O que é um número
transcendente?  

Roberto C. F. Costa
Instituto de Matemática e Estatística – USP
Cx. P. 20.570
01000 – São Paulo - SP  

Desde que o homem conseguiu um grau razoável de civilização, ele começou a interessar-se por problemas de medidas de comprimentos, áreas, etc.. Isto foi a origem da Geometria. Um problema particularmente importante, foi o cálculo do comprimento de uma circunferência cujo diâmetro era conhecido. O primeiro fato importante notado pelos geômetras da antiguidade foi que “quanto maior o diâmetro maior o comprimento”, mais ainda, que o comprimento da circunferência é proporcional ao seu diâmetro. Se indicarmos por C o comprimento e por D o considerada. Medidas experimentais mostravam que esta constante era um pouco maior do que 3. Os geômetras antigos usaram, com muito sucesso, valores aproximados para esta constante, como por exemplo, 22/7.

Hoje sabemos que esta constante é um número real muito famoso (e complicado...) chamado , aproximadamente igual a 3,141592... .

Uma tabela com aproximações do número p, obtidas quando se substitui o comprimento da circunferência pelos comprimentos de polígonos regulares de n lados inscritos e circunscritos a esta circunferência, encontra-se no volume dois do texto “Matemática Aplicada” de Trotta, Imenes e Jakubovic (v. Livros, neste mesmo número da Revista) à página 106. Nesta tabela, chega-se aos valores

3,1415 < < 3,1416

com polígonos de 500 lados. O leitor entenderá melhor esta construção ao ler todo o parágrafo 10, que trata do comprimento da Circunferência, com início na página 102. Lembramos que os significa que o número racional x é solução da equação de 1° grau nx = m, cujos coeficientes n e m são inteiros. No entanto, existem muitos números reais que não são racionais e por isso são chamados irracionais. Dentre estes, alguns são relativamente simples, como por exemplo x2 – 6 = 0, x3 – 4 = 0, 3x2 – 2 = 0, respectivamente.

Por essa razão eles são chamados de irracionais algébricos. Vamos deixar claro o que é um número algébrico: é um número real que satisfaz alguma equação da forma

a0xk + a1xk-1+ ... + ak-1x + ak = 0

onde os números a0, a1, ... ak são inteiros. Vejamos mais um exemplo de irracional algébrico:

Sendo

temos

e daí

e portanto, elevando ao quadrado novamente

ou seja

O cálculo que fizemos mostra que  é raiz da equação  e portanto é algébrico. Verifique você mesmo que  é irracional!

Mas acontece que muitos números irracionais não são algébricos. Por isso são chamados de irracionais transcendentes. Estes não são raízes de equações do tipo

a0xk + a1xk-1+ ... + ak-1x + ak = 0

como acima. Afinal, o p é o quê? Racional ou Irracional? Se for irracional, é algébrico ou transcendente? A resposta a esta pergunta foi dada em 1881 por um matemático chamado Lindemann que provou: p é transcendente.

Resumo desta pequena história: nos primórdios da Matemática já apareciam números muito “complicados” que só viriam a ser bem compreendidos no século XIX quando os matemáticos começaram a preocupar-se com a boa fundamentação da própria Matemática. Sabemos que existem “muito mais” números transcendentes do que algébricos. Em outra ocasião, explicaremos o significado desta frase.

Sabemos também que os números racionais estão “bastante espalhados”, isto é, perto de cada número irracional (tanto faz algébrico como transcendente), sempre existe um número racional. Isto significa que, para efeito de aplicações práticas da Geometria, podemos tomar aproximações racionais de , como por exemplo, 3,1416. Como dissemos, os geômetras da antiguidade usaram 22/7 como aproximação de p e 22/7 = 3,1428... .
 

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(1) -Para provar que não é racional, verifique que se , com m e n inteiros positivos, então m2 = 2n2, o que nos leva a uma contradição porque, enquanto, na decomposição em fatores primos, m2 admite um número par de fatores 2 (que pode ser 0), o número 2n2 admite um número ímpar destes fatores. Modificando um pouco este raciocínio, mostra-se que os demais números citados: não podem ser racionais.

 

N. da R.

O texto de Djairo G. de Figueiredo, “Números Irracionais e Transcendentes”, da Coleção Fundamentos da Matemática Elementar (v. anúncio na segunda contra-capa deste número da Revista) consiste numa exposição sobre a irracionalidade de certos números reais, a construção de alguns números transcendentes e a transcendência de e, e outros. Este é um campo em que os problemas têm enunciados, quase sempre, de fácil compreensão, mas alguns deles, surpreendentemente, exigem técnicas mais elaboradas em suas soluções, algumas delas acima do conhecimento do estudante regular do segundo grau. Este texto, entretanto, é de leitura acessível a quem tenha formação equivalente à dos programas de Cálculo Diferencial e Integral dos cursos de Licenciatura.