PI Acaba?
Vincenzo Bongiovanni
Renate Watanabe
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Não,
"não acaba" - e o interesse que ele
desperta também parece não acabar. Já se falava do número
há cerca de 4 000 anos.
Vamos,
neste artigo, contar alguns trechos da longa história do número
. Ela será dividida em 4 períodos
(nem sempre disjuntos). Os períodos vão se diferenciar pelos métodos usados na
determinação de , pelos objetivos
imediatos do cálculo e pelas ferramentas matemáticas então disponíveis.
E o
período "geométrico" e vai desde as primeiras estimativas da razão entre o
comprimento de uma circunferência e o seu diâmetro até o surgimento do
Cálculo, em meados do século 17. O objetivo era encontrar uma expressão racional
para e as principais ferramentas,
o princípio de exaustão e a determinação de perímetros e áreas de polígonos
regulares inscritos e circunscritos a uma circunferência.
Os
primeiros vestígios de uma estimativa de
encontram-se no Papiro de
Rhind (RPM 15, p. 18) escrito, aproximadamente, em 1700 a.C, onde se lê:
a área de um círculo é igual a de um
quadrado cujo lado é o diâmetro do
círculo diminuído de sua
nona parte.

Acredita-se que
este resultado tenha sido obtido empiricamente.
Os babilónios atribuíram a
o valor 3 e, em
outros escritos, 25/8. No Velho Testamento (1 Reis VII,
23 e 2 Crônicas IV,
2), bem como no Talmud,
— 3.
O primeiro resultado científico e
notável foi obtido por Arquimedes (287-212 a.C.) usando o método de exaustão,
descrito no livro 10 de Euclides:
Dadas duas grandezas
distintas, se da maior subtrairmos uma grandeza,
maior do que sua metade
e do que restar, uma grandeza maior do que sua
metade, e se este processo for repelido continuamente,
restará alguma grandeza menor do que a menor
das duas grandezas iniciais.
(Usando este princípio, os gregos
conseguiram resolver diversos problemas envolvendo o que hoje chamamos de
"limite".)
Arquimedes partiu de um hexágono
regular e calculou os perímetros e áreas de polígonos regulares de 6, 12, 24, 48
e 96 lados, inscritos e circunscritos a uma circunferência e mostrou que

(Para melhor apreciar este
resultado, observe que ele equivale a dizer que
está entre
3,14084 e 3,14285 e foi obtido numa época em que não havia nenhuma
notação conveniente tais aproximações.)
O método de Arquimedes foi usado
pelos séculos afora e nenhum método significativamente melhor para a
determinação de
foi encontrado
até o advento do Cálculo.
Para se ter unia idéia
da universalidade do cálculo de
, citaremos alguns
nomes e datas deste primeiro período.
Ainda na Grécia, Ptolomeu (87-165) calculou as cordas de todos
os ângulos de meio em meio grau, entre 0 e 180 graus, e obteve para
o
valor aproximado 3,14166.
Na índia, Aryabhata (
500) e, posteriormente, Bhaskara (
1140) obtiveram para
o valor
3927/1250 3,1416, calculando
os perímetros de polígonos de 12, 24, 48, 96 e 384 lados. Para Brahmagupta
( 628),
=
Na China, no século 12 a.C, o valor
de
era 3 e, no
início da era cristã, .
Tsu Ch'ung-chih (430-501) obteve para
o valor
355/113 ( 3,1415929), valor
este redescoberto na Europa 1000 anos depois [3].
Nos séculos 15 e 16, com o
desenvolvimento da trigonometria e uma notação melhor para números, a
determinação dos comprimentos de cordas tornou-se mais precisa e mais rápida.
Matemáticos desta época, ainda usando o método de Arquimedes,
calcularam
com até 35 casas
decimais.
Uma idéia
nova foi usada por Descartes (v. p. 9). Ao invés de considerar, numa mesma
circunferência, polígonos inscritos e circunscritos com um número cada vez maior
de lados, Descartes fixou o perímetro dos polígonos e calculou os raios das
circunferências inscrita e circunscrita. Começando com um quadrado de perímetro
2, dobrando sucessivamente o número de lados dos polígonos e mantendo fixo o
perímetro, é fácil mostrar que a seqüência dos raios das
circunferências inscritas (e também a dos raios das circunferências
circunscritas) tende a l / .
O método usado por Descartes é
conhecido como o método dos isoperímetros
e pode ser encontrado em [9], pp. 177-181.
Cumpre lembrar que as
dificuldades no cálculo de
sempre
foram de natureza computacional, não conceitual. Usando
tão-somente o teorema de Pitágoras, é possível obter (teoricamente) aproximações
tão precisas de
quanto
forem desejáveis. Basta relacionar o lado de um polígono
de 2n lados com um de n lados, ambos inseridos
na mesma circunferência, para poder calcular os perímetros de polígonos com um
número muito grande de lados.
Os resultados do primeiro período
foram, de certo modo, decepcionantes. Esperava-se que
, relacionado com
a mais perfeita das formas geométricas, fosse um número muito especial e
o fato de não se ter encontrado uma expressão especial para
parecia
indicar que o seu segredo não fora ainda desvendado.
No século 17, com o advento do
Cálculo, a determinação de
ganhou novas e
poderosas ferramentas, que substituíram os métodos geométricos até então usados.
Um resultado inicial foi publicado
por John Wallis em 1655:

