Claudemir Murari
Ruy Madsen Barbosa

     1. Introdução

Dois triângulos congruentes têm 3 lados e 3 ângulos respectivamente congruentes. Sabe-se que bastam 3 elementos de um dos triângulos serem congruentes a 3 elementos do outro para podermos concluir que os triângulos são congruentes ("elemento", aqui, significa lado ou ângulo) - são os casos de congruência LLL, LAL, ALA e LAAo.

O fato curioso é que existem pares de triângulos que têm cinco elementos respectivamente congruentes sem que os triângulos sejam congruentes.

Neste trabalho vamos caracterizar estes pares de triângulos e mostrar como construí-los. O leitor poderá escolher pares de sua preferência: acutângulos, obtusângulos e até retângulos. Se quiser que os lados sejam dados por números inteiros, isto também será possível. E, permeando a discussão, aparecerá o famoso número    (o da razão áurea).

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*  Esta é uma versão resumida de um trabalho bem mais extenso submetido à RPM pelos autores.

 

     2.  O problema e a sua solução

Determine dois triângulos não congruentes tais que cinco elementos de um deles sejam congruentes a cinco elementos do outro.

Solução

Observemos, inicialmente, que os triângulos não podem ter 3 lados respectivamente -congruentes pois, se este fosse o caso, os triângulos seriam congruentes.

Concluímos que os elementos congruentes são dois lados e os três ângulos. Segue-se daí que os triângulos são semelhantes e, portanto, os seus lados são proporcionais.

Suponhamos que os lados de um dos triângulos sejam a,b e c e do outro triângulo, a,b e d.

(Para simplificar a linguagem, letras como a designarão o lado de um triângulo, bem como a medida deste lado)

Quais são os pares de lados correspondentes nos dois triângulos?

  Lados iguais não podem ser correspondentes pois senão teríamos

e os triângulos seriam congruentes.

  Também não podemos ter

porque isso implicaria a2 = b2, ou seja, a = b e, novamente, os triângulos seriam congruentes.

  Assim, o lado correspondente a  c  terá que ser   a  ou   b  e, sem perda de generalidade, podemos supor que seja   b. Temos, então, necessariamente,

Em resumo, se dois triângulos não congruentes tiverem 5 elementos respectivamente congruentes, os lados de um dos triângulos formarão a PG   (a, ka, k2a) e os lados do outro, a PG   (a/k, a, ka).

Porém, mais uma condição deverá ser satisfeita pelos números a, b e c para que eles possam ser lados de um triângulo: o maior deles deverá ser menor do que a soma dos outros dois, isto é,

se    k > 1,     k2a < a + ka  ou
se     0 <
k < 1,     a < ka + k2a.

A primeira condição equivale a   k > 1   e  k2 k 1 < 0.

.  

Juntando os dois resultados, para que  a,  ka, e  k2a  sejam lados de um triângulo é necessário que


de geometria e num problema de reprodução de coelhos. Apareceu na RPM 14, no jogo de Euclides, que só envolve números naturais. E eis que ele aparece de novo! É fácil ver que

e, portanto, o problema dos dois triângulos não congruentes com 5 elementos respectivamente congruentes tem solução se os lados dos triângulos formarem uma progressão geométrica de razão k ,

 

     3. Acutângulo, retângulo ou obtusângulo?

Já que os lados dos triângulos devem formar uma progressão geométrica de razão k , k 1   isto é, que 1 < k < t .

Sejam (a, ak, ak2) os lados de um dos triângulos. Sendo ak2 o maior lado, sabemos que o triângulo será:

(1)    retângulo             (ak2)2 = (ak)2 + a2           k4 k2 1 = 0

(2)    acutângulo           (ak2)2 < (ak)2 + a2           k4 k2 1< 0

(3)    obtusângulo          (ak2)2 > (ak)2 + a2         k4 k2 1 > 0

 

Era resumo, a escolha de k nos intervalos abaixo determinará a natureza dos triângulos:


 

     4.  Os lados dos triângulos podem ser números inteiros?

Para responder a esta pergunta devemos procurar uma progressão geométrica de 4 números inteiros positivos, com razão k entre ler. Como já vimos, os três primeiros números desta progressão serão os lados de um dos triângulos e os três últimos, os lados do outro triângulo.

    A razão da progressão, por ser o quociente de dois números inteiros,
será um número racional m/n , m e n primos entre si.

    Os números procurados são


soluções sem fator comum, as chamadas "soluções primitivas", se a = n3 . Qualquer múltiplo inteiro de n3 ( n3) dará outras soluções.

Procuramos, então, uma progressão geométrica da forma

(n3, n2 m, nm2, m3),

m e n primos entre si. Mas há mais uma condição:

   A razão desta progressão, m/n , deve obedecer à condição

De 1 < m/n vem m > n , isto é, m n + i, i .N* e, como mdc (m, n) = 1, temos  mdc(n+i,n) = 1,    ou seja,    mdc (i, n) = 1.

De    m/n <     vem

 

Assim, soluções inteiras, primitivas, do nosso problema são da forma

 (n3,n2(n+i),n(n+i)2,(n+i)3 )

com  n, i N*   , mdc (i, n) 1    e    n > i.

A tabela abaixo dá alguns exemplos numéricos:

i

n

n3

(n + i)/n

lados de um

lados do outro

1

2

8

3/2

(8,12,18)

(12,18,27)

1

3

27

4/3

(27,36,48)

(36,48,64)

2

5

125

7/5

(125,175,245)

(175,245,343)

                       

     5.  Construção de triângulos nas condições do problema

Dados a e k, a figura ao lado, que dispensa palavras, mostra como construir a k e o mesmo processo permite construir a k2 a paríir de a k e k e, em seguida ak3.

Mas podemos fazer   uma  verdadeira "linha de montagem" de triângulos nas condições do problema.   Observe a figura abaixo:  começando com o triângulo de lados  a, ak   e   ak2,   cada par de triângulos com um lado comum satisfaz as condições do problema.


 

Bibliografia

[1]  Brigs, J.T.F. Almost congruent triangles with integral sides.   Mathematics Teacher 70-3 (253-257), 1977.

[2] Enge, R.JVoíi congruent similar triangles. Mathematics Teacher 77-9, 1984.

[3]  Holt, M.H.Mystery PuzzJer and Phi. The Fibonacci Quartely III April (135-138), 1965.

[4] Moise and Downs. Geometry. New York , Addison Wesley. Trad. brasileira sob o título Geometria. Moderna. Edgard Blúcher, São Paulo, 1975.

[5] Pagni and Gannon. The golden mean and an intriguing congruence problem. Mathematics Teacher 74-9 (725-728), 1981.

 

 

Claudemir Murari, mestre em Matemática pela USP - São Carlos, é atualmente professor do Departamento de Matemática do IGCE-UNESP, Rio Claro.

Ruy Madsen Barbosa, professor titular aposentado da UNESP, dedicou muito de sua vida a problemas de magistério concernentes ao ensino da Matemática

.

 

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