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Sugestões e perguntas
devem ser enviadas a
Já se falou bastante em proporcionalidade, aqui na RPM, mas ainda há o que dizer sobre este assunto. Tenho recebido cartas e cópias xerox de páginas de textos adotados em nossas escolas, onde se pode constatar que existe realmente alguma confusão e perplexidade em torno da matéria. São dois os pontos principais que precisam ser esclarecidos: o que é uma grandeza proporcional a várias outras e o que significa fazer uma divisão em partes proporcionais. Grandeza proporcional a várias outras O primeiro diz respeito a uma grandeza proporcional a várias outras. Recordemos esta noção. Para que ela faça sentido é necessário, em primeiro lugar, que se tenha uma grandeza z que seja função de várias outras, digamos x e y. Isto significa que, cada vez que se atribuem valores específicos a x e y, fica determinado o valor de z. (Por exemplo, z pode ser a distância percorrida por um corpo, que se desloca durante y horas com velocidade uniforme de x km/h.) Nestas condições, diz-se que z é diretamente proporcional a x quando, MANTENDO-SE y CONSTANTE, o valor de z fica multiplicado por c quando se multiplica x por um número real c. Esta noção fica muito mais clara quando se utiliza a notação funcional z = f(x, y), para indicar a relação de dependência entre x, y e z. Neste caso, a afirmação de que z é diretamente proporcional a x exprime-se pela igualdade f(c-x, y) = c . f(x,y), válida para quaisquer c, x, y. Como se sabe, (v. o livro Meu Professor de Matemática, p. 160) para que z = f(x, y) seja diretamente proporcional a x basta que se tenha f(n x, y) = n . f(x, y) para n inteiro, desde que z seja uma função crescente de x, isto é, x < x' f(x, y) < f{x', y). Como no livro citado, não consideraremos aqui grandezas representadas por números negativos. Evidentemente, definições análogas podem ser dadas em relação à outra variável y. Uma grandeza z = f(x, y) pode ser diretamente proporcional a uma das variáveis x, y, a ambas ou a nenhuma delas. • Por exemplo, se z é o valor da minha poupança, depois que mantive um capital x depositado durante y meses, então z = f(x, y) é diretamente proporcional ao capital inicial x (supondo que não foram feitos novos depósitos!) mas z não é diretamente proporcional ao número y de meses. (Com efeito, no final de cada mês, os juros e a correção monetária são acumulados ao capital, de modo que o acréscimo, ao cabo de cada mês, é maior do que no mês anterior.) • Noutro exemplo, z é o número de páginas que são impressas por x máquinas impressoras iguais, trabalhando y horas cada uma. Evidentemente, z = f(x, y) é diretamente proporcional a x e a y. • Finalmente, z pode ser o comprimento da hipotenusa de um triângulo retângulo cujos catetos medem x e y- Neste caso z = f(x,y) não é diretamente proporcional a x nem a y. f(cx,y)=c . f(x, y), nem tampouco f(x, c-y) = c . f(x, y), mas vale a igualdade f(c x, cy) = c . f(x,y), para quaisquer c, x, y positivos. Por causa disto, dizemos que f é uma função (positivamente) homogênea de x e y. Para que z = f(x, y) seja diretamente proporcional a x e a y, deve-se ter f(c-x, d-y) = cd f(x, y), para quaisquer c, d, x e y. Isto não ocorre no exemplo da hipotenusa. Se z = f(x, y) é diretamente proporcional a x e y, então, escrevendo f(l, 1) = k, temos z = f(x.1,y.1) = x.y.f(1, 1) = k:.x.y. Portanto, a expressão matemática de uma grandeza z que é diretamente proporcional a duas outras x, y é dada pela fórmula z = k.x.y. O