Elon Lages Lima
IMPA, Rio de Janeiro

Os logaritmos foram inventados, no começo do século 17, como um instrumento auxiliar dos cálculos aritméticos, transformando produtos em somas, quocientes em diferenças, etc. Sua utilidade, desde aquela época até bem recentemente, foi incontestável e os serviços que prestaram foram reconhecidos e elogiados por muitos.

Nesse meio tempo, além do seu emprego generalizado para tornar possíveis operações aritméticas complicadas, as funções logarítmicas, juntamente com suas inversas, as exponenciais, revelaram-se possuidoras de notáveis propriedades, que as qualificavam como modelos ideais para certos fenômenos de variação, nos quais a grandeza estudada aumenta (ou diminui) com taxa de variação proporcional à quantidade daquela grandeza existente no momento dado. Exemplos deste tipo de variação, chamada variação exponencial, são um capital empregado a juros contínuos (crescimento) ou a desintegração de uma substância radioativa (decrescimento). Inúmeras outras situações desta natureza existem, em quantidade e importância suficientes para justificar o enorme interesse das funções exponenciais e logarítmicas na Matemática, nas Ciências e na Tecnologia.

Por isso é que, mesmo com o advento e uso universal das calculadoras, e a conseqüente perda de interesse nos logaritmos como instrumento de cálculo aritmético, a importância científica dos mesmos não diminuiu nos dias de hoje e podemos afirmar, sem perigo de erro, que enquanto houver Ciência haverá aplicações das funções logarítmicas e exponenciais.

Do ponto de vista do ensino da Matemática, entretanto, a perda de importância dos logaritmos como instrumento de cálculo aritmético tem um reflexo crucial: tornou-se obsoleto o interesse especial que tinham os logaritmos decimais. O manuseio das tábuas de logaritmos, sua conexão com a trigonometria (os infindáveis exercícios do tipo "torne calculável por logaritmos" ... ), os termos exóticos como característica., mantissa, antilogaritmo, etc, tiveram seus dias de glória passados e tudo isso hoje está sendo guardado na estante da nostalgia, nos arquivos da História.

O estudante atual deve considerar sem preconceitos logaritmos em qualquer base, tendo em conta porém o grande destaque dos logaritmos naturais, aqueles que têm por base o número e. Esse número, cuja importância fundamental decorre da sua ubiqüidade, isto é, da peculiaridade de aparecer em vários lugares ao mesmo tempo, deve ser apresentado ao estudante de Matemática ainda cedo, assim que começar a estudar logaritmos, a fim de que possa ser utilizado sem estranheza e sem maiores dificuldades.

Exemplos de problemas, de origem variada, onde surgem logaritmos e exponenciais de forma espontânea, devem ser apresentados aos estudantes, a fim. de habituá-los com o manuseio de questões relativas ao crescimento exponencial e logarítmico. E, finalmente, a própria conceituação de logaritmo deve ser introduzida de forma honesta, sem escamotear as dificuldades.

A definição tradicional diz que o logaritmo de um número positivo x num sistema de base a > 0 é o expoente y ao qual se deve elevar a base a de modo que se tenha ay = x. Esta definição permite obter rapidamente as propriedades fundamentais dos logaritmos, a mais importante das quais é a regra

log(x . x') = log x + logx'.

Com efeito, esta regra é equivalente à afirmação de que

Tudo parece muito simples e claro até que se comecem a formular certas perguntas incômodas. Por exemplo, qual é o logaritmo de 3 na base 10? De acordo com a definição ele deve ser o número y tal que 10 y = 3. E que expoente y é este? Não pode ser um número natural y = n, pois 10n é um número formado por 1 seguido de n zeros, logo não é igual a 3. Tampouco y pode ser um número inteiro negativo, pois 10-n = 0,0...01, com n 1 zeros depois da vírgula. Nem se pode ter   y = p/q,   pois elevando a igualdade 10p/q = 3  à potência   q   resultaria 10p= 3q, um absurdo pois 10 p escreve-se com 1 seguido de p zeros e  3q   evidentemente não tem essa forma.
 

Afinal de contas, que número y é esse tal que 10 y = 3?

Por exclusão, concluímos que esse número (o logaritmo de 3 na base 10) deve ser irracional. Muito bem; mas o que significa uma potência com expoente irracional?, o que quer dizer , por exemplo?

A resposta não é difícil de dar; os detalhes é que são trabalhosos. Um número irracional   y   fica determinado quando se conhecem os números menores do que ele (suas aproximações por falta) ou os números maiores do que ele (suas aproximações por excesso). Assim, por exemplo, o número irracional  tem como aproximações por falta os números racionais

r1 = l,4,        r2 = l,41,        r3 = 1,414,        etc.

