Eduardo Wagner
Rio de Janeiro, RJ
(Este artigo baseia-se numa publicação da revista
Scientifc American, de outubro, 1974, pp. 120-125.)

Escrevo no início do mês de novembro de 89. É tempo de eleições e não se fala noutra coisa. Como é bom ver as pessoas discutindo e defendendo seus argumentos independentemente do nível de cultura e classe social. Mas, além disso, são feitas "pesquisas". Pesquisas na praia (moro no Rio de Janeiro), nas filas do cinema, nos bares, nos restaurantes, nos clubes de futebol, nos colégios .... Sim, nos colégios são feitas pesquisas quase diárias e, no colégio onde trabalho, aconteceu um fato curioso que me motivou a escrever este artigo. Antes porém de contar a história, devo dizer que essas pesquisas locais servem apenas para satisfazer a nossa curiosidade a respeito das pessoas que nos cercam. Como nenhum desses grupos representa a população brasileira, ou seja, nenhum desses grupos é uma miniatura do povo brasileiro (com suas imensas diferenças e contrastes), então o resultado de uma pesquisa local não serve absolutamente como antecipação ou previsão do resultado que teremos em 15 de novembro.

A história começa quando outro dia ouvia um colega, professor de História, conversando com os alunos de uma turma da 3 série do 2 grau. Todos eleitores, naturalmente. Perguntava esse meu colega em quem eles votariam no segundo turno nas diversas hipóteses que ele iria apresentar.

Depois de muita confusão e nenhuma conclusão, ele resolveu considerar apenas os três candidatos mais cotados, que chamarei aqui de A, B e C. Esse meu colega perguntou então para a turma em quem eles votariam se A e B fossem para o segundo turno. E a maioria da turma votaria em A. Em seguida ele perguntou em quem votariam se B e C fossem para o segundo turno. E agora a maioria da turma votaria em B. Dando-se por satisfeito, o professor resolveu encerrar a pesquisa e começar a aula, mas foi interpelado por um aluno que lhe perguntou se ele não iria propor a hipótese de A e C irem para o segundo turno. Esse colega respondeu que não havia necessidade dessa pergunta porque naturalmente A ganharia "de barbada".

A aula começou e eu me retirei para pensar neste caso que agora relato. Na realidade, por incrível que pareça, o professor estava errado. Ele não poderia concluir que a maioria da turma deveria preferir A a C. Para mostrar que o raciocínio do colega é falso, imaginemos que num grupo de pessoas a disputa entre A, B e C seja equilibrada da seguinte forma:

1/3 das pessoas desse grupo tem preferência por A, B e C nesta ordem,

1/3 das pessoas tem preferência por B, C e A nesta ordem e o restante por C, A e B nesta ordem.

Veja então o quadro abaixo

 

1

2

3

1/3

A

B

C

1/3

B

C

A

1/3

C

A

B

Se este grupo for submetido às perguntas feitas pelo meu caro colega, veremos que, na decisão entre A e B, 2/3 preferirão A; tendo que optar entre B e C, 2/3 preferirão B; mas, supreendentemente, se a decisão for entre A e C, 2/3 preferirão C! O aluno está portanto certo e a terceira pergunta deveria ter sido feita.

Temos aqui um exemplo de uma relação que intuitivamente esperamos ser transitiva, mas que, na realidade, não é. Divagando um pouco, esta não-transitividade da relação "preferir" pode ter espantado algum dia um cozinheiro de restaurante que só sabia fazer três pratos: um peixe,uma galinha e uma carne, mas, como nunca tinha tempo de fazer os três, sempre oferecia dois deles. E perfeitamente possível que quando havia peixe e galinha a maioria dos fregueses preferisse peixe. No dia em que havia galinha e carne, a maioria preferisse galinha e que no dia em que havia peixe e carne a maioria preferisse carne! Isso pode ocorrer mesmo que os fregueses sejam sempre os mesmos. E natural.

Para dar um outro exemplo (as mulheres agora me perdoem), diria que o espanto do cozinheiro pode ser comparado ao da moça que recebeu pedido de casamento de três pessoas A, B e C. Esta moça, que desejava fazer o melhor casamento possível (na opinião dela, naturalmente), dava importância igualmente a três coisas que os candidatos deveriam ter: cultura, beleza e situação financeira.

Para melhor avaliar os pretendentes, ela resolveu dar notas a esses quesitos para cada um deles. Nota 3 significando "bom"; nota 2 significando "médio" e nota 1 para "ruim". E os resultados estão no quadro abaixo:

Candidatos          

 

cultura

beleza

finanças

A

3

2

1

B

2

1

3

C

1

3

2

Veja então que apesar de haver um empate técnico (usando a terminologia atual), se os candidatos fossem comparados aos pares, ela iria preferir A a B porque A vence em dois dos três quesitos; iria prefeir B a C pela mesma razão e ainda iria preferir C a A. Incrível não?

 

Eduardo Wagner, engenheiro civil e Mestre em Matemática pela UFRJ, é atualmente professor do Colégio São Bento e do Colégio Princesa Isabel, na área do 2 grau, no Rio de Janeiro. É colaborador da RPM, tendo-se tornado conhecido da equipe através das soluções de problemas que enviava.



 

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