102 + y . 10 +z) 2 > P para qualquer algarismo z e um tal y não poderá ser o segundo algarismo de . Com efeito, se y é tal que (2x . 10 + y)y > (A - x2) .102 + B, então x2 .102 + (2x . 10 + y)y > A . 102 + B e portanto x2 .102 + (2x . 10 + y)y – (A . 102 + B) 1 donde [x2 .102 + (2x .10 + y)y – (A . 102 + B)] . 102 102 > 99 C ou x2 .104 + (2x .10 + y)y . 102 > A .104 + B .102 + C isto é (x .102 + y .10) 2 > P e então para qualquer algarismo z (x .102 + y .10 + z) 2 (x . 102 + y .10) 2 > P e portanto um tal y não pode ser o segundo algarismo de .
2) Se o algarismo y1 é tal que y < y1 e (2x . 10 + y1)y1 (A - x2) .102 + B, teremos x2 .102 + (2x .10 + y1)y1 A .102 + B para qualquer algarismo z e um tal y não poderá ser o segundo algarismo de . Com efeito, se y1 é tal que y < y1 e (2x . 10 + y1) y1 (A – x2) . 102 + B teremos x2 . 102 + (2x . 10 + y1) y1 A . 102 + B e y1 – y 1 e então para qualquer algarismo z (y1 – y) . 10 10 > 9 z donde y1 .10 > y . 10 + z e então x2 . 102 + y1 . 10 > x . 102 + y .10 + z e (x . 102 + y . 10 + z) 2 < (x . 102 + y1 . 10) 2 = [x2 . 102 + (2x . 10 + y1) y1] . 102 [A . 102 + B] . 102 A . 104 + B . 102 + C ou seja (x . 102 + y . 10 + z)2 < P e por tanto não pode existir y1 > y verificando a desigualdade mencionada, o que mostra que o y deve ser maior possível. Conhecidos o x e o y, vamos determinar z. No nosso exemplo o dispositivo prático ficará
Temos então 87 = 516 – 429 = (A – x2) . 102 + B – (2x . 10 + y) y e 146 = 2 x 73 = 2(x .10 + y) Neste exemplo o z será igual a 6 e teremos
Ora, o 1466 é 1460 + 6 ou seja 2(x . 10 + y) . 10 + z; o 8796 (=1466 x 6) é [2(x . 10 + y) . 10 + z]z e outro 8796 (obtido “abaixando”o 96) é [(A – x2) . 102 +B – (2x . 10 + y)y] 102 + C. O z resultou igual a 6 pois 1465 x 5 = 7325 < 8796 e 1466 x 6 = 8796 Nessas condições o leitor verifica, como nos casos anteriores, que o z é determinado como sendo o maior inteiro entre 0 e 9 tal que [2 (x . 10 + y) . 10 + z]z [(A – x2) . 102 + B – (2x . 10 + y)y] . 102 + C Vamos agora comentar alguns dos passos do algoritmo tendo em vista as expressões obtidas até aqui: 1) Para a determinação do x só utilizamos o número A; para achar o y só o A e o B (e o x naturalmente). Isto explica porque inicialmente os algarismos de P são separados de dois em dois a partir da direita. 2) A procura do y é baseada na expressão (2x . 10 + y)y. A expressão 2x .10+y corresponde a multiplicar o algarismo x já obtido por 2 e escrever o algarismo y à direita do resultado obtido, como se faz no algoritmo. Analogamente para 2 (x . 10 + y) . 10 + z. 3) Vimos que y deve ser o maior inteiro entre 0 e 9 tal que 2x . 10 + y)y (A – x2) . 102 + B. Chamando o segundo membro desta desigualdade de S, podemos obter uma estimativa para o valor de y da seguinte forma:
([q] indica o maior inteiro contido em q e » significa “aproximadamente igual a”.) Em relação ao algoritmo, S = (A - x2) . 102 + B corresponde a fazer a diferença entre A e o quadrado de x e escrever os dois algarismos de B à direita do resultado obtido (“abaixar” o B como se costuma dizer). Tomar o maior inteiro contido em S/10 corresponde simplesmente a abandonar o último algarismo de S. Portanto uma estimativa para o y pode ser obtida como no algoritmo: calcula-se o número S, abandona-se seu último algarismo e divide-se o número assim obtido pelo dobro de x. Em virtude da majoração feita para eliminar o y do denominador e chegar a
às vezes o maior inteiro contido neste quociente é maior do que o y procurado sendo necessário diminuí-lo; por isso trata-se apenas de uma estimativa. Chamando de T o segundo membro da desigualdade que define o z obtemos