número k chama-se a constante de proporcionalidade. Reciprocamente, se sabemos que z = k.x.y, daí resulta imediatamente que z é diretamente proporcional a x e a y. Uma conseqüência direta da fórmula z = k.x.y é que uma grandeza z é diretamente proporcional a duas outras x, y se, e somente se, é diretamente proporcional ao produto xy. Considerações inteiramente análogas podem ser feitas para grandezas inversamente proporcionais. Basta observar que "z é inversamente proporcional ay" significa "z é diretamente proporcional a 1/7". Assim, por exemplo, se z = f(x, y) é diretamente prorpocional a x e inversamente proporcional a y, então z = k . (x/y), onde k é a constante de proporcionalidade. O que acabo de dizer é quase uma repetição do que está no meu artigo "Grandezas Proporcionais", que saiu na RPM e, sob forma mais elaborada, no livro Meu Professor de Matemática. Então por que insistir na mesma tecla? É que, a julgar pela recente correspondência que tenho recebido, há muitas dúvidas sobre este tópico. E o que é pior: vários dos livros didáticos, atualmente em uso, não ajudam a esclarecer as coisas; antes pelo contrário. Um desses livros chega a afirmar que o espaço percorrido por um móvel que se desloca com velocidade uniforme não é diretamente proporcional ao tempo nem é diretamente proporcional à velocidade! O curioso é que essas noções são antigas e os livros brasileiros de até trinta anos atrás as expunham de modo correto. Depois veio a epidemia de "conjuntivite", aqueles livros foram substituídos por outros "modernos" e, agora, as idéias consagradas pelo uso de muitas gerações já não são mais conhecimento comum, o que nos obriga a retornar a elas, com o risco de nos tornarmos fastidiosos. Outro ponto mal explicado é a divisão em partes proporcionais.
Este tipo de problema tem sua origem no comércio. Um dos seus exemplos mais característicos é a chamada regra de sociedade, assunto obrigatório nos textos de Aritmética de outrora. Nesses problemas têm-se, digamos, três pessoas, A, B e C, que organizaram uma sociedade. A entrou com o capital de 2 milhões de cruzados, B com 3 milhões e C com 4 milhões. Depois de um certo período, a sociedade deu um lucro de 3,6 milhões de cruzados. A regra de sociedade estabelece que esse lucro deve ser dividido em partes proporcionais a 2, 3, 4, A ficando com a primeira parte, B com a segunda e C com a terceira. Mas, o que significa "dividir em partes proporcionais"? Significa que o lucro y de cada sócio é diretamente proporcional à sua contribuição inicial x. Tem-se, assim, uma função y = f(x) ou, mais precisamente, y = k . x. A constante k mede, de certa forma, o sucesso dos negócios. Resta saber quanto vale k. Uma vez determinado seu valor, o lucro de cada sócio será obtido multiplicando seu capital inicial por k. No problema dado, os lucros dos sócios A, B e C serão respectivamente 2/c, 3A: e 4/c. Como o lucro total da sociedade foi 3,6 milhões de cruzados, temos 2k + 3k + 4fc = 3,6 ou 9k = 3,6, donde k = 0,4. Assim A lucrou 0,8 milhão, B lucrou 1,2 milhão e C lucrou 1,6 milhão de cruzados. Problemas desta natureza sugerem uma questão mais abstrata, muito freqüentemente colocada nos livros de Aritmética sob a seguinte forma: "Dividir um número N em partes proporcionais a três números dados a, b e c". A solução é simples: as partes x, y, z procuradas devem satisfazer às condições x + y + z = N, x = a . k, y = b . k e g = c . k. Somando as 3 últimas igualdades obtém-se x+y+z=(a+b+c).k, ou seja, N = (a + b + c) . k.
