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Benedito Tadeu
V.
Freire
O número inteiro 90 pode ser decomposto como produto de inteiros menores que ele: 90=2x9x5. Os números inteiros que não podem ser decompostos dessa forma são chamados de números primos. Isto é, um número inteiro p > 1 é primo se não é possível escrevê-lo como produto de dois inteiros a e b, p = ab, tais que 1 < a < p e 1 < b < p. Se um número inteiro maior que 1 não é primo, dizemos que ele é composto. Exemplo. Os primeiros 20 números primos são: 2, 3, 5, 7, 11, 13, 17, 19, 23, 29, 31, 37, 41, 43, 53, 59, 61, 67, 71 e 73. Uma questão: quantos números primos existem? A resposta apareceu há cerca de 2.300 anos atrás em "Os Elementos" de Euclides. Teorema 1 (Euclides). Existem infinitos números primos. Demonstração: Suponhamos que existe somente um número finito de primos. Sejam p1, p2, p3,..., pk esses números. Consideremos então o número N = p1 p2 p3... pk+ 1 que é um inteiro maior do que 1, portanto um primo ou divisível por um primo. Como p1, p2, p3,..., pk não dividem N (pois, caso contrário, dividiriam 1) então N é primo. Mas isto está em desacordo com a nossa hipótese já que N pi , i = 1, 2, 3, ..., k. Duas questões ocorrem também logo que estudamos os primos: a) Como podemos achar todos os primos menores que um dado inteiro positivo n > 1?
b)
Como decidimos, na prática, se um dado número é primo ou não? (Por
Exemplo.
Aplicando
o que foi dito acima para n = 25: A maneira direta de atacar a questão b) é fazer a divisão de n por inteiros menores que n. Se n for divisível por algum inteiro m, com 1 < m < n, então n é composto. Caso contrário será primo. Se o inteiro n for muito grande, esta verificação, mesmo que se use uma calculadora ou um computador, poderá ser muito trabalhosa. Como contornar essa situação? Pode-se observar que, se p for divisor de n e n a . p, sendo p e a inteiros com p < a, então p2 < ap = n. Portanto, p < . Assim, para verificar se n é primo ou não, basta examinar a divisibilidade de n pelos primos menores do que ou iguais a ?. Exemplo. 1 987 é primo? Verificamos que 44,575. Testamos a divisibilidade de 1 987 pelos primos menores do que ou iguais a 44 e maiores do que 1. A conclusão é que 1987 é primo. Aplicações Quando estudamos a distribuição dos primos na sequência dos números naturais, encontramos resultados interessantes. Por exemplo, existe sómente um par de primos consecutivos: 2 e 3. Quantos pares existem de primos cuja diferença seja igual a 2? Podemos encontrar alguns exemplos como 3 e 5, 11 e 13, 29 e 31, 41 e 43, 59 e 61. São os chamados primos gêmeos — não sabemos ainda se o número desses pares é infinito. Podemos ver também que existem pares de primos p e q, com q > p, tais que q p = 4. Por exemplo, 3 e 7, 7 e 11. Do exame desses casos percebe-se a existência de inteiros consecutivos compostos entre primos. Isto nos permite formular a questão: — dado um inteiro positivo m é possível encontrar m inteiros consecutivos tais que nenhum deles seja primo? Para m dado, basta considerar os m números inteiros consecutivos: (m + 1)! + 2, (m + 1)! + 3, ..., (m + 1)! + (m + 1), onde (m + 1)! é o produto dos (m + 1) inteiros consecutivos 1, 2, 3, 4 .... (m + 1). Verificamos facilmente que (m + 1)! + 2 é divisível por 2, (m + 1)! + 3 é divisível por 3, ..., (m + 1)! + (m + 1) é divisível por (m + 1). Exemplo. Obtemos 6 números inteiros consecutivos, nenhum deles primo, tomando: (6 + 1)! +2, (6 + 1)! + 3, ..., (6 + 1)! + (6 + 1), isto é, os inteiros consecutivos 5 042, 5 043, 5 044, 5 045, 5 046 e 5 047. Esses inteiros são divisíveis, respectivamente, por 2, 3, 4, 5, 6 e 7; portanto não primos. Examinaremos agora uma outra questão que nos dará um resultado