As médias nunca explicadas
(e outras medidas de posição)

Manoel Henrique Campos Botelho


Nunca fui de entender facilmente as coisas, mas sempre houve coisas que não entendi nunca. Para mim entender é algo bem mais complexo e exigente que saber calcular. Mas o que nunca entendi na Cadeira de Estatística de meu curso de Engenharia foi a questão das médias, "média aritmética", "média geométrica", "mediana" e "moda".

Calculá-las eu sabia, mas como usá-las, quando usá-las, e principalmente por que usar uma e não as outras, eu nunca soube.

Um dia, já formado, perguntei a um dos professores dessa Cadeira se ele conhecia um caso real, simples, prático e "chão chão" de uso de média geométrica. O dito cujo falou que era fácil, bastava se estar diante de casos de qualidades multiplicativas. Continuei decididamente sem entender o que era média geométrica. Eis que um dia tive que fazer uma inspeção em uma cidade do interior. Como tinha tempo livre decidi fazer uma coisa que nunca tinha feito na minha vida. Fazer a barba em um barbeiro. Na cidade havia só dois barbeiros e indaguei qual o melhor. No hotel me informaram. O barbeiro A é asseado, barateiro, bem-educado, rápido, só que é nervoso, costumando, de ano em ano, cortar o pescoço de um dos seus clientes. Não sempre, é claro, só de ano em ano. O barbeiro B, ao contrário, é sujo, careiro, mal-educado e lento, mas como única compensação não tem baixas no seu longo currículum. Tudo indicava que eu devia ir para o barbeiro B, mas, como sou engenheiro, decidi submetê-los à prova das médias. Saquei minha indefectível HP 108 (trinta passos, dez memórias flutuantes e que calculava até arco tangente hiperbólico) e apliquei notas aos vários desempenhos de cada um dos dois barbeiros. Pela média aritimética dava o A, mas algo, algo sutil, dizia-me que era o B o mais indicado. Só a média geométrica o recomendava, já que atribui (discricionariamente, é verdade) nota zero ao evento morte por degolamento. Optei, orientado pela média geométrica, pelo barbeiro B. Aí cheguei à conclusão. A média geométrica é a média que procura estigmatizar eventos indesejáveis e que não sejam obrigatórios de ocorrer. Um colega meu que precisava escolher uma secretária segundo atributos igualmente necessários e imprescindíveis, a saber, apresentação, datilografia e redação, recebeu minha consultoria para usar a média geométrica como a mais indicada para balancear sua escolha. Usou e gostou (da média é claro). Fiquei empolgado com a média geométrica e saía recomendá-la a torto e direito.

Um outro amigo sabedor da minha propaganda dessa média, precisava fazer delicadíssima operação do coração e aplicou essa média na escolha entre dois cirurgiões cardíacos, dando nota dez a seus pacientes operados com mais de 5 anos de sobrevída, nota 7 a pacientes operados com mais de 2 anos de sobrevida e nota zero a pacientes mortos na mesa de operação. Aplicada aos dois cirurgiões a média geométrica, meu amigo decidiu não fazer a operação. O erro foi dele. Sem dúvida que a morte cirúrgica de pacientes era indesejável, mas é um evento que ocorre com alguma freência nesse tipo de cirurgia delicadíssima. Revisto o conceito, meu amigo aplicou a média aritmética, escolheu o cirurgião e está agora só esperando coragem para testar na prática essa média.

Resolvida a questão da compreensão da média geométrica (quando usá-la e não usá-la), fiquei a matutar a questão do uso da medida de posição moda. Voltei a consultar o professor de Estatística e ele respondeu-me que a moda é o evento que mais ocorre, não havendo critérios maiores para seu uso. Não entendi, até que, saindo de uma obra de construção de um prédio durante o dia de pagamento dos peões, vi os arredores da construção do prédio cercados de vendedores ambulantes de tudo, doces, camisas de seda, revistas pornográficas e sapatos. Ocorreu-me uma dúvida. Como o vendedor de sapato podia escolher os tamanhos de sapatos que devia trazer no seu minúsculo estoque dentro da perua Kombi que era a sua loja e depósito ambulante? O vendedor (nortista sabido) respondeu-me filosóficamente. — "Doutor, eu não posso brincarem serviço; como meu estoque ambulante é pequeno, só trago o número 39, que é o mais comum. Quem tiver pé com número maior ou menor não compra comigo. Mas a maioria tem pé 39". Eureka!! O sabido, sem saber, usara com maestria a moda. Afinal, além de descobrir o uso da moda, descobri por que no shopping center nunca tem o meu número 43. E pouco comum e o aluguel do box dos shopping é caro demais para estocar números pouco procurados.