A arte de resolver problemas
 

G. Polya — Editora Interciência
R. Verna Magalhães, 66
20710 - Rio de janeiro - RJ

Nilza Elgenheer Bertoni
Depto. de Matemática
Universidade de Brasília
70910 - Brasília – DF

“O problema pode ser modesto, mas se ele desafiar a curiosidade e puser em jogo as faculdades inventivas, quem o resolver por seus próprios meios experimentará a tensão e gozará o triunfo da descoberta”.

...“Um professor de Matemática tem, assim, uma grande oportunidade. Se ele preenche o tempo que lhe é concedido a exercitar seus alunos em operações rotineiras, aniquila o interesse e tolhe o desenvolvimento intelectual dos estudantes, desperdiçando, dessa maneira, a sua oportunidade. Mas se ele desafia a curiosidade dos alunos, apresentando-lhes problemas compatíveis com os conhecimentos destes e auxiliando-os por meio de indagações estimulantes, poderá incutir-lhes o gosto pelo raciocínio independente e proporcionar-lhes certos meios para alcançar este objetivo”.

...“O autor tem a esperança de que este livro venha a ser útil a professores que desejem desenvolver nos seus alunos a capacidade de resolver problemas e a estudantes que realmente queiram desenvolver a sua própria capacidade”.

Estas palavras do próprio autor, no prefácio da 1ª edição, em 1944, apresentam de maneira insuperável o objetivo do livro.

Antes mesmo da introdução, sob o título “Como resolver um problema”, aparece uma lista de indagações e sugestões, que concentram as linhas mestras a serem exploradas: compreender o problema, estabelecer um plano, executar o plano, fazer uma retrospectiva.

O livro em si está dividido em quatro partes.

A primeira é “Em Aula”. Ela explana o objetivo da lista inicial de indagações e sugestões, descreve cada divisão principal desta lista e oferece vários exemplos de problemas, com seus esquemas de resolução discutidos, numa situação imaginada em aula. Ela nos traz logo de início as indagações chaves para a compreensão de um problema: Qual é a incógnita? Quais são os dados? Qual é a condicionante*? Esta parte é uma versão prática, para a sala de aula, do espírito e das técnicas do livro, e como tal nos elucida e enriquece. Infelizmente temos a notar alguns senões na proposta didática. Certos diálogos entre professor e alunos mesclam o trivial, que um professor constantemente faz, com suposições idealísticas de respostas que poderiam surgir, mais certa artificialidade em questões que o professor propõe, na parte de rever o problema e verificar os resultados. Estes diálogos supõem de certa maneira uma atitude disciplinada por parte do aluno, que atentamente acompanha o pensamento do professor. Há certo ranço tradicionalista na situação didática, certa distância entre o descrito e a efervescência dos jovens alunos dos nossos dias. Os diálogos não traduzem um engajamento autêntico e espontâneo dos alunos no processo de aprendizagem. Pensando-se em alunos do 2º grau, numa classe composta de elementos dirigidos ou não para a Matemática, interessados ou não na mesma, motivar este engajamento é indispensável. De certo modo, o autor também imagina e confessa o provável desinteresse dos estudantes, em frases como estas:

“Os estudantes, mesmo se forem muito vagarosos e indiferentes ...” “despertar os alunos de seu torpor”.

Mas o professor de nossos dias poderá suprir essa falha, se estiver suficientemente esclarecido e entusiasmado a respeito do assunto. “A medida da autenticidade do processo escolar é a mobilização total do indivíduo na tarefa.” (Mc Luhan).

Mas há também nesta parte pontos didaticamente positivos: a insistência em que o professor apenas ajude o aluno, com discrição e naturalidade; ou que uma pergunta invocativa, como: “Conhece um problema correlato?” não seja jamais substituída por uma indicativa, do tipo: “É possível aplicar o teorema de Pitágoras?”

A parte 2 do livro, “Como resolver um problema”, retoma as linhas gerais da lista inicial, introduzindo novas nuances, discutindo principalmente a procura e o reconhecimento de uma idéia proveitosa na resolução de um problema.

