A chuva e o parabrisa
 

Ney Carmona Júnior
Pind
amonhangaba, SP


     1. Introdução

Este artigo ilustra como um problema relativamente complexo do mundo real pode ser facilmente solucionado por meio de fatos simples da Geometria, Trigonometria e Funções.

Tudo começou quando observei que, para um mesmo intervalo de tempo, o volume total de chuva que incide no pára-brisa de um automóvel é proporcional à sua velocidade. A constatação deste fato ficou bastante transparente, uma vez que me deslocava em um automóvel equipado com um regulador de tempo entre oscilações do limpador de pára-brisa.

Resolvi formular matematicamente o objeto desta observação, na tentativa de ratificar certas conclusões empíricas, a partir da análise das expressões obtidas.

 

      2. O problema

Para modelagem da situação, representemos o pára-brisa por uma área plana e fechada B, cujo plano forma um ângulo a com a horizontal e que se desloca horizontalmente a uma velocidade constante vs por um intervalo de tempo com amplitude T. Enquanto isto, na região de deslocamento e no intervalo considerado, ocorre uma chuva contínua, que se precipita verticalmente a uma velocidade constante  vc (fig. 1).

Da análise do modelo, deseja-se o volume efetivo de chuva que incide no pára-brisa do automóvel, durante o intervalo de tempo considerado, bem como a influência da velocidade do automóvel neste volume.

Observe que, em situações reais, nem a chuva nem o pára-brisa possuem as características ideais descritas no modelo. Em geral, os pára-brisas não são planos e as chuvas não incidem de maneira contínua, normal e a velocidade constante.

 

     3. Resolução

Por razões didáticas, resolveremos o problema em duas fases:

 

1.ª  fase Nesta fase, determinaremos em t = 0 o lugar geométrico de todas as gotas de chuva que tocarão a superfície B, em algum instante T do intervalo (0, T].

 

Seja O um ponto fixo qualquer da superfície B, que tomaremos como origem de um sistema de coordenadas cartesianas, coerentes com as direções vertical e horizontal do lugar (fig. 2).

É claro que O será ponto futuro de uma infinidade de gotas do lugar geométrico, e para que, em XOY, uma gota G = (x,y) goze desta propriedade, é necessário e suficiente que o tempo tc gasto pela gota G para percorrer verticalmente a distância y seja igual ao tempo ts gasto pelo ponto O para percorrer horizontalmente a distância  x.   E evidente que  0 < tc = ts T.   Assim,

 

Assim, as gotas  G = (x,y)  com ponto futuro O, em algum instante  t (0,T],  se situam, em  t=0, sobre o segmento OO' da semi-reta de origem e declividade vc / vs  (fig. 3).

O comprimento d do segmento OO' é facilmente determinado, observando-se que O' é a gota que atinge o ponto O da superfície  B  em  t = T.   Assim,

 

Como o ponto O foi arbitrário em B, segue-se que o lugar geométrico das gotas com ponto futuro em B se constitui em um prisma oblíquo de base B e cujas arestas laterais de comprimento d são inclinadas de = arctg (vc / vs), em relação ao horizonte (fig.4).

 

2.ª fase

 

Esta fase tem por finalidade determinar o volume deste prisma que é, precisamente, o volume da chuva incidente no pára-brisa, durante o intervalo de tempo considerado.

A figura 5 é uma vista lateral do prisma. Nesta vista, seja M o ponto de B que está mais distante do plano horizontal, e seja M'  a gota de chuva que em   t =estará sobre  em   B.

Sendo vr a velocidade relativa de M em relação a M'  e  vrn  a sua componente na direção normal a B, não é difícil ver que h (altura do prisma) é a distância percorrida por um móvel que se desloca à velocidade  vrn , em   unidades de tempo. Daí,

h =  Tvrn                                                             (3)

Os módulos das componentes normais ao plano de  B das velocidades de  M ( vs )  M'( vc )   são, respectivamente

Como vsn  e vcn  têm mesma direção e sentidos opostos, o módulo de  vrn   será

vrn  = vs sen + vc cos                                            (5)

Resulta de (3) e (5) que

h = T(vs sen + vc cos )                                          (6)

De modo que o volume procurado é:

Vol = Bh = BT(vs sen + vc cos )                                   (7)

 

     4. Análise dos resultados e conclusões

Da última expressão (7), verifica-se facilmente que a variação de Vol é diretamente proporcional a vs isto é, para T, e vx fixos, quanto maior a velocidade do automóvel, maior será o volume de chuva incidente no pára-brisa. Isto confirma as observações que tinha realizado anteriormente. Todavia se sobre uma superfície incide tanto mais chuva quanto maior for a sua velocidade, como explicar a sábia atitude de se correr em dias de chuva para se molhar menos?

A resposta a esta interrogação surgiu quando percebi que a equação (7) foi deduzida para um T fixo. Se, ao invés disto, tivéssemos fixado a distância D, percorrida por B a uma velocidade  vs, teríamos T = D / vs que, em (7), daria:

Agora, ao contrário de (7), o volume de chuva incidente sobre a superfície B é inversamente proporcional à sua velocidade de deslocamento, isto é, para D, e vc fixos, quanto maior a velocidade da superfície, menor será o volume de chuva que lhe é incidente.

Para finalizar, convidamos o leitor a analisar o caso menos particular deste problema, em que a incidência da chuva tem uma direção qualquer  .

 

Ney Carmona Júnior tem 26 anos, freqüenta cursos técnicos no SENAI e dá aulas particulares de Física e Matemática.

 

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