Então, por definição, é o número real cujas aproximações por falta são as potências

De um modo geral, se r1, r2, ..., rn, ... é uma seqüência de números racionais que aproximam o número real x, então ax é o número real cujos valores aproximados são as potências de expoentes racionais . (Como se sabe, se r = p/q, então , por definição.) É possível, mas não é simples, desenvolver a teoria da função exponencial  y = ax  com base nesta definição, provando inclusive sua propriedade fundamental  ax . ax'  = ax+x   para quais­quer expoentes reais x e x'.

Quando se estudam logaritmos nas escolas do segundo grau (e mesmo em grande número de faculdades), adota-se geralmente a atitude de ignorar essas dificuldades, fazendo-se de conta que ax é uma expressão conhecida para todos os valores reais de  x,  gozando das propriedades que foram demonstradas apenas quando x é um número natural. Essa atitude teria a justificativa de ser um pecado inevitável se a única alternativa para ela fosse a definição da função exponencial   y = ax   da forma acima esboçada.

Acontece porém que essa não é a única maneira existente para. definir-se logaritmo.

Existe outra abordagem, que se baseia na noção intuitiva de área de uma figura plana, a qual, além de ter a vantagem de que as propriedades são "vistas" antes de serem provadas, apresenta o número e de maneira simples e direta, conduz aos logaritmos naturais de forma elementar e prepara o aluno psicologicamente para o estudo do cálculo integral. O estudo dos logaritmos apresentados dessa forma é antigo. Newton já o antevira e Euler o explicitou. Os professores e estudantes brasileiros podem vê-lo no livro intitulado Logaritmos, que escrevi em 1970 e que foi publicado em sucessivas edições pela SBM.

Ali, o logaritmo (natural) de um número   x > 1   é definido como a área da região hachurada na figura 1, onde a parte curva do contorno é o gráfico da função  y = l /x, x > 0.  Quando 0<x<1, o logaritmo de x é definido como essa área precedida do sinal menos. As propriedades dos logaritmos fluem facilmente a partir desta definição e o número e é o número cujo logaritmo é igual a 1.

A teoria se desenvolve suavemente, a função exponencial  y = ex surgindo de forma natural, pois ex é a abcissa do ponto tal que a área hachurada na figura 2 é Igual a x.

Como as aplicações da função logaritmo e da sua inversa, a função exponencial, são praticamente todas referentes a logaritmos de base e e funções do tipo y = eax, a teoria apresentada desta forma se adapta imediatamente aos exemplos relevantes em que essas funções são utilizadas.

Uma crítica à abordagem geométrica dos logaritmos é de que ela seja artificial e pouco motivada. A essa crítica se pode responder com duas observações. A primeira é de que, se chamarmos de L(x) a área hachurada na figura 1 (com sinal menos se 0 < x < 1) , a propriedade

L(xy) = L(x) + L(y)

já havia sido notada por matemáticos do começo do século 17 e vem sendo tomada como definição do logaritmo por grande número de matemáticos desde então. Não é uma novidade. Seu uso no ensino do segundo grau já foi adotado em vários países. As vantagens dessa definição foram acentuadas acima, entre elas a de não esconder as dificuldades. A segunda resposta às críticas é a seguinte: não importa como sé definam os logaritmos. O que conta é que a definição dada cumpra duas regras muito simples, que explicitaremos agora. Uma vez que essas regras sejam válidas, toda definição conduz ao mesmo resultado. Vamos ser claros.

Uma função logarítmica (ou um sistema de logaritmos) é uma função L : IR+ IR, cujo domínio é o conjunto IR+ dos números reais positivos, que goza das seguintes propriedades:

1)      L é crescente, isto é, para   0 < x < y   quaisquer, tem-se sempre  L(x) < L(y) ;

2)    L(x . y) = L(x)+L(y) para quaisquer x > 0 e y > 0.

O valor L(x) chama-se logaritmo do número positivo x no sistema L.

A partir destas duas propriedades, provam-se facilmente as regras usuais de cálculo com logaritmos. Por exemplo,

L( l ) = L(l  . 1) = L( l ) + L( l ),    logo  L( l ) = 0.

Daí resulta que para todo x > 0 tem-se

 Conseqüentemente,

para quaisquer x, y   IR+

Além disso, para todo número natural n, tem-se

Finalmente, como L é crescente, de   0 < x < l <y   concluímos que

L(x) < L(1) < L(y),    isto é,    L(x) < 0 < L(y).

Assim, seja qual for o sistema de logaritmos L, números positivos menores do que 1 têm logaritmo negativo enquanto que números maiores do que 1 têm logaritmo positivo.

