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Geraldo Ávila
Freqüentemente, o professor de Matemática se vê em dificuldades diante do aluno que deseja saber "pra que serve" o que está aprendendo, ou porque está estudando este ou aquele tópico. Nem sempre o professor tem uma resposta satisfatória e às vezes até encerra o assunto com uma justificativa nada convincente: "Você precisa aprender isto agora como embasamento para o que vai estudar mais tarde". Em situações como essa, quem tem razão é o aluno: sua curiosidade por uma justificativa adequada das coisas que lhe são ensinadas é mais do que natural. Ele precisa de respostas certas, que satisfaçam sua curiosidade e estimulem sua mente inquisitiva. Só assim poderá o professor transformar o desinteresse do aluno pela Matemática numa ativa participação no aprendizado. A Astronomia, que é a mais antiga das ciências, oferece excelentes exemplos de aplicações simples e interessantes de fatos geométricos elementares, que muito bem respondem ao "pra que serve" do aluno, estimulando ainda mais sua curiosidade científica e ajudando-o a bem entender o papel da Matemática como instrumento da ciência aplicada. Escrevemos sobre algumas dessas questões no primeiro número da RPM, onde mostramos como noções simples de semelhança e proporcionalidade permitiram aos sábios da Antiguidade encontrarem métodos de calcular os tamanhos da Terra, do Sol e da Lua e as distâncias entre esses astros. (Veja também os problemas 7, 8 e 9 sobre satélites em nosso artigo na RPM 9.) Muitos desses cálculos são acessíveis a alunos de 6.ª e 7.ª séries e servem como excelente motivação ao estudo de triângulos e círculos. No presente artigo apresentaremos outros cálculos simples que nos dão os períodos de revolução dos planetas & suas distâncias ao Sol em termos da distância da Terra ao Sol, cálculos esses que são devidos, originariamente, a Copérnico.
A famosa obra de Nicolau Copérnico (1473-1543) sobre a teoria heliocêntrica do sistema solar foi publicada no ano de sua própria morte. Mas não teve repercussão imediata, embora se revelasse mais tarde como o impulso inicial mais importante para o desenvolvimento científico que persiste até os dias de hoje. Por isso mesmo historiadores da ciência adotam o ano de 1543 como o do início da ciência moderna. Essa idéia de que o Sol está fixo no espaço e os planetas, inclusive a Terra, giram em torno dele, não era nova no tempo de Copérnico. Ela já havia sido proposta por Aristarco no 3.º século a.C. Mas não vingou, porque esbarrava em sérias dificuldades, uma das quais é uma objeção muito interessante, aparentemente levantada pela primeira vez por Hiparco (que viveu por volta de 150 a.C), Se a Terra girasse em torno do Sol — dizia Hiparco — a direção em que vemos uma estrela particular deveria variar durante o ano (fig. 1). E Hiparco, um eminente astrônomo, nunca constatara esse fenômeno em suas observações.
Hoje sabemos que as estrelas efetivamente "se deslocam" ao longo do ano,
mas por ângulos ínfimos que sempre escaparam à capacidade de detecção
dos instrumentos de Hiparco e de todos os astrônomos até muito
recentemente. De fato, esse deslocamento das estrelas, chamado
paralaxe, só foi medido pela primeira vez pelo astrônomo russo Struve em 1837 e pelo
alemão
Isto mostra que essa estrela está distante de nós 272 000 vezes mais que o Sol. Assim, se o Sol estivesse a 1 metro de distância da Terra, a estrela mais próxima estaria a 272 km de distância! E Copérnico pensava que as estrelas estivessem 400 vezes mais longe de nós que o Sol...
Se a idéia heliocêntrica já havia ocorrido a Aristarco — chamado "o Copérnico
da
Veremos, a seguir, como Copérnico calculou os períodos de revolução do planetas e suas distâncias ao Sol, admitindo órbitas circulares centradas no Sc e movimentos uniformes dos planetas em suas órbitas.
