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O século XVII foi importantíssimo paia a história da. Matemática. Começava a existir um grande intercâmbio entre os matemáticos e formavam-se grupos de cientistas na França, Itália e Inglaterra. René Descartes (1596-1650) viveu neste fértil período de grandes modernizações. Tendo recebido educação cuidadosa no colégio de jesuítas de La Flèche, onde estudou Línguas Clássicas, Lógica, Ética, Matemática e Física, graduou-se posteriormente em Direito. Desde jovem, mostrou-se meditativo, impressionando seus mestres pela independência e pela insistência em não aceitar sem reflexão os ensinamentos recebidos. Como filósofo, Descartes foi revolucionário. Plenamente convencido do potencial da razão humana, criou um método novo para o conhecimento do mundo através da ciência e do raciocínio. Este método centrava-se na dúvida. Para ele, duvidar significava pensar. Penso, logo existo. Se, por um lado, sua filosofia era avançada - ele é chamado pai da. Filosofia. Moderna -, suas novas idéias no terreno da Matemática mostram uma tentativa de voltar ao passado (à Idade Áurea dos gregos) para, redescobrir fatos antigos através de uma linguagem que havia criado: Geometria. Analítica, como a chamamos hoje. A Geometria de Descartes não foi apresentada ao mundo como obra isolada, mas como um entre três apêndices de seu maior tratado: Discours de Ia méthode pour bien conduire sa raison et chercher Ia verité dans les sciences, ou seja, "Discurso sobre o método para raciocinar bem e procurar a verdade nas ciências", datado de 1637.
A primeira frase do livro é: Todo problema, de Geometria pode ser facilmente reduzido a tais termos que o conhecimento de certos comprimentos basta, para construí-lo.
Fac-símile do original de 1637. Observe o número da página: 297 do Discours de Ia méthode, Dover Edition, 1954, USA. Como se pode perceber, o objetivo, principalmente na primeira parte do livro, não é necessariamente a redução da Geometria à Álgebra, mas sim, o de obter construções geométricas para as operações algébricas, bem diferente portanto dos textos modernos. Vamos mostrar então uma pequena parte do Livro I que contém instruções detalhadas para resolver equações quadráticas, não no sentido algébrico dos antigos babilônios, mas geometricamente, como faziam de forma semelhante os gregos antigos. Vejamos então uma parte da página 302 e a página 303 do original de 1637.
Descartes começa a mostrar como resolveir graficamente a equação z2 = az + b2. Note que z é a. incógnita e que a e b são segmentos conhecidos. Repare ainda que o sinal de "igual" era "" e que o quadrado da, incógnita era z2 mas o quadrado da quantidade conhecida b era bb. Vamos apresentar uma tradução informal do texto para que o leitor possa acompanhar o raciocínio de um matemático há mais de 350 anos.
Por
exemplo, se eu tenho z2 = az + b2,
eu construo o triângulo retângulo NLM com um lado
De fato,
observando a figura, como o diâmetro do círculo é igual a a, fazendo OM =
z, temos OM
.PM
= ML2, ou
seja, z(z
a)
=
b2
ou z2 = az
+
b2. Resolvendo porém a
equação
Mas, se eu tenho y2 = ay + b2, onde y é a quantidade cujo valor eu desejo, construo o mesmo triângulo retângulo NLM, e sobre a hipotenusa (base) MN ponho NP igual a NL e o e assim para os outros casos. então ao invés de ligar os pontos M e N, traço MQR paralela a LN e com centro em N descrevo um círculo a partir de L que corta MQR nos pontos Q e R. A linha procurada z pode ser MQ ou MR porque, neste caso, pode ser expressa de duas formas, a saber:
E se o
círculo com centro no ponto N e passando pelo ponto L não corta
nem toca a linha reta MQR, não há raiz alguma para a equação, de modo que
podemos dizer que a construção do problema proposto é impossível.
Na figura, se MR = z, temos
Como MR .
MQ = ML2,
obtemos z (a
z) = b2
ou z2
= az
b2.
Da mesma forma, se MQ=z,
obtemos
MR
= a
z
e, outra vez,
z2 =
az
b2.
Aqui,
Descartes fornece as
___________________________ Na Geometria de Descartes, as coordenadas são, em geral, oblíquas e todas as abcissas e coeficientes de uma equação são considerados positivos. Mas, já aparecem as condições que os coeficientes devem satisfazer para que a equação acima represente uma reta, elipse, hipérbole ou parábola. Apesar das restrições, foi o mais geral estudo das seções cônicas feito até então. Entretanto, Descartes não estava só nestas idéias. Na mesma época, Pierre de Fermat (1601-1665) também estudava as equações indeterminadas com duas incógnitas. Como Descartes, Fermat não considerava abcissas negativas, mas usava eixos perpendiculares sistematicamente. Na verdade, Fermat foi mais didático que Descartes, examinando detalhadamente as equações ax + by = c2, xy = c2, x2 + y2 = c2 e várias outras, mostrando inclusive que adequadas translações nos eixos poderiam simplificar algumas equações. (Descartes e Fermat escreviam a equação de uma reta como ax + by = c2 e não ax + by = c como hoje. Porque, para eles, cada letra, constante ou variável, representava a medida de um segmento de reta. Então, ax e by significavam áreas. Logo, do lado direito, deveria aparecer c2 e não c, por questão de homogeneidade.) A história continuou, a semente plantada frutificou e permitiu o aparecimento do Cálculo de Newton e Leibniz. Mas, e Descartes? Bem, Descartes não era realmente um matemático profissional, apesar de ter dado diversas outras contribuições através de sua correspondência. Descartes era filósofo, e em 1649 aceitou um convite da rainha Cristina da Suécia para formar uma Academia de Ciências em Estocolmo e também para instruí-la em Filosofia. Conta-se que sua aluna, um tanto excêntrica, marcava as aulas para as quatro horas da madrugada e Descartes, que nunca teve boa saúde, sucumbiu aos rigores do inverno escandinavo em 1650.
A edição
original da Geometria de Descartes foi publicada em 1954 por Dover Publications,
Inc., N.Y. e traduzida para o inglês por David Smith e Martha Latham.
Para maiores detalhes sobre a vida e obra de René Descartes, o leitor pode
consultar a História da Matemática de Carl
B. Boyer. Editora Blücher
Ltda., em português, pp. 245 a 253.
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