Chama-se base do sistema de logaritmo L ao número real a tal que L(a) = 1. Evidentemente, nossa definição só admite sistemas de logaritmos com base a > 1 pois os números menores do que 1 têm logaritmo negativo.

Uma função logarítmica L, ou um sistema de logaritmos L, é o mesmo que uma tabela, ou uma tábua de logaritmos, ondeos números são listados em duas colunas:  à esquerda os números positivos e à direita de cada um deles seu respectivo logaritmo.

Dada uma função logarítmica L : IR+ IR, se fixarmos arbitrariamente uma constante c > 0, então a nova função M : IR+ IR, definida por M(x) = c . L(x), ainda será uma função logarítmica, como se verifica imediatamente.

Pode-se indagar quais são as possíveis funções logarítmicas. A resposta é surpreendentemente simples: uma vez dada uma função logarítmica L, qualquer outra função logarítmica M é da forma  M(x) = c . L(x), onde c é uma constante positiva.

A constante c é chamada o fator de mudança de base. Se a é a base do sistema L, isto.é, se L(a) = 1, então, fazendo  x = a   na igualdade M(x) = c . L(x), obtemos M(a) = c. Logo, o fator c de mudança de base é simplesmente o logaritmo M(a), no sistema M, da base  a  do sistema L.

O teorema segundo o qual, a menos, de um fator constante, existe apenas um sistema de logaritmos possível pode ser chamado o Teorema Fundamental de Unicidade da teoria dos logaritmos. Sua demonstração é bastante simples e pode ser apresentada em poucas linhas.

0 enunciado e a demonstração seguem-se:

Teorema

Dadas duas funções logarítmicas L, M : IR+ IR, existe uma constante  c > 0   tal que  M(x)=c . L(x)  para todo  x IR+.

Demonstração: Inicialmente, suponhamos que se tenha M(2) = L(2). Neste caso, afirmamos que vale M(x) = L(x) para todo x IR+ . Com efeito, se não fosse assim, existiria um  a > 0  tal que M(a) L(a). Sem perda de generalidade, podemos admitir a >1 e, conseqüentemente, L(a) > 0, M(a) > 0. Pois, se fosse a < 1, então l/a > l e ainda teríamos M( l/a) Ll/a) porque   M( l/a) = M(a)  e   L( l/a) L(a).

Temos duas possibilidades: ou L(a) < M(a) ou M(a) < L(a). Basta considerar a primeira delas porque a outra se trata analogamente. Suponhamos então que L(a) < M(a) e tomemos um número natural  n  tão grande que    seja menor do que a diferença M(a) L(a). Por simplicidade, escrevamos  . Os números b, 2b, . . . , mb, . . . decompõem a semi-reta   IR+      em intervalos de igual comprimento b.

Como o intervalo   [L(a), M(a)]   tem comprimento   M(a) L(a)   maior do que b , deve haver um múltiplo   mb  tal que   L(a) < mb < M(a).   Mas

a última igualdade resultando de estarmos supondo   L(2) = M(2). Logo, podemos escrever

Como   e   M são funções crescentes, daí resulta que

Portanto, devemos ter   L(x) = M(x)  para todo   x IR+   .

O caso geral reduz-se a este. Com efeito, dadas as funções logarítmicas arbitrárias L e M, seja c = M(2)/L(2). Então a função N(x) = M(x)/c é logarítmica e tal que N(2) = L(2). Pelo que acabamos de provar, concluímos que N(x) = L(x) para todo x IR+ , isto é, M(x) = c L(x) para qualquer x > 0.   Isto completa a demonstração do teorema.

0 teorema acima diz o seguinte: não interessa como se definiu um sistema de logaritmos; todas as definições conduzem ao mesmo resultado, a menos de uma mudança de escala. Tudo o que se exige de um sistema de logaritmos L : IR+ IR é que seja uma função crescente que transforma um produto numa soma, isto é, L(xy) = L(x) + L(y).

A busca de uma definição conveniente para a função L é, até um certo ponto, uma questão de gosto, ou, melhor dizendo, de bom gosto. De minha parte, estou convencido que definir L(a) como área da faixa da hipérbole  y = 1/x  compreendida entre as verticais  x = 1  e  x = a, como na figura 1, é uma definição vantajosa sob vários aspectos. Em face do Teorema Fundamental acima demonstrado, ela não é mais nem menos artificial do que outra qualquer. Tudo o que conta é a monotonicidade, associada à propriedade de transformar produtos em somas.

Referências:

Além do livro Logaritmos, que faz parte da coleção "Fundamentos da Matemática Elementar", o leitor poderá encontrar na RPM os seguintes tópicos sobre logaritmos: n 2, p.  10 , n 3, p. 20, n 4, p.  16 e n 6, p. 1.