Raízes racionais de uma equação algébrica de coeficientes inteiros

Lenimar Nunes de Andrade
UFPB, Paraíba

A resolução de equações algébricas (ou polinomiais) é uma tarefa relevante da Matemática Elementar.

É um fato bastante conhecido que não existem fórmulas de resolução para equações de grau maior do que 4. No entanto, se pudermos determinar alguma raiz de uma equação desse tipo, a tarefa de resolvê-la pode ser simplificada.

Estou apresentando um teorema, juntamente com alguns exemplos de equações algébricas. As partes (a) e (b) do teorema são bem conhecidas. A novidade é a parte (c), que fornece uma condição adicional para que uma fração p/q possa ser raiz de determinada equação.
 

Observei que poucos professores de Matemática conhecem a parte (c) do teorema abaixo (eu mesmo só a conheci em 1983). Também tive oportunidade de constatar que o resultado é muito bem recebido pelos alunos; fica muito mais fácil dizer que - 3/7 não é raiz da equação7x2 + 2x2 - 4x + 6 = 0 porque "(-3 - 7) não é divisor da soma dos coeficientes dessa equação", do que substituir   — 3/7  na equação e efetuar os cálculos.


O Teorema

Seja p/q uma raiz de f(x) = anxn + ... + a1x + a0 onde p, q, an ,...,a1, a0 Z,  e  m.d.c.(p, q) = 1.   Então:

(a) p|a0 (isto é, "p  divide  a0"   ou   "p é divisor de  a0")

(b)q|an

(c) (p - mq) | f(m), m Z. Em particular, (p - q) |f(l) e (p + q) l/(l).

Os itens (a) e (b) fornecem todas as possíveis raízes racionais. O item (c) nos permite eliminar muitas dessas possíveis raízes, sem fazermos quase nenhum cálculo. Observe que f(l) e f( 1) sempre são fáceis de serem calculados.
 

Demonstração:

Os itens (a) e (b) podem ser encontrados em muitos livros de Matemática da 3 série do 2 grau. Será demonstrado aqui apenas o item  (c).

Seja m Z  qualquer. Existem inteiros  i tais que f(x) = n(x - m)n + n-1(x - m)n-1 + ... + 1(x - m) + 0 . (Cada a, é o resto da divisão de f(x) por um polinômio p1(x) de coeficientes inteiros.)

Usando o fato de que p/q é raiz de f(x), temos f(p/q) = n(p/q - tn)n +  ... + ,{p/q - m) + 0 = 0 que é o mesmo que n(p - mq)n + qn-1(p - mq)"-1...  + qn'x ax(p - mq) =   - aoq

O primeiro membro desta última equação é um inteiro múltiplo de (p - mq). Logo,   (- aoq")  também é múltiplo de  (p - mq).

Seja d Z tal que d|q e d|(p - mq). Daí temos que d|(mq) o que implica d|(mq + (p - mq)), ou seja, d|p. Assim, d é um divisor de p e -q, logo, d = 1 ou d = -1. Portanto, m.d.c.(p - mq,q) = 1. Aplicando agora "n" vezes o resultado "Se a\(bc) e m.d.c.(a,b)= 1, então a\c", temos que (p - mq) \ (aoq")    implica (p - mq) | a0, ou seja, (p - mq)  é  um divisor de f(m),  m Z.

A seguir, alguns exemplos de aplicação deste Teorema.

Exemplo 1:   2/9  e   - 1/27  são duas "candidatas a raiz racional" da equação f(x) = 27x5 - x2 - 6x - 4 = 0.   Sem nos darmos ao trabalho de substituí-las diretamente na equação, podemos garantir que elas não são raízes, apenas observando que /(l) = 16 e que (2 — 9) e ((—1) —27) não são diviso­res de   16.

Exemplo 2: As possíveis raízes racionais da equação f(x) = 6x3 + x2 + + x - 5 = 0 são ±1, ±5, ±1/2, ±5/2, ±1/3, ±5/3, ±1/6, ±5/6. Como f(l) = 3, temos que ±5, -5/2, ±1/3, ±1/6, e -5/6 não podem ser raízes porque a diferença entre o numerador e o denominador desses números não é divisor de 3. Como f( 1) = 11, temos que 1/2 e 5/2 não são raízes, porque 11 não é múltiplo de (1 + 2) e nem de (5 + 2). Restaram apenas duas possíveis raízes: 1/2 e 5/6. Substituindo diretamente na equação, vemos que apenas  5/6  é raiz.

Podemos ver que 1/2 não é raiz também da seguinte forma: f(2) = 49 e  (-1  - 2(2))  não divide  49.

Dividindo f(x) por (x 5/6) podemos determinar as outras raízes da equação:   .

Exemplo 3: A equação f(x) = 25x100 + 7x4 + 2x3 81 = 0 não possui raiz racional porque f(l) é ímpar e se p/81 e q/25, então p e q também são ímpares. Logo,   (p q)  é par e portanto  (p - q)  não divide f( l ).

 

 

Bibliografia

Kurosch, A. G. Editora Mir. Curso de Álgebra Superior, Moscou, 1981. (pp. 364/367)

 

Lenimar Nunes de Andrade é mestre em Matemática pela Universidade Federal de Pernambuco e é, atualmente, professor da Universidade Federal da Paraíba.

 

NR: O colega Lenimar N. Andrade, neste artigo, ressuscita um teorema que se encontrava nos livros do 3? colegial na década de 50 (livros de Ary Quintella, Euclides Roxo e outros, Algacyr Munhoz Maeder, Thales Melo Carvalho, Manoel Jairo Bezerra, para apenas citar alguns). O teorema chamava-se "Regras de exclusão de Newton" e tinha o seguinte enunciado:

"Se o número inteiro m, diminuído de uma unidade, não dividir' P(1), ou, se aumentado de uma unidade, não dividir P(l), então ele não é raiz dd equação P(x) = 0". Demonstração:

Suponhamos que  seja uma raiz de  P(x).
 
Então:   P(x) = (x m) Q(x).

Portanto:   P( l ) = (1 m) Q( l )  e  P(-l) = (1 m)Q(l). Observando que P( l) , m e Q(l) são inteiros, concluímos que m 1 | P(1) e, analogamente,   m +  1 j P(1).

"Antigamente" os livros de 3 colegial ensinavam como transformar uma dada equação algébrica em outra, de modo que as raízes da 2 equação fossem k vezes as raízes da 1 equação. Isto permitia transformar a busca de raízes racionais em uma busca de raízes inteiras. Daí a importância das "Regras de exclusão de Newton".

Ainda no contexto da procura de raízes inteiras, os livros ensinavam o "algoritmo de Peletarius" — alguém, nascido após 1950, aprendeu esse algoritmo no 2 grau? já ouviu falar nele?