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Severino de Souza
Um leitor da RPM procurou-me, não faz muito tempo, com uma pergunta interessante: - Professor, estive lendo, no artigo de Benedito Freire (RPM 11, pp. 5 a 8), a demonstração dada por Euclides de que existem infinitos números primos. Ela é realmente interessante, como observou o matemático inglês George Hardy, que a considerava a mais bela demonstração da Matemática. Mas qual teria sido a motivação do matemático que a descobriu pela primeira vez? Vejamos, ele considera o número q = 2 x x 5 x ... x p + 1, (*) onde 2, 3, 5, ..., p são todos os números primos até um certo p. Em seguida raciocina por absurdo para provar que ou o número q é primo - e, neste caso, encontramos um número primo maior do que p - ; ou q não é primo, e neste caso demonstra-se (como faremos adiante) que esse número q possui um fator primo maior do que p. Fica assim provado que, dados os números primos até um certo p, sempre existe um número primo maior do que p; portanto, existem infinitos números primos. Mas de onde saiu esse número q? Como nosso hipotético matemático da antiguidade teria tido a idéia de considerar esse número? Confesso que não havia pensado nisso antes. Trago aos leitores da RPM minhas reflexões sobre o assunto, que podem ou não ser válidas, cada um que. julgue por si. Convém lembrar que a demonstração da existência de infinitos números primos (reproduzida na RPM 11, p. 5 e na presente Nota) é a Proposição 20 do Livro 9 da obra de Euclides. Essa obra, é bom que se diga, escrita por volta do ano 300 a.C, é uma apresentação de toda a Matemática Grega até então conhecida, não necessariamente devida a Euclides. Essa Matemática era pesadamente geométrica; mesmo o que era Aritmética ou Álgebra aparece numa roupagem geométrica, como é o caso do teorema sobre a infinidade dos números primos. O leitor curioso, que desejar saber mais sobre o livro de Euclides, e mesmo sobre a Matemática Grega da época, encontrará matéria interessante no cap. 2 do livro de Asger Áaboe, Episódios da História Antiga da Matemática, editado pela SBM em sua Coleção Fundamentos da Matemática Elementar. Refletindo sobre a fórmula (*), tenho a impressão de que a pessoa que a considerou pela primeira vez estivesse tentando obter uma fórmula geradora de números primos. De fato, ao somar uma unidade ao produto 2 x 3 x 5 x ... x p, essa pessoa estaria impedindo que o número resultante fosse divisível por 2, 3, 5, ..., p. É um bom raciocínio na esperança de obter um novo número primo q. Quem sabe até essa pessoa tenha notado que os primeiros números construídos com (*), isto é, 2 x 3 + 1 = 7, 2 x 3 x 5 + 1 = 31, 2 x 3 x 5 x 7+1 = 211, 2 x 3 x 5 x 7 x 11 + 1 = 2311, são todos primos. Mas a esperança de que (*) fosse geradora de primos morre no próximo passo, já que o número 2 x 3 x 5 x 7 x 11 x 13 + 1 = 30 031 é composto, pois 30 031 = 59 x 509. E daí? Tudo acabou em fracasso? Talvez nosso hipotético matemático fosse um otimista e, ao invés de desistir, tenha continuado a examinar a fórmula (*), acabando por transformar seu momentâneo fracasso naquilo que seria a mais bela. demonstração da Matemática, no dizer do matemático inglês George Hardy. Sim, afinal faltava pouco para completar a demonstração de que existem infinitos números primos, isto é, existe sempre um outro número primo maior do que qualquer primo p dado. De fato, ou o número q definido em (*) é primo - e neste caso q é um número primo maior do que p, como já observamos - ; ou o número q não é primo, e neste caso existe um número primo r que é fator de q. Então r tem de ser maior do que p, pois, como já vimos, nenhum dos números primos 2, 3, 5, ..., p pode ser fator de q. Assim, em qualquer das duas hipóteses feitas sobre o número q, a conclusão é a mesma: existe um número primo maior do que p, c.q.d.
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