O octógono regular

Manoel Henrique Campos Botelho

Isto aconteceu na década de 60, no terceiro ou quarto ano de uma famosa escola de engenharia, na cadeira de Topografia, na sempre esquecida e não valorizada cadeira de Topografia. Nosso professor assistente entrou na classe e falou:

Como primeira aula prática deste ano letivo, os alunos deverão desenhar um octógono regular de lado 5,32 m na escala 1:100.

O pedido foi um espanto geral. Naquela etapa do curso de engenharia, propor como exercício um assunto, quando muito, digno do curso colegial!! Senão, vejamos: o octógono é um polígono de oito lados. Sendo regular, seus oito lados são iguais. A partir de uma circunferência de dois diâmetros ortogonais, e da divisão pela metade dos quatro ângulos formados pelos diâmetros, sai tudo. Qual teria sido a razão de o mestre nos mandar construir tão insignificante figura? Um zumzum correu a classe. O mestre não teria preparado a aula e, então, despreparado, vinha encher o tempo com o primeiro problema que lhe veio a cabeça. Mas, impassível a tudo, continuava o mestre na sua arenga:

  A construção desse polígono regular deverá obedecer a algumas regras. Favor seguir estritamente essas regras:

  desenhar o primeiro lado marcar, então, o ângulo de 135" desenhar o segundo lado — marcar o segundo ângulo de 135° seguir, sucessivamente assim, até o oitavo lado trabalhar com a maior precisãopossível ser honesto à qualquer surpresa.

As instruções eram claras e objetivas, mas a última regra surpreendeu a todos e, aí sim, criou algum interesse. Todos os grupos começaram a trabalhar na busca do tesouro, digo, na busca da "surpresa". Ouviu-se (ou fez-se) um silêncio total e absoluto. Todos trabalhvam nos seus desenhos.

No silêncio total e absoluto, após uns quinze minutos, ouviu-se um grito:

Não consigo fechar o meu octógono regular!!!!!!

Dai a um minuto mais uma exclamação de um outro aluno:

Ou o meu transferidor está descalibrado, ou a minha escala tem defeito, ou o papel dilatou, mas não dá para fechar o meu octógono regular. Se fechar, ele vira um polígono
de nove lados nada regular!!

A partir daí a classe inteira se comunicava e trocava desenhos, cada um mostrando a absoluta impossibilidade de construir, com todos os recursos possíveis, escala, transferidor, tabela de senos, cossenos, esquadro e compasso, um octógono regular. Essa era a "surpresa" que o mestre tinha previsto. Foi então que, senhor da situação, o mestre voltou a falar:

Dei este exercício para que vocês sentissem na pele o que seja o erro experimental.
Se vocês, na sala de aula, trabalhando com todos os recursos e, a partir de dados exalos da
Geometria não conseguiram fechar um polígono de poucos lados, imaginem o trabalho de um topógrafo que tem de fechar polígonos de muito maior número de lados e a partir de medições de dados obtidos do campo, chovendo, com trânsito em áreas urbanas, auxiliares mal pagos e desinteressados, ete, etc.

No caso de vocês, o que aconteceu foi o seguinte: o método de construção progressiva lado-ângulo, lado-ângulo vai acumulando o erro de graficismo e, ao se desenhar o último In­do, o oitavo vértice não cai no vértice inicial, como seria de se esperar. Claro que usando outros métodos construtivos o erro se distribui ria e o exemplo não seria tão surpreendente como foi este. Vejam e anotem que o erro (ai parte inevitável da experimentação.

A maioria gostou da aula. Houve, entretanto, alguns que simplesmente detestaram. Cada um pense o que quiser...