Discurso de entrega dos prêmios da
9.ª Olimpíada Brasileira de Matemática

Elon Lages Lima
IMPA/CNPq

É para mim um motivo de grande satisfação fazer as honras da casa e, em nome da Academia Brasileira de Ciências, dar as boas-vindas à Diretoria da Sociedade Brasileira de Matemática para que realize nesta sede a cerimônia de entrega dos prêmios aos vencedores da 9 Olimpíada Brasileira de Matemática.

São diversos os motivos do regozijo que nós, os que amamos e cultivamos a Matemática, sentimos numa ocasião como esta.

Em primeiro lugar, há aquela elevação de espírito ao testemunharmos uma disputa de caráter intelectual, um torneio onde as armas são a inteligência, a criatividade, a imaginação e a disciplina mental. Esse tipo de atividade enobrêce os povos. Tem sido assim desde a época clássica, quando os grandes poetas eram coroados com louros. O sentimento de respeito pelas vitórias do espírito é uma prova de civilidade, de avanço cultural e deve ser incentivado, fomentado e apoiado por todos aqueles que possuem, em si, alguma dose de amor à sua comunidade e desejo de vê-la progredir.

Num plano mais específico, falando agora como professor e como matemático, é salutar para a expansão e o aprimoramento da Matemática em nosso país que o seu estudo se difunda, que assuma características dinâmicas e bastante vivas, como aquelas provocadas pela arregimentação de grupos em escolas, Estados e regiões, para efeito de preparação e êxito em competições matemáticas. Nossa ciência se presta muito bem para esse tipo de atividade, por suas peculiaridades tais como a de ser um fértil terreno para desafios, populares desde tempos imemoriais (haja visto, o milenar folclore de problemas populares), e por ser possível adestrar-se nela, resolvendo problemas enquanto se faz outras coisas, até mesmo enquanto se espera o sono chegar.
 

a Matemática é também um grande desafio, uma disputa constante entre o matemático e a verdade


A Matemática tem muitas faces: é uma arte, onde 'o enlace das proposições, a concatenação entre suas diversas teorias, a elegância dos raciocínios,
a singela eloqüência dos enunciados e a surpresa de certas conclusões enlevam e comprazem nosso senso estético. Ela é também um instrumento, ora simples nas suas aplicações quotidianas, ora extremamente complexo como veículo para formulação de teorias científicas ou como chave para resolver sofisticados problemas propostos pela Tecnologia ou pelas Ciências. Mas a Matemática é também um grande desafio, uma disputa constante entre o matemático e a verdade oculta sob diversas formas. Nessa luta, onde são vários os concorrentes contra o adversário comum (o desconhecimento e a ignorância), há ainda o forte espírito competitivo, tão natural no ser humano. Cada um quer ser o primeiro a obter sua parte da verdade. Esse espírito de competição, motivado ao mesmo tempo pela curiosidade sadia e pelo desejo de superar-se, é uma das molas do bom êxito das Olimpíadas Matemáticas.

Evidentemente, não basta querer: é preciso ter talento e alguma preparação. Neste sentido, estamos hoje aqui reunidos para render homenagem ao talento desses jovens vencedores e de muitos outros participantes que, por motivos vários, não tiveram o mesmo êxito, mas também não devemos esquecer uma palavra de reconhecimento a seus mestres, esses batalhadores anônimos e dedicados que a sucessivas gerações transmitem os indispensáveis conhecimentos básicos e lhes dão a preparação necessária.

A Matemática tem sido comparada por alguns a um jogo como o xadrez, onde, com a utilização de algumas regras fixas, parte-se de uma situação inicial para chegar a certas conclusões bem determinadas. Isto, porém, é uma visão extremamente parcial da Matemática e, no máximo, pode ser uma metáfora para exemplificar o método dedutivo. A Matemática, porém, transcende esse método. Usa-o como um auxiliar poderoso, porém seu âmbito é bem mais extenso, suas ambições são mais elevadas e suas vitórias e conquistas bem mais profundas e relevantes para a humanidade.
 

Nosso país tem sido bem-sucedido nas olimpíadas internacionais, graças a alguns talentos jovens e à preparação adequada


A estes jovens que participaram das olimpíadas matemáticas, que experimentaram o prazer de derrotar um problema intrigante e (por que não dizer?) o inefável sentimento de frustração por não saber resolver outros bem mais intrigantes, posso assegurar que possuem várias das qualidades fundamentais para um futuro matemático: têm capacidade intelectual, aptidão para a matéria e, acima de tudo, determinação e espírito de luta para enfrentar desafios. Seria bom que todos se tornassem matemáticos, que viessem reforçar os grupos daqueles que estão contribuindo para criar em nosso país uma sólida e duradoura escola com renome internacional. Mas é claro que, para tornar-se um matemático profissional, não bastam talento e determinação. Ê preciso também motivação, vocação, desejo de que essa seja sua carreira preferida. Pois um jovem bem dotado possui, em geral, diversas aptidões. São vários os fatores psicoló
gicos, sociais, familiares, econômicos, etc, que influem para que uma dessas aptidões se sobreponha às outras para determinar a escolha da carreira.

As Olimpíadas não são um processo para escolher quais serão os futuros matemáticos do país. Elas são interessantes em si mesmas como atividade intelectual. Além disso, do ponto de vista estritamente sectário de um matemático empedernido, elas servem para chamar a atenção dos jovens, da comunidade e das autoridades para o cultivo da Matemática, lembrando a todos que nenhum país pode ambicionar o progresso e ser chamado de um país civilizado sem possuir um avançado grau de desenvolvimento científico. Na base de tal desenvolvimento vai estar, inevitavelmente, a Matemática.