Até aí, tudo bem. Mas a chamada regra de sociedade inclui também o caso em que os sócios não somente entram com capitais diferentes mas também permanecem na sociedade durante períodos diferentes de tempo. Por exemplo, no problema anterior, suponhamos que A esteve na sociedade durante 5 meses, B ficou 2 meses e C permaneceu nela o ano inteiro. Qual deve ser a parte de cada um no lucro de 3,6 milhões? (Supondo que ainda seus capitais iniciais foram respectivamente 2, 3 e 4 milhões.) Agora o lucro z de cada sócio é uma função de duas variáveis: o capital inicial x e o tempo y em que esse sócio permaneceu na sociedade. Portanto z = f(x, y). Convenciona-se (esta é a "regra de sociedade") que z é direta-mente proporcional a x e a y. Segue-se que z = k . x . y. A constante k deve ser determinada a partir dos dados do problema. No nosso caso, os lucros dos sócios A, B e C são respectivamente iguais a 2 . 5 . k = 10k, 3 . 2 . k = 6k e 4 . 12 . k = 48k milhões de cruzados. A soma dos três lucros é igual ao lucro total da sociedade, portanto 10k + 6k + 48k = 3,6 milhões, ou seja, 64k = 3,6, donde k=0,05625. Conseqüentemente, o lucro de A é 10k: = 562 500 cruzados, o lucro de B é 6k=337 500 cruzados e o lucro de C é 48k: = 2 700 000 cruzados.
Qual seria a formulação abstrata deste problema, análoga à divisão de um número em partes diretamente proporcionais a outros números dados? É muito difundida, nos livros escolares que se usam hoje em dia, a formulação em termos de dividir um número dado N em partes diretamente proporcionais aos números a, b, c e AO MESMO TEMPO diretamente proporcionais aos números a', b', c'. E ensinam a resolver o problema acima, simplesmente, dividindo o número TV em partes diretamente proporcionais aos produtos aa', bb' e cc'. O resultado que se obtém são três partes u, v, w tais que u + v + w = N mas u, v, w não são diretamente proporcionais aos números a, b, c nem, tampouco, aos números a', b', c'. E deviam ser diretamente proporcionais a ambos estes termos! Será que nunca ocorreu aos autores desses livros o problema de dividir um número, digamos 58, em partes diretamente proporcionais a 2, 3, 4 e, ao mesmo tempo, diretamente proporcionais a 2, 3, 4? Segundo a regra adotada pelos livros a que nos referimos, isto significa dividir 58 em partes diretamente proporcionais a 4, 9 e 16. As partes procuradas seriam 8, 18 e 32. Ora, é bastante estranho dizer que 8, 18 e 32 são partes proporcionais a 2, 3, 4 e a 2, 3, 4 quando não são proporcionais a 2, 3, 4! É como dizer que o céu é vermelho e vermelho, quando se sabe que ele é azul. Os compêndios tradicionais (dos quais a Aritmética Progressiva de Antônio Trajano é um bom exemplo) distinguiam dois tipos de regra de sociedade: 1) Simples, na qual os sócios entram com capitais diferentes mas permanecem tempos iguais ou, então, com o mesmo capital inicial mas permanecem na sociedade por tempos diferentes. 2) Composta, onde os sócios entram com capitais diferentes e permanecem na sociedade por tempos diferentes. Na regra de sociedade simples, o lucro é dividido em partes diretamente proporcionais aos capitais iniciais ou aos tempos de permanência, conforme o caso. Esses livros antigos também costumavam dizer que, na regra de sociedade composta, o lucro N deve ser dividido entre os sócios A, B, C em partes diretamente proporcionais aos produtos aa', bb', cc' do capital inicial pelo tempo de permanência de cada sócio. Mas nunca esses autores de outrora diziam que o lucro N deve ser dividido em partes diretamente proporcionais aos capitais a, b, c e simultaneamente aos tempos o', b', c'. Nossos antepassados sabiam que uma bananeira não pode ser simultaneamente um coqueiro e um coqueiro. Seria interessante especular a partir de quando e onde se originou essa desaconselhável terminologia. Uma das principais virtudes do autor de um livro didático é a autocrítica. O autor deve, a todo momento, conscientizar-se de sua responsabilidade, refletir sobre o que escreve, imaginar possíveis objeções, eliminar ambigüidades e pontos obscuros, testar suas definições e afirmações em casos particulares, enfim, ser um fiscal de si próprio. Pois são muitos os professores por este país afora, esforçados e isolados, cujo único guia é o livro que adotam, e que ficam atordoados e perdidos quando se deparam com inconsistências nesse livro. Apelo, em particular, para que seja abandonada essa terminologia que acabamos de analisar.
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