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RPM - O Leitor Pergunta

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     Quantas eram as moedas?

Vários colegas têm escrito sobre este problema e, desta vez, é um colega de Maceió, AL, quem nos pede que publique a história:

"O comandante de uma caravela promete, como recompensa a três dos seus mais valentes marujos, as moedas, entre 200 e 300, contidas numa arca. No dia seguinte, estas moedas seriam distribuídas em três partes iguais. Durante a noite, um dos marujos resolve retirar, em segredo, sua parte. Ao repartir em três as moedas, notou que sobrava uma. Temendo que esta moeda fosse causa de uma contenda, joga-a ao mar, tomando para si a sua parte. Pouco depois, o segundo marujo tem a mesma idéia. Ao dividir em três as moedas da arca, constata que sobraria uma. Joga esta ao mar, crendo, assim, evitar algum litígio, e toma o que julgava ser a sua parte. Algum tempo depois, o terceiro marujo tem a mesma idéia e, desconhecendo a antecipação de seus companheiros, repete a divisão em três das moedas (restantes) da arca, na qual sobra uma moeda, que é atirada ao mar, e retém consigo a parte que, a seu ver, lhe cabia.

No dia seguinte, o comandante toma as moedas da arca, faz a partilha e percebe que sobraria uma moeda. Para evitar problemas, fica com esta moeda e distribui o restante, igualmente, entre os três marujos. É claro que nenhum dos marujos reclamou da divisão, pois todos julgavam já ter retirado a sua parte.

Pergunta-se: quantas eram as moedas, originalmente, na arca?"

RPM: Este problema, de fato, aparece, em diferentes versões. Uma delas é o exercício 11, à pagina 26, de Birkoff, G. e MacLane, S., A Survey of Modern Álgebra (1938).

Uma solução interessante, que conduz a uma relação de recorrência, é a seguinte: suponha que o comandante, no final, tenha dado m moedas para cada marujo. Na etapa anterior, o comandante havia se deparado com x0 = 3m + 1 moedas.  O último marujo, por sua vez, tinha

problema se reduz a encontrar o número inicial x0, em função do número final m de moedas.

  onde entra o valor inicial x0  como parâmetro.

No nosso caso particular, obtemos

 

 Trata-se, então, de encontrar um inteiro m tal que 81m + 65 seja divisível por 8, com quociente, x3, entre 200 e 300. Isto é, m é um número entre 19 e 28 tal que 81m + 65 seja divisível por 8. A esta altura, a determinação do m pode ser feita diretamente numa tabela com os 10 valores possíveis para m e os respectivos valores de 81m + 65. Pode-se, entretanto, observar que, sendo

81m + 65 = (8 x l0m + m) + (8 x 8 + 1) = 8(10m + 8) + (m + 1),

então 81m + 65 será divisível por 8 se, e só se, m + 1 o for. E o problema fica reduzido a determinar m, entre 19 e 28, tal que m + 1 seja múltiplo de 8. É claro, então, que a única solução possível é m = 23. O leitor, acostumado à linguagem de congruências, reconhecerá neste último passo um caso particular da equação cx b(m) (em que c = 1, x = m, b = l  e m = 8) que tem solução pois c e m, no caso 1 e 8, são primos entre si.

Uma outra solução, bastante interessante, deste problema encontra-se na revista Mathematical Gazette, vol. 17, 1933, p. 23. É a seguinte: acrescente mais 2 pedrinhas às moedas. Então o total fica divisível por 3. O primeiro marujo retira seu terço e joga uma de suas moedas ao mar (deixando as duas pedrinhas). Em seguida, o segundo, o terceiro marujo e o comandante fazem o mesmo. Se N era o número original de moedas, vê-se que N + 2 pode ser dividido por 3, quatro vezes seguidas, sem deixar resto, logo N + 2 é múltiplo de 81, ou seja, N é um número da forma 81k - 2.  Entre 200 e 300, o único número dessa forma é 241 (para k = 3).

 

 

     Isto é fatoração?

Um colega de Cruzília, MG, conta-nos sobre a polêmica gerada, em sua Escola, pela pergunta "sendo x4 + 4 = (x8 - 16) . (x4 - 4)~', pode-se dizer que x4 + 4 é fatorado como (x8 - 16) . (x4 - 4)~'?"

polinômios. Se pretendemos considerar uma decomposição de x4 + 4 em fatores que sejam também polinômios, podemos usar, por exemplo, o recurso de completar quadrados, obtendo

x4 + 4 = (x2 + 2)2 4x2 = (x2 + 2x + 2)(x2 - 2x + 2)

que é válida para qualquer  x real.

Para melhor entender a restrição da fatoração ao "mundo" dos polinômios, vale a pena observar a analogia com a fatoração de números inteiros. As possibilidades de fatoração de um número inteiro, bem como o conceito de divisibilidade, fazem sentido quando os fatores são também inteiros. Se admitirmos, como fatores, os números racionais, estes conceitos perdem o significado, uma vez que qualquer racional não nulo divide qualquer racional. Então, embora
"teoria" de divisibilidade atrás disso, além das propriedades de "corpo" dos números racionais que garantem a existência do inverso de qualquer número não nulo. O mesmo se dá entre os polinômios (que são funções ditas "inteiras") se a eles acrescentamos funções racionais (que seriam os quocientes de polinômios).

