|
|
||||
Vamos detalhar uma das metodologias que acreditamos deva estar presente no ensino de Matemática, e especialmente no curso de Habilitação Específica para o Magistério, não só pela sua eficácia comprovada no ensino, mas, também, por possibilitar aos alunos a alegria de vencer obstáculos criados por sua própria curiosidade, vivenciando o que significa fazer Matemática. A metodologia Resolução de Problemas representa, em essência, uma mudança de postura em relação ao que seja ensinar Matemática. Se observarmos atentamente, o ensino atual se compõe de apenas duas ações, quais sejam: - propor questões; - resolver as questões propostas. Dentro da perspectiva de Resolução de Problemas, o que se exige é que, além dessas duas ações, se coloquem mais duas [l]: - questionar as respostas obtidas; - questionar a própria questão original. Isto é, um problema não significa apenas compreensão do que é exigido, o aplicar as técnicas ou fórmulas adequadas e obter a resposta correta, mas além disso, uma atitude de "investigação científica" em relação àquilo que está pronto [4]. A resposta correta tem seu valor diminuído e a ênfase deve ser dada no processo de resolução, permitindo o aparecimento de soluções diferentes, comparando-as entre si e pedindo que alguns dos resolvedores verbalizem como chegaram à solução. Outro ponto importante deste questionamento é o de provocar uma análise mais qualitativa do problema, discutindo: a solução do problema, os dados do problema e, finalmente, o problema dado.
Deve ficar claro que trabalhar com Resolução de Problemas requer paciência, pois o processo é vagaroso e repleto de idas e vindas, cabendo ao professor orientar os alunos sem atropelar o processo de criação. Cada nova colocação sobre um problema necessita de tempo para que os alunos compreendam e se decidam por condutas de ação nem sempre as mais eficientes e às vezes incorretas. Assim sendo, um único problema pode ocupar várias aulas, seguidas ou não, sendo necessário sacrificar a quantidade de problemas em favor da qualidade do ensino. A partir da. descrição detalhada de alguns exemplos, vamos tentar entender um pouco melhor o que significa trabalhar dentro da perspectiva de Resolução de Problemas.
Consideremos uni problema bastante simples mas que possibilita todas as
colocações anteriores [2]: Dispor os números de 1 a 6 numa pilha triangular (figura ao lado) de modo que a soma dos números em cada lado do triângulo seja 9.
Em geral, as pessoas buscam imediatamente a solução, e o fazem por tentativas. No entanto, como o enunciado é propositadamente impreciso, algumas pessoas não usam todos os números de 1 a 6, repetindo alguns deles, enquanto outras demoram a compreender o que se pede, pois há duas colocações estranhas: pilha triangular e triângulo. Nesse momento surge a necessidade de esclarecer o enunciado de modo que todos trabalhem no mesmo problema c fica assim salientado o primeiro passo da resolução de um problema, que é a compreensão do que é dado e do que é pedido.
A seguir passa-se à análise da solução, questionando:
Muitos alunos dizem que a solução não é única e apresentam outras soluções
que são obtidas umas das outras por rotação dos lados do triângulo, ou por simetria em relação a um lado. 0 importante é que, no final da discussão, todos observem que a característica da resposta é que os números 1, 2 e 3 ocupam os vértices do triângulo e, uma vez que esses três números estejam colocados, os outros três se encaixam de modo único. No início, cabe ao professor servir de modelo, fazendo o questionamento do enunciado original com alguma objetividade. Com o passar do tempo, os alunos assumem essa prática e os novos problemas ganham um caráter personalizado, o que garante maior envolvimento dos alunos no processo. Terminado o questionamento da resposta obtida, passa-se a discutir o próprio problema proposto. Assim, podemos perguntar: - por que foi escolhida a soma 9 e não outra qualquer? Vamos resolver o problema alterando soma 9 para soma 10 e mantendo todo o resto? A primeira reação é: não é possível. Mas com algum incentivo e após algumas tentativas surge a solução na forma ao lado ou com rotações e simetrias entre os lados. Novamente, questionando as características da solução, fica claro que os números 1, 3 e 5 devem estar nos vértices do triângulo. Já que foi possível resolver o problema com soma 9 e com soma 10, será possível a solução com outros valores da soma? Devido à análise das soluções anteriores, os alunos rapidamente obtêm as soluções:
para soma 11 e soma 12, respectivamente. Cabe agora perguntar: o problema tem solução para somas maiores que 12 ou menores que 9? E interessante observar que a resposta é NÃO e as justificativas, quando solicitadas, são imprecisas e pouco satisfatórias. No entanto, se admitirmos possível a solução no caso da soma 13, e o professor perguntar: neste caso, onde seria colocado o número 1? — os alunos podem vivenciar uma dedução precisa da impossibilidade de soluções para soma 13 e para somas maiores que 13, isto é, lançando mão de uma demonstração por absurdo, perfeitamente ao alcance da compreensão do jovem aluno. Deste modo, apresenta-se uma técnica usual de demonstração em Matemática que costuma aparecer apenas em contextos bem mais complexos que o deste problema. Qual seria o argumento para justificar a impossibilidade de solução para soma 8 ou somas menores que 8? Finalmente, cabe o questionamento sobre a escolha dos números de 1 a 6. De fato, fixados estes números, as únicas somas possíveis para que haja solução do problema são: 9, 10, 11 e 12. No entanto, se quisermos montar a pilha triangular com números que forneçam soma 20 (ou outro número qualquer), como devem ser escolhidos seis números diferentes para compor os lados do triângulo? Podem surgir as soluções, desta vez diferentes de fato:
no entanto, na segunda resposta, os seis números são consecutivos como no problema original.
