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Nas
conversas que freqüentemente mantemos com colegas, sobre problemas do
ensino da Matemática, é comum surgirem relatos de experiências vividas
por cada um de nós, quase todas elas envolvendo formas de apresentação
de determinados tópicos de Matemática elementar. Atendendo
a sugestão de alguns desses colegas, vou procurar reproduzir aqui uma
dessas experiências que vivi e cujo personagem principal é o Professor
Abrão Bloch, que então lecionava no cursinho Anglo-Latino (hoje, Curso
Anglo Vestibulares).
O meu primeiro contacto
com a Teoria dos Determinantes aconteceu
na 2a série do 2°
grau (na época, 2° Científico), lá pelos idos de 1952. O professor
era bastante razoável, mas de modo algum poderia ser classificado como um
grande entusiasta da profissão que escolhera. Assim sendo, ele nos
transmitia de maneira correta, mas um tanto mecânica, um amontoado de
definições
e
propriedades que recebíamos passivamente, sem emoções.
Como o assunto foi iniciado já perto do final do ano letivo, não houve
tempo suficiente para
que fosse completado e, uma vez respondidas as questões da prova final,
ele foi devidamente esquecido. Somente
dois anos mais tarde é que voltei a reencontrá-lo. Na primeira a
aula
sobre o assunto, o Professor Bloch dirigiu-se ao quadro negro e nele
escreveu três sistemas de equações que, não de maneira exata (afinal
já se passaram mais de 30 anos) mas, dentro do mesmo espírito,
reproduzo a seguir.
Convidou
então um aluno para que fosse ao quadro e resolvesse os três sistemas
pelo método da adição. Os resultados encontrados foram os seguintes: Sistema I : x = 3 e y = 2 O
professor pediu então que comentássemos o que acabara de acontecer no
quadro negro. Como permanecêssemos em silêncio, ele falou: — Acho que os senhores concordarão comigo que o mesmo método, aplicado em idênticas condições a esses três sistemas, produziu resultados bastante diversos. Com relação ao sistema I, o método forneceu um resultado que facilmente podemos verificar ser uma solução do sistema. Quando aplicado ao sistema II, o método nos contou algo que já sabíamos: 0 = 0. Finalmente, no sistema III, ele nos conduziu a uma igualdade que sabemos não ser verdadeira. —
Quem os senhores acham que são os culpados por esse comportamento tão
distinto dos três sistemas, frente ao método da adição? É claro que
o x e o y são inocentes pois eles são os mesmos nos três
sistemas. Por exclusão, os culpados devem ser os números que aparecem
do lado direito da igualdade e ao lado do x e do y. Vamos
portanto separá-los do x e do y que não têm nada com a
história, e, como culpados, devem ser presos. Vamos colocá-los na
"cadeia", prendendo-os entre duas barras. Assim, por exemplo,
para o sistema III, a "cadeia" incompleta (só dos
coeficientes de x e y) e a "cadeia" completa ficariam
assim:
— Essas "cadeias" vão ser definidas mais tarde, com o nome de matrizes. Nas próximas aulas nós vamos estudar propriedades de matrizes com o objetivo de utilizá-las para discutir, classificar e, quando possível, resolver sistemas de equações lineares. O
efeito dessa introdução nos estudantes foi altamente positivo e as aulas
seguintes foram dadas num ambiente bastante diverso daquele que eu encontrara
dois anos antes. Em defesa do meu professor do colegial, poder-se-ia
argumentar que o tempo foi insuficiente para que ele pudesse mostrar aos
alunos as aplicações mais interessantes da teoria. Mas, mesmo que o
tempo tivesse sido suficiente, o eventual interesse que ele poderia
despertar com essas aplicações chegaria muito tarde para aqueles que
desanimaram no início. Ao
nosso ver, essa pequena história mostra bem a importância de que o
professor conheça a fundo o assunto que vai transmitir e além disso,
tenha também um grande entusiasmo pelo exercício da profissão que
escolheu. São esses dois fatores que fazem com que, quase
inconscientemente, ele esteja sempre procurando novas formas de transmitir
aos seus alunos, não apenas a informação correta, mas também uma
pequena parcela do entusiasmo que ele sente.
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