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Este é o relato de uma aula de 50 minutos do Seminário de Problemas do curso de Licenciatura, dada em abril de 1987, no Instituto de Matemática e Estatística da Universidade de São Paulo. Apresentaremos inicialmente os problemas abordados e, posteriormente alguns comentários sobre a aula em si. Os problemas Problema 1. Numa escola, ao longo de um corredor comprido, estão enfileirados 100 armários, numerados consecutivamente de 1 a 100, com suas portas fechadas. Cem alunos da escola, também numerados de 1 a 100, resolvem fazer a seguinte brincadeira: o aluno n.º 1 passa pelo corredor e abre todos os armários; em seguida, o aluno n.º 2 passa e fecha todos os armários de número par; depois passa o aluno n.º 3 e inverte a posição das portas de todos os armários "múltiplos dei", isto é, ele os fecha se estiverem abertos e os abre se estiverem fechados; depois, é a vez do aluno n.° 4 que inverte a posição das portas dos armários "múltiplos de 4", e assim sucessivamente. Após a passagem dos 100 alunos, qual será o armário de maior número que estará aberto? Solução: Examinemos o armário 100: o aluno 1 abre este armário, 2 o fecha, 3 não faz nada, 4 abre, 5 fecha, 6 não faz nada... Devemos procurar os divisores de 100:
Portanto, 100 tem 9 divisores: 1, 2, 4, 5, 10, 20, 25, 50 e 100. O que acontece com o armário "100"? O aluno n..° 1 abre, 2 fecha, 4 abre, 5 fecha, ..., 100 abre. Portanto o armário "100" fica aberto e esta é a solução do problema 1.
Problema 2.
E
se o número de armários fosse 48.914? Solução:
Embora exeqüível, é demorado decompor um número grande em fatores primos. O que fazer? Quando um problema oferece dificuldades computacionais, convém pensar no caso geral e tentar resolver teoricamente o problema geral. Generalize! Problema 3. Resolver o problema 1 no caso geral, isto é, quando o corredor tiver n armários. Solução: Uma vez conhecida a decomposição do número n em fatores primos, podemos saber quantos divisores este número tem, usando o seguinte lema:
Agora, se D(n) for ímpar, o armário n ficará aberto (e o problema resolvido) e se D(n) for par, o armário n ficará fechado. Daí, se D(n) for par, testa-se o armário n 1. Se D(n - 1) for ímpar, acabou. Se não, testa-se n 2 e assim por diante. Este modo de resolver o problema ainda não é satisfatório pois, dependendo do número n, será necessário fazer o teste um número de vezes que não se sabe, a priori, se será grande ou não. Visando estimar este número propusemos o Problema 4. No problema 1, o número de armários abertos é maior ou menor do que o número de armários fechados?
Solução:
Vejamos o que acontece com os 18 primeiros armários:
Vê-se por essa matriz que 1. o aluno i não mexe nos armários j, j < i;
2.
o armário j, com j primo, é mexido somente duas vezes e
portanto fica
3.
o número de vezes em que o armário j é mexido, é exatamente
o número Portanto, o armário n ficará aberto se o número de divisores de n for ímpar e fechado se por par. Observe agora, na tabela, os números dos armários que ficaram abertos: 1, 4, 9, 16. Que seqüência é essa? Qual é o próximo termo? É a seqüência dos quadrados perfeitos. Daí surge uma conjectura: os números dos armários abertos são os que pertencem a essa sequência. Em termos matemáticos, formulamos a seguinte Conjectura: O número de divisores de n é ímpar se e somente se n for um quadrado perfeito. Tentativa de provas:
O número de divisores de n, pelo lema anterior, é D(n) = (2m1 + 1) . (2m2 + 1) . . . . . (2mk + 1) que é um número ímpar. Logo, está provado que se n for um quadrado perfeito, então o número de divisores de n será ímpar. • Suponhamos que n não seja quadrado perfeito. Então