É por isso que a teoria da divisibilidade, em Álgebra, é feita em anéis e não em corpos e, nesse contexto, os elementos que possuem inverso são, muitas vezes, chamados de "unidades do anel".

 

 

     "Quem" são estas funções?

Um colega de São José dos Campos, SP, pergunta quais as funções f(x) tais que

para todo x diferente de 0, 1 ou 1.

 

Como x 0,  x 1   e x -1,  tem-se também f(x) 0,  para todo x,  o que nos permite dividir o quadrado da expressão (*) pela expressão (**), obtendo:

(Problema proposto na II Olimpíada Ibero-americana, RPM 10, p. 62.)

 

 

     Onde está a falha do método da Comparação?

De Curitiba, PR, um colega nos conta sobre uma dúvida que ele traz, desde os tempos de estudante, quando um professor lhe disse que o Método da Comparação, para resolução de sistemas de primeiro grau, apresentava falhas em alguns sistemas, não podendo ser considerado um método de fato. O colega assustou-se quando, ao adotar um novo livro, reencontrou lá o "condenado" método da comparação.

RPM: Não podemos culpar os métodos pelos problemas que os sistemas lineares trazem em si. A RPM já fez alusão a este mesmo tipo de dúvida do colega paranaense, num relato de uma aula do professor Bloch (RPM 10, p. 21), embora, naquele artigo, fosse o processo da adição que esti­vesse no banco dos réus. Naquela ocasião, entretanto, foram os coeficientes do sistema que foram para "cadeia" e não o método. Por quê?

chegar a uma conclusão absurda por vários caminhos. O método de comparação (ou qualquer outro raciocínio correto que usemos para chegar ao tal absurdo) não tem culpa nenhuma. A contradição já partiu da nossa premissa; já começamos com ela quando admitmos que existissem números x e y tais que x + y = l   e x + y = 2.

Talvez o método da comparação tenha sido escolhido bode expiatório porque permite mais facilmente, em alguns casos, enxergar o absurdo. Mas se formos condená-lo por causa disto, devemos condenar todos os outros métodos também.

Vejamos o sistema III, dado como exemplo no artigo citado (RPM 10, p. 21):

Se quisermos resolvê-lo pelo "método da adição", podemos começar multiplicando a primeira

Evidentemente, isto é um absurdo. Então 20 = 21? Mas poderíamos também usar o "método da substituição". Da primeira equação vem x = 7 2y e, substituindo na segunda:

3(7 2y)+ 6y = 20,      21 6y + 6y + 6y = 20,       6y + 21 = 6y + 20,

outro absurdo.

Em suma: não há nada de errado com nenhum dos 3 métodos clássicos de resolver sistemas lineares de 2 equações a 2 incógnitas. O que há é o seguinte: quando se parte de um absurdo, pode-se chegar, por raciocínios corretos, a vários absurdos diferentes. (Também podemos chegar a absurdos partindo de um fato verdadeiro e usando raciocínios incorretos, mas isto é outra história...)

 

 

     Parcelas positivas podem dar um total negativo?


De Niterói, RJ, o estudante de 8? série, Eric C. B. Guedes, entre outras questões, envia à RPM a seguinte pergunta:

RPM: Se quisermos calcular a soma de um número finito  n de termos:

Sn = a + aq + aq2 +  ... + aqn-1

(que é a soma dos  n primeiros termos de uma progressão geométrica, de primeiro termo a erazão q), teremos:

1) se q = 1,   Sn       será a soma de  parcelas iguais a a;

2) se q 1,  de q . Sn = (Sn a) + aqn, vem:

Nas expressões acima, se fizermos  crescer, observamos o seguinte:

a) Se a 0  e  q = 1,  então  Sn n . a cresce, em valor absoluto, também. De fato, dado um número Aí qualquer, o módulo de Sn se manterá maior de que Aí,  a partir de um



que se estabeleça, pois, se tende a zero quando n cresce. (Para uma definição rigorosa destes conceitos e uma prova desta igualdade, o leitor pode consultar E. L. Lima, Análise, vol. 1, p. 87.)

A aparente contradição, apresentada por Eric, não existe, uma vez que as expressões

 

Por outro lado, a expressão do segundo membro também está definida para q = 2,
 

Só para completar os vários casos, se  a = 1  e  q = 1, tem-se 1 + q + q2 + ... + qn-1 =
=
1 + (1) + (1)2 + ... + (1)n-1, que dá 1 ou 0, conforme n seja ímpar ou par, enquanto

 

 

     Qual o "truque"?

 

Um colega de Curitiba, PR, pede que se calcule o valor da expressão
 

S = log tg 1o + log tg 2o +  ...  + log tg 89°.
 

RPM: Passando do cálculo da soma de logaritmos ao cálculo equivalente do logaritmo do produto, podemos escrever
 

S = log (tg 1o  . tg 2o . ...  . tg 88° . tg 89°)
 

Repare que S = 0 qualquer que seja a base em que se considere o logaritmo. Nota-se também que, enquanto, em geral, a fórmula log(ab) = log a + log b é usada para transformar produtos em somas, no exemplo acima ela funcionou ao contrário, pois o valor da expressão ficou mais visível quando se passou da soma ao produto.