A parte 3 chama-se “Pequeno Dicionário de Heurística”, onde termos e expressões são esclarecidos, inclusive o próprio “Heurística”: “ramo do conhecimento, cujo objetivo é o estudo dos métodos e das regras da descoberta e da invenção”. Encontramos aí também o termo “condicionante”*. ... que aliás permeia o livro, no sentido de condição, vínculo entre dados e incógnitas. Achamos desnecessário o novo termo usado, e fica o receio de que ele venha a ser mais um dos muitos vocábulos técnicos que integram a rica terminologia matemática, com pouca explicitação da idéia que representam. O “Dicionário” por sua vez, excepcionalmente, não esclarece muito: “condicionante* é uma das partes principais de um problema de determinação”, diz ele.

O importante do Dicionário é que, tendo por objetivo elucidar termos necessários ao desenvolvimento da filosofia do livro, vem recheado de exemplos e problemas, e de considerações gerais com muito bom senso, adequação e praticidade. Ao contrário dos outros, este é um dicionário gostoso de ser lido. Acompanhamos o autor em incursões históricas, pensamos com ele sobre a Matemática a ser dada a nossos alunos, demoramo-nos em soluções de problemas, reaplicando as linhas gerais propostas, aprofundando novos aspectos.

Finalmente a parte 4: “Problemas, Indicações, Soluções”, oferece ao leitor oportunidades de praticar o que leu.

É uma lista de 20 problemas: originais e intrigantes, envolvendo conhecimentos a nível de 2º grau. Após seus enunciados, seguem-se indicações para cada um, e depois as soluções (para que possamos dormir em paz? ...). Como exemplo, transcrevemos o problema número 4: “Para numerar as páginas de um grosso volume, o tipógrafo utilizou 2989 algarismos. Quantas páginas têm o volume?” e as indicações para o mesmo:

“Eis um problema correlato: Se o livro contiver 9 páginas numeradas, quantos algarismos utilizarão o tipógrafo? (9, é claro). Eis um outro problema correlato: se o livro contiver exatamente 99 páginas numeradas, quantos algarismos utilizará o tipógrafo?”

O livro, amplamente conhecido em mui­tos países é original no assunto e enriquece a visão e a metodologia do professor de Matemática que o lê.

 

Obs.: (*) Recebemos do Prof. Eduardo Kanan Marques do Departamento de Matemática da Universidade de Brasília uma crítica da tradução do livro acima. Entre as falhas apontadas, a que talvez maior estranheza cause ao leitor brasileiro, é o aparecimento freqüente da palavra “condicionante” que nada mais é senão uma tradução mal feita da palavra  “condition” condição.

 

 

O fracasso da Matemática moderna

 

M. Kline - Ed. IBRASA, São Paulo - 1976
Rua 21 de Abril, 97 -. Tel.: (011) 93-9524
03047 - São Paulo - SP  

Comentário sobre a tradução

Luiz Adauto da J. Medeiros
Instituto de Matemática UFRJ
Caixa Postal, 68530
21944 – Rio de Janeiro - RJ

Trata-se da versão brasileira do livro de MORRIS KLINE, intitulado “Why Johnny Can’t Add”. “Vintage Books, New York, 1974”. Este livro do Professor Morris Kline é uma crítica ao ensino da Matemática nas Escolas Primárias e Secundárias dos Estados Unidos e, conseqüentemente, também se estende ao ensino do mesmo nível das Escolas Brasileiras. Embora exagerada em alguns pontos, como por exemplo no capítulo primeiro, ao considerar o caso de uma classe onde a Professora pretendia enfatizar as propriedades das operações com números inteiros, conduzindo a classe a uma total confusão, a ponto de não mais entenderem a adição de inteiros. Excetuando exageros como esse, o livro do Professor Kline faz uma análise profunda sobre o que denominam de Matemática Moderna nas Escolas Primarias e Secundárias, aconselhando-se fortemente sua leitura aos professores destas escolas, para ver se param para pensar nas conseqüências negativas da má formulação do conteúdo e métodos dos programas deste nível,

