QUAL É A SOMA DOS ÂNGULOS (internos ou
externos) DE UM POLÍGONO (convexo ou não)?

Elon Lages Lima
IMPA


     Introdução

Todos sabem que a soma dos ângulos internos de um triângulo vale dois ângulos retos. Este é um dos resultados centrais da Geometria Euclidiana. Ele se estende facilmente para mostrar que a soma dos ângulos internos de um polígono convexo com n lados é igual a n 2 vezes 2 ângulos retos. Há, porém, uma certa confusão quando se trata de considerar polígonos não convexos. A maioria dos livros elementares não considera este caso. Alguns textos utilizados em nossas escolas chegam mesmo a dizer que, se um polígono de n lados não é convexo, a soma dos seus ângulos internos pode não ser igual a n 2 retos e a soma dos seus ângulos externos pode não ser igual a 4 retos.

A dificuldade para polígonos não-convexos se concentra em dois pontos cruciais: o primeiro é a decomposição de um polígono, por meio de diagonais internas, em triângulos adjacentes e o segundo é a própria definição de ângulo externo.

Nosso objetivo aqui é esclarecer esses pontos, mostrando que todo polígono de n lados, convexo ou não, decompõe-se, mediante n 3 diagonais internas, que não se cortam, em n 2 triângulos adjacentes. Portanto, a soma dos ângulos internos desse polígono é igual a   n 2 vezes dois retos e a soma dos seus ângulos externos (convenientemente definidos) é igual a 4 retos. Tudo igualzinho ao caso de polígonos convexos, exceto que agora as n 3 diagonais não são traçadas a partir do mesmo vértice do polígono.
 

 

     Soma dos ângulos internos de um triângulo

Começaremos recordando o caso de um triângulo cujos ângulos internos chamaremos de , e . A partir de agora, a letra R significará sempre um ângulo reto.


A demonstração tradicional.

A demonstração tradicional de que + + = 2R  se faz traçando pelo vértice de   uma paralela ao lado oposto, observando que   = ', = '  como ângulos alternos internos e que ' + + ' = 2R. 1.

Esta é a demonstração que os livros trazem e que nós costumamos repetir em classe. Dentro do princípio de que sempre vale a pena, para quebrar a monotonia e arejar as idéias, olhar para as coisas fundamentais sob vários ângulos (sem trocadilho), vejamos duas outras demonstrações deste fato.

Mostremos, por exemplo, como a fórmula + + = 2R decorre de um caso particular.

Suponhamos, então, que o triângulo seja retângulo.   Seus ângulos são   , e R.   Duas cópias   juntas   deste   triângulo   formam um retângulo.  (Com efeito,   AB   é paralelo a   CA'   porque os ângulos alternos internos são iguais a  .   Como   AC   é perpendicular a AB , segue-se que AC e A'C são perpendiculares e analogamente,  AB e A'B também são perpendiculares.) Logo + = e, daí, + + R = 2R.


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. Um caso particular significativo.

O caso geral reduz-se a este, baixando-se a altura sobre o maior lado. (Essa altura cai sempre no interior do triângulo.) Isto decompõe o triângulo arbitrário em dois triângulos retângulos.  Usando o caso particular já provado, e observando que =  ' + ", temos

 


3. O caso geral resulta do particular.

                             

Outra maneira de provar a fórmula + + R = 2R consiste em considerar primeiro os ângulos externos a, b e c do triângulo dado e mostrar que   a + b + c = 4R.  Como   = 2R a,   = 2R b e = 2R c, ter-se-á então


4. A soma dos ângulos externos.

A demonstração de que a + b + c = 4R se faz fixando um ponto qualquer e, a partir dele, traçando semi-retas paralelas aos três lados do triângulo. Elas determinam 3 ângulos iguais a a, b e c os quais, juntos, dão uma volta completa no plano, logo  a + b + c = 4R.

Nesta última demonstração, há um cuidado a tomar. Para cada lado do triângulo, há duas semi-retas (opostas) partindo do ponto pré-fixado e paralelas a esse lado. Se trocarmos uma delas por sua oposta não teremos mais 3 ângulos iguais a a, b e c. Para escolher as semi-retas certas, dá-se uma volta ao longo do triângulo, marcando com setas o sentido do percurso (figura acima), e tomam-se as semi-retas que correspondem ao sentido de cada seta.

 

     Soma dos ângulos internos de um polígono

Em seguida, consideremos a soma dos ângulos internos de um polígono com n lados. Se ele é convexo, não há dificuldade. A partir de um vértice qualquer, traçamos n 3 diagonais que decompõem o polígono dado em n 2 triângulos justapostos, cuja soma dos ângulos internos é (n 2) x 2R. Esta é, portanto, a soma dos ângulos internos de um polígono convexo de n  lados.

5. Diagonais a partir de um vértice num polígono convexo.

6.    Neste pentágono não-convexo uma diagonal partindo do vértice A é externa e a outra corta um lado do pentágono.

Caso o polígono não seja convexo, a situação requer uma análise mais cuidadosa. Já não podemos mais traçar todas as diagonais a partir de um vértice qualquer, pois algumas delas podem ser externas ou podem cortar outros lados do polígono.

Inicialmente, esclareçamos que a palavra polígono significará sempre polígono simples, isto é, uma linha poligonal fechada que pode ser inteiramente percorrida sem que se passe mais de uma vez por qualquer dos seus pontos. Algumas vezes, polígono significará também a porção do plano limitada por essa poligonal.

Chama-se diagonal a todo segmento de reta que une dois vértices não consecutivos de um polígono.