Consideremos
o planeta Marte, que é um planeta superior, isto é, cuja
órbita abarca a órbita da Terra. Sejam T e M as posições
da Terra e de
Marte, respectivamente, quando ambos se encontram de um mesmo lado do Sol S e com ele alinhados (fig. 4). Nesse caso, diz-se que
Para calcularmos esse último período, observemos primeiro que a velocidade angular de Marte é menor que a da Terra — um fato que se constata po
observações simples. Então, a partir de uma oposição, a Terra vai ganhando
dianteira sobre Marte e esse planeta voltará a ficar novamente em oposição quando a dianteira da Terra sobre ele for de 360°, isto é, uma volta completa.
Ora
em 780 dias, que é o tempo que decorre entre duas oposições sucessivas, a
Ter
ra terá dado duas voltas em torno do Sol e se deslocado ainda, ao longo d
um arco
Durante os mesmos 780 dias, Marte completou uma volta em torno do Sol
mais o arco
Com esse mesmo raciocínio, Copérnico calculou os períodos siderais dos demais planetas superiores conhecidos em seu tempo, Júpiter e Saturno. Sugerimos que o leitor faça esses cálculos, sabendo que os períodos sinódicos desses planetas são 399 dias e 378 dias respectivamente. Os períodos siderais correspondentes serão, aproximadamente, 11,8 anos e 29,5 anos respectivamente. Um raciocínio parecido permite calcular os períodos siderais dos planetas inferiores, o que faremos no Apêndice adiante.
O conhecimento do período sideral de um planeta superior é essencial para
o cálculo de sua
Fica assim calculada a distância de Marte ao Sol como 1,5 vezes a distância da Terra ao Sol. Com o mesmo raciocínio Copérnico calculou as distâncias de Júpiter e Saturno ao Sol. Notamos, mais uma vez, que os cálculos dessas distâncias dependem do conhecimento dos períodos siderais dos planetas, os quais são conceitos ligados à hipótese heliocêntrica de Copérnico. Essas distâncias, portanto, só podiam ser calculadas por Copérnico ou pelos sábios que vieram depois. Pode ser que Aristarco as tenha calculado na Antiguidade, mas disso nada sabemos porque muitos dos seus escritos não chegaram até nós.
Contrariamente ao que se passa com os planetas superiores, Marte, Júpiter
e Saturno, o cálculo das distâncias de Mercúrio e Vênus ao Sol é muito
simples
e não depende do conhecimento de seus períodos siderais. Estes são os
planetas
inferiores,
assim chamados porque suas órbitas
são abarcadas pela órbita
da Terra (fig. 6). Em
Esses dois planetas se situam em extremos opostos, no que diz respeito à visibilidade: Vênus' é muito fácil de ser visto, seja como "estrela matutina" ou "estrela vespertina"; ele é o astro mais conspícuo, e mais brilhante no céu depois do Sol e da Lua. Mercúrio é diferente: estando muito perto do Sol, não é fácil localizá-lo, já que só será visto quase ao raiar do Sol, ou pouco depois do Sol poente, de preferência quando em elongação máxima, que
é, em média, de 23°. Quando isso acontece (fig. 7) o triângulo STM é retângulo em M, logo, SM = ST . sen 23° * 0,39 ST. Vemos assim que Mercúrio dista do Sol 0,39 vezes a distância da Terra ao Sol. O planeta Vênus, por sua vez, tem elongação que atinge valor máximo de 47°. Portanto, sua distância ao Sol é (fig. 8) SV = ST . sen 47° * 0,73 ST.
Os cálculos aqui apresentados são uma pequena amostra do trabalho de
Copérnico na elaboração de sua teoria heliocêntrica. Usar a teoria para
fazer previsões sobre o movimento dos planetas e comparar essas previsões
com o que
revelavam os dados da observação era o teste necessário para comprovar ou
refutar a teoria. Esse teste foi revelando discrepâncias inaceitáveis e
exigindo
ajustes nas hipóteses. Já mencionamos um desses ajustes, que foi o de
deslocar
o Sol dos centros das órbitas dos planetas. Mas as modificações, ainda nas
mãos
de Copérnico, não pararam aí. As mais espetaculares mudanças viriam com
Kepler, cerca de 70 anos após a morte de Copérnico. Só então emergiria uma
teoria definitiva do sistema solar e que iria encontrar forma acabada na
teoria
da gravitação de Newton. Pretendemos falar sobre isso num futuro artigo.
O procedimento é análogo para Vênus, que tem um período sideral de 225 dias.
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