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A maneira mais conveniente de mostrar que dois polígonos P e P' têm a mesma área é fazer um modelo de P em cartolina, recortá-lo em polígonos menores e depois reagrupar estes polígonos pequenos, uns adjacentes aos outros, de modo a obter um modelo de P'. Ilustrando esse método, as figuras 1, 2 e 3 a seguir mostram, em três situações diferentes, que a área de um triângulo é igual à área de um retângulo com a mesma base e altura igual à metade da altura do triângulo. Nos três casos, começa-se cortando o triângulo por meio de uma paralela à base, traçada pelo ponto médio de um dos outros dois lados. Na figura 1, a altura coincide com um dos lados do triângulo (noutras palavras, o triângulo é retângulo e a base é um dos catetos). Na figura 2, a altura incide sobre um ponto interior da base. Na figura 3, a altura situa-se no exterior do triângulo.
Fig. 1. A paralela à base, traçada pelo ponto médio da altura, decompõe o triângulo em duas partes (o triângulo A e o trapézio B), as quais são reposicionadas em B' e A ' para formarem um retângulo com base igual à do triângulo e altura metade.
Fig. 2. Primeiro corta-se o triângulo com uma paralela à base, traçada pelo ponto médio de um dos lados inclinados. Depois corta-se o pequeno triângulo superior ao longo da altura. O triângulo original fica decomposto no trapézio B e dois triângulos retângulos A e C, os quais são facilmente reposicionados, em B', A' e C, para formar um retângulo, com base igual à do triângulo dado e altura metade.
Fig. 3. (A altura do triângulo incide sobre o prolongamento da base.) Decompõe-se o triângulo em três partes A, B, C, que são recolocadas em A', B' e C para formar o retângulo procurado. A fim de tornar esta ideia mais precisa, daremos a seguinte Definição. Dois polígonos P e P' dizem-se eqüidecomponíveis quando existem decomposições.
de tal modo que cada polígono Pi é congruente ao polígono P'i (i = 1, 2, ..., n). Além disso, exige-se que os polígonos Z3, tenham seus interiores dois a dois disjuntos, o mesmo ocorrendo com os Pi'. Os três exemplos vistos acima mostram que todo triângulo é eqüidecomponível com um retângulo. Evidentemente, dois polígonos eqüidecomponíveis têm a mesma área. A recíproca não é evidente, mas é verdadeira. Dois polígonos com a mesma área são eqüidecomponíveis. Este teorema foi demonstrado em 1832 por F. Bolyai e, independentemente, em 1833 por P. Gerwien. F. Bolyai era o pai do famoso matemático húngaro Janos Bolyai, descobridor da Geometria Hiperoonca (.que também loi descoberta por Lobatchevski e Gauss). Gerwien era um matemático amador alemão. O teorema de F. Bolyai é um fato geométrico interessante, cuja prova se baseia em argumentos bem simples. Daremos a seguir uma série de exemplos de polígonos eqüidecomponíveis, preparando o caminho para a demonstração desse teorema. As figuras 4 e 5 mostram que todo paralelogramo é eqüidecomponível com um retângulo que tem a mesma base e a mesma altura. Na figura 4 é possível traçar uma altura interior ao paralelogramo. (Isto sempre ocorre quando a base do paralelogramo é o seu maior lado.) Na figura 5, qualquer altura cai no exterior do paralelogramo.
Fig. 4. O paralelogramo P e o retângulo R, com bases e alturas iguais, admitem as decomposições P=A B e R = A' B', onde A é congruente a A' e B é congruente a B .
O próximo exemplo mostra que, dado qualquer retângulo R e fixada arbitrariai e uma base b, podemos obter um retângulo R', com base b, equidecomponível com R. O retangulo R' é aquele que tem base b e área igual à de R. Mostraremos que R e R' são eqüidecomponíveis. Sem perda de generalidade, podemos supor que a altura de R é maior do que a de R'. (Caso contrário, trocaríamos os papéis de R e R' no que se segue.)
Fig. 6.
As linhas pontilhadas indicam como se obteve a decomposição
R = A
B
C. A altura do pentágono
A é igual à altura de R'.
Para obter o lado inclinado de A, traçamos, a partir do vértice
superior esquerdo de R , um segmento paralelo à diagonal
pontilhada. Como R e R'
têm áreas iguais, tem-se
R' = A'
B'
C, sem superposições. Na construção acima, a altura de R deve ser menor do que o dobro da altura de R'. Se a altura do retangulo R contiver a altura de R' duas ou mais vezes, recairemos no caso anterior marcando no retangulo R (cuja altura é a maior) vários retângulos de altura igual à de R', tantos quantos sejam necessários, até que a altura do último retangulo, S, seja menor do que o dobro da altura de R' (ver figura a seguir).
Fig. 7.
Temos R = A
B
S e R' = A'
B'
S', onde A'
é congruente a
A
e B' é
congruente a
B. Se R e R'
tiverem a mesma área, S e S' também terão. Agora a altura de
S é menos de 2 vezes a altura de S', de modo que podemos aplicar
a estes dois retângulos o
processo da figura
6. Antes de passarmos à demonstração do Teorema de Bolyai, observemos que se os polígonos P e P' forem eqüdecomponíveis e o mesmo ocorrer com os polígonos P' e P" então P e P" também serão eqüidecomponíveis. (Transitividade da relação "P e P' são eqüidecomponíveis".) Com efeito, seja P - P1 ... Pn uma decomposição de P em polígonos menores os quais, reagrupados, formam P' - P'1 ... P'n, onde cada P'ié congruente a Pi = (1 = 1, 2, ..., n). Ao recortar P' para obter P" os polígonos P'i são decompostos por sua vez em polígonos ainda menores. Estes podem ser reagrupados de um modo para formar P e de outro para formar P". Logo P e P" são eqüidecomponíveis. Este argumento fica mais claro com um exemplo. Suponhamos que o triângulo T da figura 1 e o triângulo T ' da figura 2 tenham a mesma base e a mesma altura. Então, se R é o retângulo que tem essa base e metade dessa altura, vimos que T e R são eqüidecomponíveis, o mesmo ocorrendo com R e T '. Para ver diretamente que T e T ' são eqüidecomponíveis, superpomos as duas decomposições de R dadas nas figuras 1 e 2.