Não é nosso objetivo analisar o livro escrito pelo Professor Kline, nem, muito menos, discutir programas para escolas secundárias ou métodos de ensino, mas sim fazer um ligeiro comentário sobre a tradução posta à venda nas livrarias. Propusemo-nos a este trabalho porque ao lermos a versão original do livro do Professor Kline, em 1974, comentamos com um colega nosso, que também havia lido, ser aconselhável a versão brasileira deste livro. Assim pensando, ficamos contentes ao vê-lo traduzido e publicado pela IBRASA, tradução esta que lemos e, ao encontrar algumas falhas lamentáveis, resolvemos fazer este leve comentário, na expectativa de contribuir para certas correções, que se fazem necessárias e imprescindíveis, sob pena desta tradução não passar de uma mutilação impiedosa do original americano. Se nos permitem avançar um pouco. acreditamos que a tradução deveria ter tido uma revisão técnica antes de ser entregue à voracidade do lucro. Desejamos, deste modo, deixar bem claro que jamais foi nossa intenção fazer uma crítica destrutiva, mas sim apontar aquelas falhas comprometedoras, para que numa próxima edição sejam suprimidas.

Iniciaremos com o trecho à página 57, cuja frase: “now called the derivative”, foi traduzida por “.. agora denominada o derivativo”, quando o correto seria “...atualmente denominada a derivada”. Na página 61, “... derivatives and integrals” vem, em nosso idioma “... derivativos e inteiros”, quando o certo, nesta sentença, seria “...derivadas e integrais”. Na mesma pági­na 61, “... constructing logical foundations” é traduzido por “... construir fundações lógicas”, quando o certo seria “... fundamentos lógicos”. Tais enganos de tradução são repetidos várias vezes no texto. Na página 68, a frase “... triângulos semelhantes” é traduzida por “... triângulos similares”. Na página 67 “... reta numérica” é traduzida por “... linha de números”. Vale a pena, uma vez mais, comparar ao original. Na página 72, lê-se: “... um triângulo tem um lado interno e um lado externo”, tradução de “... a triangle has an inside and an outside”, cuja tradução correta seria “... um triângulo possui um interior e um exterior” Na página 75 aparece a frase “...ângulo incluído de um triângulo”, quando o Professor Kline escreveu uma frase, cuja tradução para o nosso idioma é outra que não a traduzida. Outros enganos de tradução aparecem além das repetições dos citados anteriores. Todavia, vale a pena mencionar mais um: na página 77, encontra-se, “... uma função contínua não pode mudar de sinal sem que desapareça”, como tradução de “.... a continuous function cannot change its sign without vanishing”. A tradução correta seria “... uma função continua não pode mudar de sinal sem se anular”. Anular ai é no sentido do valor da função ser igual a zero, sem, evidentemente, desaparecer a função. Na página 91 “... integral” deveria ser traduzido por “.... inteiro” mas foi traduzido por “... integral”. Outros enganos ocorrem nesta tradução, mas enfadonho seria continuar a enumerá-los, embora seja dever corrigi-los.

Do que acabamos de analisar, deduz-se a necessidade de uma revisão cuidadosa na presente tradução para sua posterior reimpressão que, cremos, será muito breve. A contribuição do Professor Kline, assim como a do tradutor, seriam relevantes para os leitores brasileiros, vindo esclarecer muitos pontos de nosso ensino da Matemática no ensino médio, que carece de uma direção correta.

Um outro deslise na tradução que acabamos de comentar, é sobre o conjunto vazio que, na tradução, aparece representado pela letra “phi” minúscula. Temos certeza que um dos objetos matemáticos muito bem conhecidos pelos nossos mestres, é o conjunto vazio. Certamente arrepiará a alguém vê-lo representado pelo “phi” minúsculo ao invés de “phi” maiúsculo.

 

N. da R.
Na verdade, o símbolo Ø, inventado por Bourbaki para designar o conjunto vazio, não é nem “phi” maiúsculo, mas uma letra do alfabeto norueguês, cuja pronúncia corresponde a “ö” em Alemão ou a “oeu” em Francês.

 

   

O professor distraído  

Numa sala de aula, ele pensa A, diz B, escreve C, os alunos entendem D mas o certo é E. Outra versão diz que ele quase não fala, quando fala ninguém ouve, quando se ouve, não se entende e quando alguém entende está errado.