A conjectura estava certa — ela é agora um teorema! Comentários Como dissemos no início, este é um relato de uma aula de 50 minutos do Seminário de Problemas, dada no curso (noturno) de Licenciatura em Matemática, no IME-USP. A ordem em que se desenrolou a aula não é a do relato — é mais ou menos a seguinte. Inicialmente foi proposto o problema 1 (já clássico na literatura — ver ref. [1], [2], [3] e [4]). Estava desejoso de saber o que iria acontecer com os meus alunos. Os alunos trabalharam, quase todos, individualmente (eles têm toda a liberdade de conversar entre si, mas, por motivos que ignoro, preferem trabalhar individualmente). Um dos alunos "pegou" a solução, mas errou na contagem do número de divisores de 100 (por ter esquecido o divisor 5). Perguntei a ele: "Você tem certeza de que obteve todos os divisores de 100?". Outro aluno não se lembrava exatamente do algoritmo que determina todos os divisores de um dado número. Disse a ele que eu também não lembrava mas que conhecia um modo fácil de obter todos os divisores de 100. Qual era esse modo? Todos os alunos presentes já haviam cursado a disciplina Álgebra I ou a estavam cursando. Perguntei se 18 é divisor de 100 e, se não for, por quê. Perceberam então que sendo 100=22.52, os divisores de 100 têm a forma 2a . 5b, onde p pode ser 0, 1, 2, e b pode ser 0, 1,2. Ficou fácil então dar todos os divisores de 100 (veja a solução do problema 1). Depois de resolvido o problema 1, propus o problema 2. A minha intenção era colocar em xeque a extensão do método de solução. Esta empacou na decomposição em fatores primos. Surgiram perguntas do tipo: "como é mesmo que a gente sabe se um dado número é primo?". O crivo de Eratóstenes, coitado, tinha sido esquecido e esquecido também o procedimento de saber quando parar de fazer as divisões por primos anteriores. Neste ponto fomos para o problema 3. Os alunos sempre estranham quando proponho enfrentar um problema geral para resolver um problema particular. Depois de resolvido o problema 3, concluímos que o método de resolução não é muito bom quando o número de armários for grande. Durante a resolução de problemas pelos alunos, tenho o costume de bisbilhotar o que eles fazem. Eu já havia observado que o aluno Murilo tinha atacado o problema, construindo uma pequena tabela (de 1 a 15) semelhante à tabela apresentada no relato:
Propus então o problema 4, com a desculpa de que o método anterior não estava bom. Depois de um tempo, pedi ao Murilo que colocasse sua tabela na lousa e completasse a tabela até o 16. Notou-se, então a seqüência 1, 4, 9, 16. Logo os alunos perceberam que era a sequência dos quadrados. A aula prosseguiu mais ou menos como está no relato. Saliente-se que um dos alunos provou uma implicação da conjectura e outro aluno provou a implicação reciproca, quase simultaneamente. Perguntei à classe se os dois não tinham provado a mesma coisa. E como o tempo de aula estava chegando ao fim, eu mesmo analisei a equivalência lógica (~ p) (~ q) q p. Concluímos então que a conjectura havia sido totalmente provada e que obtivéramos um teorema. Quero enfatizar aqui que no começo da aula eu mesmo não suspeitava que esse teorema existisse.— eu tinha uma idéia do que ia acontecer até o problema 2. Na verdade, as aulas desse Seminário são verdadeiros happenings. O relato aqui apresentado é o de uma certa aula. As aulas anteriores não têm nada a ver com esta e nas que virão, eu não tenho a menor idéia do que irá acontecer.
Bibliografia [1] Alexanderson, G. L. e outros. The William Lowell Putman Mathematical Competition, 1965-1984. The Mathematical Association of America, Washington, 1985. O problema dos armários faz parte da prova de 1967. [2] Larson, C. L. Problem Solving through Problems. Springer Verlag, 1983, p. 105. [3] Cassidy, C. e Hodgson, B. Because a door has to be open orclosed.... The Mathematics Tea-cher, v. 75, n? 3, 1982, p. 155. [4] Lins, Romulo Campos. A transformação de problemas como meio de construção de conhecimento matemático pelos alunos. Anais da 7? Conferência Inter-americana de Educação Matemática (a ser publicado).
__________ Sugerimos ao leitor que tente resolver este problema com seus alunos — ele não é difícil. Em seguida, os autores relacionam este problema com um brinquedo chamado Espirógrafo (da Estrela), que consiste em várias rodas dentadas, de tamanhos diferentes, girando umas dentro de outras e que permitem fazer desenhos como os abaixo. (Talvez algum leitor queira escrever um artigo a respeito deste brinquedo e sua Matemática para a seção Artefatos?)
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