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Este artigo ilustra como um problema relativamente complexo do mundo real pode ser facilmente solucionado por meio de fatos simples da Geometria, Trigonometria e Funções. Tudo começou quando observei que, para um mesmo intervalo de tempo, o volume total de chuva que incide no pára-brisa de um automóvel é proporcional à sua velocidade. A constatação deste fato ficou bastante transparente, uma vez que me deslocava em um automóvel equipado com um regulador de tempo entre oscilações do limpador de pára-brisa. Resolvi formular matematicamente o objeto desta observação, na tentativa de ratificar certas conclusões empíricas, a partir da análise das expressões obtidas.
Para modelagem da situação, representemos o pára-brisa por uma área plana e fechada B, cujo plano forma um ângulo a com a horizontal e que se desloca horizontalmente a uma velocidade constante vs por um intervalo de tempo com amplitude T. Enquanto isto, na região de deslocamento e no intervalo considerado, ocorre uma chuva contínua, que se precipita verticalmente a uma velocidade constante vc (fig. 1).
Da análise do modelo, deseja-se o volume efetivo de chuva que incide no pára-brisa do automóvel, durante o intervalo de tempo considerado, bem como a influência da velocidade do automóvel neste volume. Observe que, em situações reais, nem a chuva nem o pára-brisa possuem as características ideais descritas no modelo. Em geral, os pára-brisas não são planos e as chuvas não incidem de maneira contínua, normal e a velocidade constante.
Por razões didáticas, resolveremos o problema em duas fases:
1.ª fase Nesta fase, determinaremos em t = 0 o lugar geométrico de todas as gotas de chuva que tocarão a superfície B, em algum instante T do intervalo (0, T].
Seja O um ponto fixo qualquer da superfície B, que tomaremos como origem de um sistema de coordenadas cartesianas, coerentes com as direções vertical e horizontal do lugar (fig. 2). É claro que O será ponto futuro de uma infinidade de gotas do lugar geométrico, e para que, em XOY, uma gota G = (x,y) goze desta propriedade, é necessário e suficiente que o tempo tc gasto pela gota G para percorrer verticalmente a distância y seja igual ao tempo ts gasto pelo ponto O para percorrer horizontalmente a distância x. E evidente que 0 < tc = ts T. Assim,
Assim, as gotas G = (x,y) com ponto futuro O, em algum instante t (0,T], se situam, em t=0, sobre o segmento OO' da semi-reta de origem O e declividade vc / vs (fig. 3). O comprimento d do segmento OO' é facilmente determinado, observando-se que O' é a gota que atinge o ponto O da superfície B em t = T. Assim,
Como o ponto O foi arbitrário em B, segue-se que o lugar geométrico das gotas com ponto futuro em B se constitui em um prisma oblíquo de base B e cujas arestas laterais de comprimento d são inclinadas de = arctg (vc / vs), em relação ao horizonte (fig.4).
2.ª fase
Esta fase tem por finalidade determinar o volume deste prisma que é, precisamente, o volume da chuva incidente no pára-brisa, durante o intervalo de tempo considerado.
A figura 5 é uma vista lateral do prisma. Nesta vista, seja M o ponto de B que está mais distante do plano horizontal, e seja M' a gota de chuva que em t = T estará sobre M em B. Sendo vr a velocidade relativa de M em relação a M' e vrn a sua componente na direção normal a B, não é difícil ver que h (altura do prisma) é a distância percorrida por um móvel que se desloca à velocidade vrn , em T unidades de tempo. Daí, h = Tvrn (3) Os módulos das componentes normais ao plano de B das velocidades de M ( vs ) e M'( vc ) são, respectivamente
Como vsn e vcn têm mesma direção e sentidos opostos, o módulo de vrn será vrn = vs sen + vc cos (5) Resulta de (3) e (5) que h = T(vs sen + vc cos ) (6) De modo que o volume procurado é: Vol = Bh = BT(vs sen + vc cos ) (7)
Da última expressão (7), verifica-se facilmente que a variação de Vol é diretamente proporcional a vs isto é, para T, e vx fixos, quanto maior a velocidade do automóvel, maior será o volume de chuva incidente no pára-brisa. Isto confirma as observações que tinha realizado anteriormente. Todavia se sobre uma superfície incide tanto mais chuva quanto maior for a sua velocidade, como explicar a sábia atitude de se correr em dias de chuva para se molhar menos? A resposta a esta interrogação surgiu quando percebi que a equação (7) foi deduzida para um T fixo. Se, ao invés disto, tivéssemos fixado a distância D, percorrida por B a uma velocidade vs, teríamos T = D / vs que, em (7), daria:
Agora, ao contrário de (7), o volume de chuva incidente sobre a superfície B é inversamente proporcional à sua velocidade de deslocamento, isto é, para D, e vc fixos, quanto maior a velocidade da superfície, menor será o volume de chuva que lhe é incidente. Para finalizar, convidamos o leitor a analisar o caso menos particular deste problema, em que a incidência da chuva tem uma direção qualquer .
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