Fig. 8. Superpondo as duas decomposições de R, uma dada na figura 1 e outra na figura 2, obtemos quatro polígonos, numerados 1, 2, 3 e 4, os quais podem ser reposicionados para formar o triângulo T e o triângulo T". Portanto, T e T' são eqüidecomponíveis.
A transitividade acima estabelecida será agora usada para provar que todo polígono P é eqüidecomponível com um retângulo cuja base b foi prefixada. Para começar, decompõe-se o polígono P em triângulos adjacentes uns aos outros. Esses triângulos são eqüidecomponíveis com retângulos (vide figuras 1, 2 e 3). Cada um desses retângulos, por sua vez, é eqüidecomponível com um retângulo de base b (vide figuras 6 e 7). Por transitividade, os triângulos em que foi decomposto o polígono P são eqüidecomponíveis com retângulos de mesma base b. Empilhando esses retângulos uns sobre os outros, obtemos um retângulos de base b, o qual é eqüidecomponível com o polígono dado.
Depois desses preparativos, o
Teorema de F. Bolyai está quase demonstrado. Com efeito, sejam P e
P' dois polígonos com áreas iguais. Fixemos arbitrariamente um
segmento b. Como
acabamos de ver, P
eqüidecomponível
com um retângulo R de base Analogamente, P'
eqüidecomponível
com um retângulo R' de mesma
base b. Como P e
P'
têm áreas iguais, o mesmo acontece
com os retângulos R e R'. Sendo as bases desses retângulos
iguais, segue-se que suas alturas também o são. Conseqüentemente, R
e R' são eqüidecomponíveis. Por transitividade, resulta que
P e P'
são eqüidecomponíveis.>
Em 1951, mais de um século depois
da demonstração original, os matemáticos suíços H. Hadwiger e P. Glur
refinaram o Teorema de Bolyai, do seguinte modo. '
Digamos que os polígonos P e
P' são TR-eqüidecomponíveis quando
admitem decomposições P = P1
...
Pn e P'
= P'1
...
P'n tais que
para i = 1, ... , n,
pode-se obter
P'i a partir de
Pi,
por meio de uma
translação ou de uma rotação de
180° (com centro num ponto qualquer do plano).
Por exemplo, nas figuras 1, 2 e 3 o
triângulo à esquerda é TR-eqüidecomponível
com o retângulo à direita: os trapézios são transladados, os triângulos
são girados de 180° e depois transladados.
Nas figuras 4, 5, 6 e 7 os
paralelogramos (em 4 e 5) ou retângulos (em 6 e 7) à esquerda são TR-eqüidecomponíveis
com os retângulos à direita. Na realidade, nesses quatro casos, só se
usaram translações; logo, tem-se um caso ainda mais restrito de eqüidecomponibilidade.
Diz-se, neste caso, que esses polígonos são T-eqüidecomponíveis.
O Teorema de Hadwiger-Glur diz que
dois polígonos com áreas iguais são sempre TR-eqüidecomponíveis.
Se examinarmos a demonstração acima
dada para o Teorema de F. Bolyai, veremos que somente num ponto foram
usadas congruências nas quais uma figura foi levada a coincidir com outra
mediante um movimento que pode não ser uma translação ou uma rotação de
180°. Isso ocorre no final da prova: decompõe-se o polígono P em
triângulos; cada triângulo é TR-eqüidecomponível
com um retângulo cuja base tem comprimento b e depois esses
retângulos são empilhados uns sobre os outros. Neste ponto talvez seja necessário
efetuar algumas rotações de ângulos
180° para que as bases dos
retângulos fiquem todas paralelas e então, com translações, os
empilharemos.
Assim, para completar a prova do
Teorema de Hadwiger-Glur, basta provar o seguinte:
Todo
retângulo R é TR-eqüidecomponível
com outro retângulo R' cuja base é paralela a uma reta dada r.
Demonstração: Um segmento de reta
paralelo a
r fornece uma decomposição R
= A
B, como na figura 9. Transladando o triângulo A para a outra
extremidade de R, obtemos o parale-logramo P = A'
B, o qual é TR-eqüidecomponível
com
R. Como vimos nas figuras 4, 5, 6 e 7, o paralelogramo P
é TR-eqüidecomponível
com um retângulo R', cuja base tem comprimento b e é
paralela à reta r.
É natural indagar se é possível
estabelecer para poliedros, no espaço a três dimensões, um teorema análogo
ao de F. Bolyai, que acabamos de provar para polígonos do plano. Na sua
famosa lista de 23 problemas apresentada ao Congresso Internacional de
Matemática em Paris, em agosto de 1900, o grande matemático David Hilbert
incluiu como terceiro problema o seguinte: "Determinar se dois poliedros com
o mesmo volume são sempre eqüideeomponíveis".
Seis meses depois, seu aluno Max Dehn provou que um tetraedro regular e um
cubo com o mesmo volume não são eqüideeomponíveis.
Maiores detalhes sobre o assunto aqui
abordado podem ser vistos no livrinho de
V.
G. Boltyanskii intitulado
Equivalent and equidecomposable figures, publicado por D. C. Heath,
Boston, 1963.
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