Isso aconteceu por sorte ou é sempre possível, dado um número S (S > 9) qualquer, encontrar seis números consecutivos que, colocados na pilha triangular, tornam a soma dos números de cada lado igual a S ? Esta é uma questão bem mais complexa que pode, ou não, ser colocada, dependendo do interesse e da maturidade da classe. O que deve ficar claro é essa criação de novas questões a partir de uma situação simples, levando a perguntas que talvez não possam ou não interessem ser respondidas numa abordagem inicial, podendo ser retomadas mais tarde. Outros exemplos podem ser encontrados na RPM 15, p. 45 e em números da Revista do Ensino de Ciências da FUNBEC. Nem todos os problemas permitem uma investigação tão ampla quanto este, mas o importante é salientar a forma de questionamento que pode ser mais ou menos aprofundada; dependendo de cada problema. Vamos tentar dar outro exemplo mais ligado aos problemas tradicionais dos livros didáticos. Escolhemos dois problemas que objetivam cobrar a compreensão de porcentagem e a linguagem apropriada quando tratamos deste conteúdo. São eles: - Determinado produto custava 1500 cruzeiros e sofreu um aumento de 25% . Quai é o preço deste produto após o acréscimo? - Depois do acréscimo de 25%, determinado produto passa, a custar 1875 cruzeiros. Qual era o preço origina/ do produto, antes do acréscimo? Vamos tentar combinar e contextualizar essas questões do seguinte modo: - Um comerciante deseja realizar uma grande liquidação anunciando 50% de desconto em todos os produtos de sua loja. Para evitar prejuízo, o comerciante remarca seus produtos. De que porcentagem um produto de 1500 cruzeiros deve ser aumentado para que depois do desconto anunciado o comerciante receba os mesmos 1500 cruzeiros? A situação agora é real, permitindo uma reflexão sobre questões de mercado dos dias atuais, podendo ser resolvida de diversas formas. 1.ª Perguntando-se qual o preço do produto depois de remarcado? Ele deve ser tal que, retirando-se 50% , obtêm-se 1500 cruzeiros, portanto, 1500 correspondem a 50% do novo preço x.
Daí, o aumento 3000 1500 = 1500 corresponde a qual porcentagem p de aumento sobre os 1500 cruzeiros originais?
Isto quer dizer que o produto deve sofrer uma remarcação de 100% , isto é, dobrar o seu valor para que se possa dar um desconto de 50% e se recuperar o preço original. 2.ª - Diretamente, observando-se que desconto de 50% significa reduzir o preço à metade, e essa metade é representada por 1500 cruzeiros, logo, o novo preço é o dobro de 1500 cruzeiros, o que significa aumentar 1500 cruzeiros em 100% de seu valor. 3.ª - Algebricamente, chamando de p a porcentagem de aumento procurada, devemos ter
é o novo preço. Sabendo que 50% do novo preço é 1500, temos
A seguir podemos iniciar o processo de questionamento, perguntando: - A resposta mudaria se o preço original da mercadoria fosse outro? - O que muda se a liquidação anunciada fosse de 30%? ou de 70%? Abordando essas questões é possível, de acordo com o interesse dos alunos, se chegar a formulação mais genérica desse problema [3]: - Se o desconto anunciado na liquidação é de q%, de que porcentagem p devem ser remarcados os preços para que, depois do desconto, o comerciante receba o vaior originai da mercadoria?
Como se pode obsevar, os números que aparecem em problemas reais nem sempre são precisos e porcentagens maiores que 100% aparecem naturalmente. Outras questões que podem ser colocadas são: - o que acontece quando o desconto anunciado na liquidação se aproxima de 100% ? - por que o comércio adota descontos na faixa de 10 a 60% nas liquidações? - suponhamos que a liquidação se realizasse daqui a 4 meses e houvesse uma inflação de 10% ao mês. De que porcentagem deve ser acrescido o valor dos produtos para que o comerciante, após a liquidação, receba os valores originais corrigidos pela infação? Este problema, além de resgatar todo o conhecimento dos alunos sobre porcentagens, relaciona esse conhecimento com funções racionais e pode dar origem ao trabalho com juros compostos. Outras perguntas podem surgir de colocações feitas pelos alunos e algumas das perguntas colocadas aqui podem não interessar a determinado grupo de alunos. Cabe ao professor usar o bom senso para orientar o desenvolvimento das atividades, suprindo os conteúdos necessários a cada etapa da resolução, mesmo que seja preciso antecipar determinado conteúdo em relação à sua ordem tradicional de apresentação. A sistematização dos conteúdos abordados deve ser feita ao final do processo que, como já dissemos, é lento, mas muito importante para a formação do futuro professor. Finalmente, o que queremos alcançar é a formação de um indivíduo autônomo diante de problemas, capaz de "se virar" diante de obstáculos e que tenha desenvolvido suas habilidades de argumentação, observação, dedução e, principalmente, seu espírito crítico. Referências Bibliográficas: [l] Blackington, F.H. The instrumental value of research on logical thinking. Theory into Practice, v. XIII, n.°5, dez., 1973. [2] Krulik, S., Rudnick,-K. Problem solving in school mathematics. National Council of Teachers of Mathematics. Yearbook, 1980. [3] Hornsby, E.J., Cole, J.A. Rational functions: ignored too long in the High School curriculum. Mathematics Teacher, v. 79, n.° 9, 691-698, 1986. [4] Pérez, D.G. e outros. La resolución de problemas de lápix y papel como actividad de irivestigación. Investigación en La Escuela, n.° 6, 1988. [5] Dante, L. R. Didática da Resolução de Problemas de Matemática. Editora Ática, 1989.
|