interessante usando os argumentos do Teorema 1. Dado um inteiro n, os possíveis restos da sua divisão por 4 são 0, 1, 2 e 3. Neste caso, pelo algoritmo da divisão, n = 4q + r, onde r é o resto da divisão, portanto r=0,1,2ou3. É claro que qualquer número primo p 2 é da forma 4q + 1 ou 4q + 3, já que 4q e 4q + 2 são pares. Do Teorema 1 sabemos que existem infinitos primos diferentes de 2. Portanto, existem infinitos primos da forma 4q + 1 ou 4q + 3. Não é óbvio, a priori, que ambas as afirmações sejam verdadeiras. Mas, para nossa surpresa, isso acontece. Vamos provar, usando os argumentos do Teorema 1, que existem infinitos primos da forma 4q + 3. Para isso, suponhamos a existência de somente um número finito de primos da forma Aq + 3. Sejam p1, p2, p3, ..., pk. esses primos. Tome . Observe que cada pi com i = 1, 2, 3, ..., k não divide N (pois, caso contrário, dividiria 1) e que N é da forma 4q + 3. Como N é maior do que 1, N possui um divisor primo. Algum divisor primo de N tem de ser da forma 4q + 3, pois se todos os divisores primos fossem da forma 4q + 1, TV seria também dessa forma, o que não acontece. Como já vimos, esse divisor primo não pode ser p1 p2, p3, ..., pk. Assim existiria um primo p pi da forma 4q + 3 dividindo N, o que é contrário à nossa hipótese. Imitando a demonstração acima, podemos provar que existem infinitos primos da forma 6q + 5, onde q é um inteiro. O Teorema 1 diz que existem infinitos primos na sequência dos números inteiros positivos. As observações acima mostram que existem infinitos primos em subconjuntos particulares dos inteiros, como, por exemplo, na sucessão aritmética: {4q + 3; q inteiro e q 0} = {3, 7, 11, 15, 19, ...} Esse resultado foi generalizado pelo matemático alemão Peter Gustav Le-jeune Dirichlet (1805-1859). Teorema 2 (Dirichlet). Sejam a e b inteiros primos entre si, isto é, mdc(a, b) = 1. Existem infinitos primos da forma an + b, onde n é inteiro. O resultado de Dirichlet diz não só que o número de primos é infinito, mas também que, se considerarmos subconjuntos particulares de inteiros, como as sucessões aritméticas acima, teremos já nesses subconjuntos uma infinidade de primos. A demonstração do Teorema 2 exige complicados conhecimentos de Análise Matemática. O leitor interessado pode consultar a referência [4] para ver esta demonstração em alguns casos particulares. Uma aplicação do Teorema 2 leva-nos a um resultado obtido pelo matemático polonês W. Sierpinski (ver referências [2] e [3]), que nos mostra, mais uma vez, a forma surpreendente como os primos se distribuem nos inteiros. Teorema 3 (Sierpinski). Dado m inteiro, maior que 1 existe um primo p tal que p 1, p 2, ..., p m são compostos. Demonstração: Vejamos, em primeiro lugar, que existe um primo p tal que p + 1, p + 2, ...,p + m sejam compostos. Para cada m dado, o Teorema 1 garante, em particular, que existe um inteiro primo q maior do que m. Seja a = (q + 1) • (q + 2) • (q + 3) ... (q + m). Se q divide a, então q divide q + i, e, portanto, q divide i , o que é impossível para 0 < i m < q. Então a e q são primos entre si. Pelo teorema de Dirichlet, existe um primo p na sequência an + q. Seja p = (q + 1) • (q + 2) • ...• (q + m) • n + q este primo. Então os números p + 1, p + 2, ..., p + m são m números compostos. Para ampliar este resultado, observemos que, por motivos análogos aos de cima,
é primo com q e se p' for um primo da sequência a'n + q, isto é,
os números p' m, ... p' 1, p' + 1, ... p' + m serão compostos. Assim o número primo p' se encontra na sucessão dos inteiros, "isolado" por m compostos de cada lado.
Bibliografia
[1]
Burton, David
M.
Elementary
Number Theory.
Allyn
Bacon, 1976.
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