Nosso país, que entrou nesse jogo há bem pouco tempo, que não possui tradição científica secular, tem sido bem-sucedido nas olimpíadas internacionais, graças a alguns excepcionais talentos jovens e à preparação adequada que tiveram. Embora, como tem sido sempre entre nós, o reconhecimento desses triunfos não tenha alcançado o grau merecido, sabemos que esses resultados positivos constituem uma grande conquista, uma prova de nosso progresso. Isto nos enche de esperança para o futuro. Esperamos que os jovens premiados de hoje sigam o exemplo dos seus predecessores e ampliem ainda mais o êxito obtido até aqui. E que, seja qual for a carreira que escolherem, empreguem nela os mesmos padrões de correção, inteligência, criatividade e denodo que mostraram possuir na competição da qual acabam de participar.
 


 

Problemas de Olimpíadas Regionais de Matemática, a nível de 1.° grau, realizadas em 1987.

 

A RPM recebeu exemplares das provas de Olimpíadas Regionais do Pará, Mato Grosso do Sul (Angélica), Minas Gerais, Rio de Janeiro, São Paulo, Rio Grande do Norte e Bahia. Gostaria de receber, para divulgar, provas de todos os Estados que realizam Olimpíadas Regionais.

Apresentamos, abaixo, alguns dos problemas propostos, a nível de 1? grau:

1.     Um estudante ao efetuar a multiplicação de 432 por um certo número obteve o número 16 416, por ter trocado, por engano, o algarismo das dezenas do multiplicador, tomando 3 em vez de 7. Encontre o verdadeiro produto. (6? série, Angélica, MS).
 

2.    Mário mente às segundas, terças e quartas-feiras e fala a verdade nos demais dias da semana.
Paula mente apenas às quintas, às sextas e aos sábados. Num certo dia, foram feitas as afirmações:
por Mário, "ontem foi meu dia de mentir"; por Paula, "ontem foi também meu dia de mentir." Qual o dia da semana em que foram feitas estas afirmações? (7
ª série, Angélica, MS)
 

3.  Um pai repartiu, entre 5 filhos, o terreno de um quarteirão quadrado ABCD. Sendo  O  o centro do quadrado, procedeu de acordo com a figura ao lado. Como o imposto municipal é calculado de acordo com a frente do terreno, fê-lo de modo que  AP=PB+BQ = QC + CR = RD + DS = SA.

a)    Esta divisão foi justa? Isto é, as áreas dos lotes são iguais? Justifique a sua resposta.

b)    Gustavo, o mais esperto e sovina dos cinco filhos, propôs que cada um construísse o muro
que fica à direita de quem olha de O para a frente do seu terreno. Quais os lotes que pode­
riam ter cabido a Gustavo? Justifique.

c)     Descreva formas poligonais de quarteirão, tais que o pai, dividindo-o em cinco lotes de mesma frente, por muros retilíneos a partir de um ponto central, obtenha lotes de mesma área. (6ª série, São Paulo)?
 

4.  a) Eu tenho um relógio digital que marca horas e minutos, variando de 00:00 até 23:59. Quantas vezes, em um dia, os algarismos 1, 2, 3, 4 aparecerão, todos juntos, no visor do relógio?

b)   Com 4 outros algarismos obtemos o mesmo resultado? Estude, no mínimo, dois casos que lhe pareçam significativos. (8ª série, São Paulo)
 

5.     Um retângulo é formado por 640 quadrados dispostos em 20 linhas e 32 colunas. Quantos destes quadrados são cortados em seu interior pela diagonal do retângulo? (Minas Gerais)

6.     Numa exibição aérea, uma esquadrilha de aviões voa em formação de triângulo equilátero (isto é, 1 avião na frente, 2 atrás deste, depois 3, depois 4, e assim por diante). A um certo momento este triângulo se desfaz e os aviões se reagrupam formando 5 novos triângulos, todos de tamanhos diferentes, sem que sobre nenhum avião fora destes triângulos. Sabendo-se que a esquadrilha possui menos de 70 aviões, diga quantos aviões voavam neste dia e quantos aviões formavam cada um dos 5 triângulos menores. (Verifique se há mais de uma possibilidade para a sua resposta.) (Minas Gerais)

7.     Devo comprar 40 chocolates de três tipos com Cz$ 100,00. O preço de cada um deles é 1, 4 e 12 cruzados. Quantos chocolates de cada tipo devo comprar? (Bahia)
 

8.     Os inteiros maiores que 1 são agrupados em cinco colunas como se vê ao lado. Em que coluna se encontra o número 2 200? (Rio Grande do Norte)

 

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4

5

9

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7

6

 

 

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Encerrando, transcrevemos uma questão mais difícil, proposta a alunos da 1º série do 2º grau na Olimpíada do Rio de Janeiro:

 

 

Sugestões e respostas (colaboração de Felipe Fritz Braga)

1.     33 696; sugestão: 432 x n = 16 416.

2.  5ª feira. Para refletir: e se alguém dissesse "Hoje é meu dia de mentir"!

3.  a) Sim; sugestão: triangular os lotes;   b) OSDR e ORCQ.

4.  a) 10 vezes; b) às vezes sim: 1235, 1245, às vezes não: 1236, 1246.

5.  48; sugestão: mdc(20, 32) = 4.

6.  55; 3, 6, 10, 15 e 21.

7.  28, 9 e 3; sugestão: x + y + z = 40 e x + 4y +  12z =  100, x, y, z inteiros.

8.  2ª coluna; sugestão: 2 200 é múltiplo de 8.

   Prove:     i) an + bn é um número inteiro divisível por 2n+1;
                 ii) an + bn é o menor inteiro maior do que an.