Mostraremos agora que, mesmo não sendo convexo, qualquer polígono pode ser decomposto em triângulos adjacentes por meio de diagonais convenientes. O teorema a seguir, que exprime este fato, raramente é demonstrado, embora não seja tão difícil assim.

Teorema 1.

Traçando-se diagonais internas que não se cortam, pode-se decompor qualquer polígono em triângulos justapostos.

Demonstração:
Supondo, por absurdo, que o teorema não seja verdadeiro, podemos achar um polígono P, com n lados, o qual não pode ser decomposto em triângulos na forma estipulada pelo enunciado. Escolhemos P de modo que o número n seja o menor possível. Tomamos uma reta r que não corte P. Chamamos de B o vértice de P situado à menor distância de r. (A reta r intervém nesta demonstração apenas para detectar um vértice "saliente" do polígono.) Sejam A e C os vértices adjacentes a B. Há dois casos possíveis:

Primeiro caso: A, B e C são os únicos vértices do polígono P contidos no triângulo ABC.

7. B é um vértice saliente. Como o triângulo ABC não contém nenhum outro vértice de P além de A, B e C, a decomposição de P em triângulos começa traçando-se AC.

Neste caso, o polígono P', obtido de P substituindo-se os lados AB e BC por AC, tem n l lados. Como n é o menor número de lados para o qual o teorema não vale, P' pode ser decomposto em triângulos na forma do enunciado. Acrescentando a P' o triângulo ABC, obtemos uma decomposição de P da forma requerida. Isto contradiz que o teorema seja falso para P e conclui a demonstração deste caso .

8. O triângulo ABC contém outros vértices de P além de A, B e C. Sendo D o vértice de P contido no triângulo ABC, mais afastado de AC(D B), a decomposição começa com a diagonal BD.

Segundo caso: O triângulo ABC contém outros vértices do polígono P além de A, B e C. Dentre eles, seja D o mais distante do lado AC. Então a diagonal DB não pode conter outros vértices de P além de D e B. Essa diagonal, portanto, decompõe P em dois polígonos adjacentes P' e P", ambos com menos lados do que P. O teorema vale, então, para P' e P", que se decompõem em triângulos justapostos, na forma do enunciado. Juntando essas decomposições com DB, obtemos uma decomposição de   P.   Contradição. Isto prova o segundo caso .

A figura abaixo mostra o mesmo polígono decomposto em triângulos mediante diagonais internas traçadas de duas maneiras diferentes. Nos dois casos, o número de triângulos é igual e o mesmo se dá com o número de diagonais. 0 teorema seguinte diz que isto não é uma casualidade.


 

9. Duas decomposições diferentes do mesmo polígono determinam 5 triângulos e utilizam 4 diagonais. Experimentando outra decomposição qualquer, acharemos sempre estes mesmos números.

Teorema 2.

Quando um polígono P de n lados é decomposto, traçando-se diagonais internas que não se cortam, em triângulos justapostos, o número de triângulos é sempre n 2 e o número de diagonais é n 3.

Demonstração:

Supondo, por absurdo, que o teorema seja, falso, consideremos P um polígono com o menor número n de lados para o qual o teorema não seja válido. Então P decompõe-se, por meio de d diagonais internas, em   t    triângulos justapostos, com    d n 3 diagonais internas, em t triângulos justapostos, com d n 3 ou t n 2. Tomemos uma dessas diagonais. Ela decompõe P em dois polígonos adjacentes P' e P", com  n' e  n" lados respectivamente. Como n' < n e n" < n, o teorema se aplica para P' e P" com o número correto de triângulos e diagonais. Levando em conta que n = n' + n" 2, que t = t' + t" e que d = d' + d"+ l, as relações

implicam imediatamente que t = n 2  e  d = n 3. Esta contradição prova o teorema .

Corolário 1: A soma dos ângulos internos de qualquer polígono (simples) de n lados é igual a    (n 2) x 2R.

Com efeito, o polígono decompõe-se em n 2 triângulos justapostos e a soma dos ângulos internos de cada um deles é   2R.

Corolário 2: A soma dos ângulos externos de qualquer polígono (simples) é igual a   4R .

Aqui é necessário lembrar corretamente as noções de ângulo interno e externo de um polígono.

Quando o polígono é convexo, seus vértices são todos salientes e os ângulos internos são menores do que dois ângulos retos. Em cada vértice, o ângulo externo é, por definição, formado por um lado do polígono e o prolongamento do lado adjacente. Isto equivale a dizer que o ângulo externo é o suplemento do ângulo interno a que tem o mesmo vértice; portanto  + = 2R,  ou   = 2R .

Se o polígono não é convexo, ele possui vértices reentrantes. O ângulo interno a num desses vértices reentrantes é maior do que dois ângulos retos. 0 ângulo externo ainda é formado por um lado de e o prolongamento do outro. Entretanto, a fim de que continue valendo a igualdade + = 2R, ou seja, = 2R a,  o ângulo externo ,  num vértice reentrante de um polígono não-convexo, deve ter por medida um número negativo, pois   > 2R  implica   = 2R < 0.

10. Os ângulos externos de um polígono convexo são todos positivos. Se o polígono não é convexo, há pelo menos um ângulo interno maior do que 2R. Logo o ângulo externo      é negativo.

Dada esta explicação, o Corolário 2 torna-se evidente. Com efeito, seja S a soma dos ângulos externos de um polígono de n  lados. A soma dos ângulos internos sendo (n 2) x 2R e cada um dos n ângulos externos sendo o suplemento do ângulo interno correspondente, temos  S + (n 2) x 2R = n x 2R.  e daí  S = 4R .