e temos uma regra análoga para obter uma estimativa para o z. Vejamos mais um exemplo para comentar esta última regra:
Observe-se que na determinação do segundo algarismo (o “4”), a regra manda dividir 61 por 12 obtendo-se o inteiro 5 que é maior do que o y procurado pois 125 x 5 = 625 > 612, e então diminuímos para 4. Já o último algarismo (o “9”), foi obtido dividindo-se o 1160 por 128 não tendo sido necessário diminuir. Estas explicações se estendem de maneira natural para a obtenção de raiz aproximada de um número que não seja quadrado perfeito e para a extração da raiz de números racionais dados na forma decimal
Ao
publicarmos o trabalho acima, estamos atendendo a pedidos de
alguns colegas que, tendo de ensinar o algoritmo da raiz quadrada
a seus alunos, querem conhecer a justificação teórica do que
estão fazendo mas não a encontram nos livros que hoje circulam
em língua portuguesa. Cabem,
entretanto, alguns esclarecimentos. Em
primeiro lugar, deve-se enfatizar que a explicação dada nesse
artigo se destina a professores, não se devendo tentar ensiná-lo
em classe. Em
seguida (e mais importante), vem a questão de saber se deve
ensinar a extração de raízes quadradas o algoritmo tradicional.
Com
efeito, embora o cálculo da raiz quadrada ocorra com bastante
freqüência em problemas de Geometria, de Mecânica, etc., a
maioria das pessoas (mesmo matemáticos profissionais), tendo
aprendido tal algoritmo na escola, esquece-o pouco depois. Por
outro lado, há vários outros meios de esquecidos, pois exigem
bem menos da nossa memória. Citamos os seguintes:
É o mais rudimentar, que funciona bem para números com poucos
algarismos decimais. Para números mais longos deve ser
complementado por uma calculadora (no que é superado pelo método
4). Ele opera assim: suponhamos que se quer calcular
. É claro que 32 < 10 < 42, logo
,... Além disso, (3,1)2 < 10 < (3,2)2,
logo
... Por tentativas, verificamos também que (3,16)2
< 10 < (3,17)2, logo
... E assim por diante.
Para obter , começamos com uma primeira aproximação a1, escolhida de modo qualquer. A menos que não seja um quadrado perfeito (o que não é comum) tem-se, em geral, . Então um dos dois números a1, n/a1 é menor do que e o outro é maior. A média não estivermos satisfeitos com a2, podemos tomar uma terceira aproximação
Se temos uma tabela de raízes quadradas, basta olhar. Caso contrário,
podemos lançar mão de uma taboa de logaritmos, que é bem mais fácil
de encontrar. A raiz quadrada de n é o
cos
x, log x, ex, etc., por que não para encontrar
?
Quase todas as calculadoras têm uma tecla sobre a qual está
escrito
. Basta registrar o número n e apertar essa tecla para obter a
raiz quadrada de n. Cada
um dos métodos acima, bem como o método tradicional, tem seus prós
e seus contra. Por exemplo, o método 4 é sem dúvida o mais
eficiente mas tem a desvantagem de exigir uma maquininha com as
pilhas carregadas. (Seus defensores podem contra-argumentar:
“Mas isso todo mundo tem. Quem haveria de querer calcular
numa ilha
deserta?”). O método 3 também não funciona numa ilha deserta:
ele depende de termos um certo livro disponível. Em compensação,
usando logaritmos podemos calcular, com a mesma facilidade, não
somente raízes quadradas como raízes cúbicas, quartas, etc.
Para tais raízes de índice maior do que 2 já seria necessária
uma maquininha mais cara. Os métodos 1 e 2 independem de tabelas
ou máquinas mas são mais trabalhosos do que o método
tradicional, principalmente para números com muitos algarismos.
Finalmente observamos que, do ponto de vista conceitual, o método
2 (das aproximações sucessivas) é o mais simples e elegante de
todos.
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