(ver em [3], p. 281, como chegar a
este resutado).
Neste período, a série mais usada
no cálculo de
foi a série de Gregory, publicada em 1670 :

Para x = 1, obtém-se

resultado este obtido
independentemente por Leibniz e publicado em 1674. Esta série, por convergir
muito lentamente, não é adequada para o cálculo de
, mas, sob o ponto
de vista estético, atende bem ao sonho daqueles que buscavam uma representação
especial para .
Daí para frente, com a série de
Gregory e algumas relações trigonométricas, cada vez mais casas decimais de
foram calculadas e em tempos cada vez menores. Eis alguns
exemplos:
obter 72 casas decimais de

Machin, em 1706, usando a mesma série
e a identidade

conseguiu
calcular com 100 casas decimais.
(É fácil ver por que
o uso desta identidade facilita o cálculo de
. Ela nos diz

Os cálculos no primeiro
parêntese podem ser simplificados substituindo 1/5 por 2/10 e a série no segundo
parêntese converge muito rapidamente.)
Euler, em
1755, usando outras relações trigonométricas, obteve uma série rapidamente
convergente, o que lhe permitiu calcular as primeiras 20 casas decimais de
em uma hora.
Dase, um
calculador prodígio, em 1844, calculou
com 200 casas decimais, em menos de 2 meses. (Por recomendação de Gauss, Dase
foi contratado pela Academia de Ciências de Hamburgo para determinar todos os
fatores dos números inteiros entre 7 e 10 milhões.)
E assim
foi, até que ...
Shanks,
em 1873, usando a fórmula de Machin e após 15 anos de trabalho, obteve
com 707 casas decimais (527
corretas).
Este
período é caracterizado por dois resultados não ligados ao valor de
, mas à sua natureza.
Em 1761,
Johann Heinrich Lambert demonstrou o seguinte teorema: Se x for um número
racional, diferente de 0, então tgx não poderá
ser um número racional. Uma
consequência irracionalidade de
foi publicada, em 1947, por
I.
Niven e pode ser encontrada em [7].)
Mais de
100 anos depois, em 1882, Ferdinand Lindemann provou que
é transcendente, ou seja,
não é raiz de nenhum polinômio
com coeficientes racionais [7].
Este último resultado resolveu o
famoso problema da quadratura do círculo que vinha desde a antiguidade. O fato
de ser
transcendente prova, definitivamente, ser impossível construir, somente com
régua não graduada e compasso, um quadrado e um
círculo de mesma área.
é irracional, é transcendente e havia
sido calculado com 707 casas decimais. A sua história talvez tivesse chegado ao
fim se não fossem os computadores.
Em 1949 o
interesse pelo número havia
ressurgido. Por um lado, os computadores permitiam a determinação de um grande
número de casas decimais de e,
por outro, foram levantadas algumas questões interessantes quanto à distribuição
dos algarismos de .
Por
exemplo, Emile Borel (1871-1956) perguntou se
era um número "normal", isto é,
se na sua representação decimal cada algarismo ou grupo de algarismos aparecia
com a mesma freqüência.
(Conjetura-se que a resposta seja afirmativa, mas o fato ainda não foi
demonstrado.)
Ou, se
seria possível, algum dia, calcular o
n-ésimo
dígito de sem calcular os n
1 dígitos anteriores.
O
primeiro cálculo de , por
computador, foi feito em 1949, produzindo 2 036 casas decimais em 70
horas/máquina. Mais recentemente (1988?), D. H. Bailey obteve
com mais de 29 milhões de
algarismos em 28 horas/máquina [1]. A revista Science News, de setembro
de 1989, noticia que David e Gregory Chudnoviski calcularam
com 1 bilhão de algarismos decimais
exatos.
Embora o
cálculo de com milhares de casa
decimais tenha sido usado para testar computadores novos e treinar seus
usuários, ele certamente não é trivial. Requer fórmulas eficientes, programas
bem escritos e vários esquemas que permitam economizar tempo e espaço na memória
do computador.
Alguns
desses cálculos usam a série de Gregory e relações trigonométricas do tipo

