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Meu pai não era matemático e acredito que nem mesmo pudesse ser classificado como um amador. Possuía, no entanto, uma inteligência acima da média e conhecimentos sólidos de Matemática Elementar, adquiridos nos tempos em que militou no ensino de 1.° grau. Em função disso, nos meus tempos de escola, ele freqüentemente resolvia junto comigo os problemas da velha Aríthmética Progressiva de António Trajano. Sempre que os problemas envolviam contas mais complicadas ele me recomendava que verificasse o resultado, tirando a prova dos noves. Ainda hoje me lembro do dia em que perguntei ao meu pai como e por que a prova funcionava. Meu pai, com a honestidade que sempre caracterizou seu relacionamento comigo, disse: — Por que funciona eu não sei mas posso te dizer que, às vezes, ela falha, isto é, ela diz que a conta está certa quando, na realidade, não está. Essa informação só serviu para aumentar a minha curiosidade, mas somente anos mais tarde consegui formular e responder às perguntas que tinham ficado sem resposta em relação à prova dos noves e que são as seguintes:
1) Por que funciona? 2) Por que prova dos noves e não dos setes, dos onzes ou dos quinzes? 3) Por que, às vezes, ela falha? São essas as perguntas que tentaremos responder de forma acessível a estudantes do 1.° grau, começando por definir o que seja "noves fora" e descrever a prova.
"Tirar o noves fora" de um número significa tirar do número o maior múltiplo de 9 nele contido ou, o que é equivalente, achar o resto da divisão do número por 9. Uma regra prática para achar o "noves fora" de um número é somar seus algarismos e tirar do resultado o maior múltiplo de 9 nele contido. Por exemplo:
355
3
+ 5 + 5 = 13
1 + 3 = 4 (ou 13
9 = 4)
Não é uma simples coincidência a relação entre a soma dos algarismos de um número e o resto de sua divisão por 9, pois um número n e a soma dos seus algarismos, quando divididos por 9, deixam o mesmo resto. Vamos ilustrar esse fato com o número 355. 355 = 3 x 102 + 5 x 10 + 5 = 3 + 5 + 5 + 3 x (102 1) + 5 x (10 1) = 13 + 3 x 99 + 5 x 9 Como 9 e 99 são múltiplos de 9, segue-se que 355 e a soma de seus algarismos, 13, ao serem divididos por 9, deixam o mesmo resto. O argumento vale para um número n qualquer, uma vez que, para todo i 1, 10i 1 é múltiplo de 9. Portanto, ao somarmos os algarismos de um número n, jogando os "noves fora" estamos de fato determinando o resto da divisão de n por 9.
Como
funciona?
(se o "noves fora" de 4 + 3 e o de 781 forem iguais, a conta receberá o "selo de aprovação" da prova dos noves) 4 + 3 = 7, noves fora 7; 781, noves fora 7. Aprovado.
No caso da multiplicação: .
(se o "noves fora" de 4 x 3 e o de 151 230 forem iguais, a conta receberá o "selo de aprovação" da prova dos noves) 4 x 3 = 12, "noves fora" 3; 151 230, "noves fora" 3. Aprovado.
Vamos justificar a prova no caso da multiplicação e o leitor se convencerá que um argumento análogo vale para a adição. Sejam dados dois números n1 e n2 , que divididos por 9 deixam restos, respectivamente, iguais a r1 e r2 , Nessas condições, podemos escrever:
Segue-se, portanto, que:
A última igualdade nos permite concluir que n1n2 e r1r2 , quando divididos por 9, deixam o mesmo resto. O princípio de funcionamento da prova dos noves fica, dessa maneira, completamente explicado. O que ela faz é substituir a operação n1 x n2 por r1 xx r2 , e verificar se, quando divididos por 9, eles deixam o mesmo resto. Se isso não ocorrer uma das duas (ou ambas) operações está errada. Dada a simplicidade da determinação de r1 e r2 e do produto r1 x r2 (afinal os dois números são menores do que 9), é muito mais provável que o erro esteja na operação original.
Não há nenhuma restrição teórica em utilizarmos, por exemplo, uma prova dos quinzes. A dificuldade é essencialmente de ordem prática pois, o resto da divisão de um número por 15 não é obtido tão simplesmente quanto o resto da divisão por 9. Resumindo, usamos a prova dos noves porque a base do nosso sistema de numeração é 10 e para todo i 1, 10i, dividido por 9 deixa o resto 1. Se a base do nosso sistema fosse, por exemplo, 12, nós provavelmente estaríamos aqui discutindo a prova dos onzes e não dos noves.
Em primeiro lugar vamos observar que se uma conta estiver certa e a prova dos noves for executada corretamente, ela irá sempre confirmar a exatidão da resposta. A possibilidade de falha ocorre quando-a conta está errada e a prova não é capaz de detectar o erro. Da discussão feita acima, segue-se facilmente que isso irá ocorrer se e somente se o resultado obtido e o resultado correto diferem por um múltiplo inteiro de 9. De fato, se a resposta dada para a multiplicação 355 x 426 fosse 151 140 o nosso erro não seria detectado pela prova dos noves. O leitor mais atento observará também que uma inversão na ordem dos algarismos do resultado não será detectada pela prova, uma vez que a ordem das parcelas não altera a soma. De fato, a prova dos noves não saberá distinguir 115 320 do resultado correto, 151230, da operação 355x426. Observe, no entanto, que essa não é uma situação nova, pois 151 230 115 320 = = 35 910, que é um múltiplo inteiro de 9 (veja na RPM 9, p. 30, o artigo "O nove misterioso", do Prof. Doherty Andrade, onde está demonstrado o teorema: se n' for um inteiro obtido pela permutação dos algarismos de um inteiro n, então 9 será um divisor de n - n').
Na era do computador e das minicalculadoras, uma discussão sobre a prova dos noves pode parecer anacrônica e inútil. De fato, as gerações futuras dificilmente irão utilizá-las no seu dia-a-dia. No entanto, acreditamos que continuaremos sempre a ensinar operações aritméticas sem o uso de máquinas e o assunto "prova dos noves" pode servir para motivar o estudo de sistemas de numeração. Vamos concluir com duas perguntas, uma de rotina e outra para estimular a imaginação de seus alunos:
1) Como
tirar a "prova dos noves" numa divisão?
2) Num país que usa a base 10 no seu sistema de numeração, mas no qual o 9 é um número sagrado e a sua utilização para fins profanos é terminantemente proibida, do ponto de vista prático, qual seria a melhor escolha para substituir a prova dos noves fora? |