Mais recentemente, entrou em uso um
método iterativo baseado na média aritmética-geométrica, estudada por Gauss em
volta de 1800 [1]. Esta média foi usada, pela primeira vez, na determinação de
,
por Tamura e Kanada, em 1981 (ao calcularem
com 4 milhões de casas decimais) e, por causa de sua rápida convergência,
tem, hoje em dia, um papel muito importante na computação.
Nessa
mesma linha, J. M. Borwein e P. B. Borwein [8], por volta de 1984, obtiveram um
algoritmo que permite calcular
com uma precisão e velocidade impressionantes. O algoritmo
y0
= 0 , 0 = 2 e pelas
fórmulas de iteração:

A
convergência de n+
1 para
é muito rápida: com
4
passos
obtém-se
4
= 3,14159 26535 8976
E + 000
ou seja,
o valor de com 14 casas decimais
corretas!
A
história, por enquanto, termina aqui. Mas fica a pergunta: haverá, algum dia,
um quinto período na história de ?
Referências
Bibliográficas
[1]
Almkvist, G. e Berndt, B. "Gauss, Landen, Ramanujan, the
aritmetic-geometric mean, ellipses,
,
and the Ladies
Diary". The American Mathematical
Monthly, agosto-setembro, 1988, pp. 585-608.
[2]
von Baravalle, H. "The number
"
em Historical
Topics for the Mathematics
Classroom,
NCTM, 1969, pp. 148-154.
[3]
Boyer, Carl B. História
da Matemática. São Paulo, Editora Edgard
Blucher, 1974.
[4]
Costa, Roberto C. F. "O que é um número transcendente?".
RPM 1, 1982, pp. 14-15.
[5]
Davis, Philip J. The Lore
of Large Numbers.
New York, Random House, Inc., 1961.
[6]
-------- ., Chinn, W. G. 3,1416 And AH TJiat.
Boston, Birkhãuser, 1985, pp.
172-180.
[7]
Figueiredo, Djairo G. Números Irracionais
e Transcendentes, capítulos 3 e 7. Rio de Janeiro,
SBM, 1980.
[8]
Flanders, Harley. "Computing
".
The College Mathematics Journal,
vol. 18, n. 3, maio 1987, p. 230.
[9]
Hadamard, Jacques. Leçons de Géométrie Élémentaire,
v. 1. Librairie
Armand Colin, Paris, 1911.
[10] Hobson, E. W.
Squaring The Circle. Cambridge, 1913; reimpressão:
New York, Cheslea Publishing Company, 1953.
[11] Lima, Elon L.
"O que é o numero ?".
RPM 6, 1985, pp. 18-20.
[12] Wrench Jr.,
J. W. "The evolution of extended decimal approximations to
".
The
Mathematics Teacher,
dezembro, 1960, pp. 644-650.
Calculadores
de  |
|
decimais |
tempo |
Ptolomeu, 150 |
4 |
|
Viète, F., 1579 |
10 |
|
Romanus, A., 1593 |
16 |
|
van Ceulen, L., 1610 |
35 |
|
Sharp, A, 1699 |
72 |
|
Machin, J., 1706 |
101 |
|
Dase, Z., 1844 |
201 |
2 meses |
Shanks, W, 1873 |
707 |
15 anos |
ENIAC em Aberdeen, 1949 |
2036 |
70 horas |
NORC em New York, 1954 |
3093 |
13 minutos |
Genuys, F.1959 |
10
000 |
l h40m |
Shanks, D. e Wrench Jr., J. W., 1961 |
100 000 |
8h43m |
Gilloud, J. e Dichampt M., 1967 |
500 000 |
44h45m |
Gilloud, J. e Bouyer, M., 1976 |
1000 000 |
|
Tamura, Y e Kanada, Y, 1982 |
4194 293 |
2h53m |
Tamura, Y e Kanada, Y, 1988 |
16 000 000 |
|
Chudnoviski, D. e G., 1989 |
1
bilhão |
|

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Vincenzo Bongiovanni é
licenciado em Matemática pelo Instituto de Matemática e Estatística da USP
e mestre em Matemática pela PUC-SP. Leciona no Colégio Universitas e na
Universidade de Santos e é co-autor da coleção "Matemática e Vida"
da Editora Ática. |

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