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Geraldo
Ávila
Os tamanhos do Sol e da Lua e as
distancias desses astros à Terra já eram calculados na antiguidade, séculos
antes de Cristo; mas poucas pessoas sabem como eram feitos esses cálculos. Eles
se baseiam em idéias que são muito simples e geniais ao mesmo tempo e que estão
intimamente ligadas a noções fundamentais de Geometria, como semelhança de
triangulo e proporcionalidade, servindo, pois, como excelente motivação ao
estudo dessa disciplina. Por isto mesmo essas questões devem ser divulgadas, já
que elas ainda não aparecem nos livros de 1º e 2º graus.
Para constatar que o Sol está mais distante da Terra que a Lua, basta observar atentamente as várias fases da Lua. Se ela estivesse mais longe de nós que o Sol, então, por simples análise de suas várias posições relativamente ao Sol e à Terra (a Fig. 1 ilustra quatro dessas posições), concluímos que ela estaria sempre iluminada pelo Sol quando vista da Terra. Em particular, não haveria lua nova! E haveria duas posições da Lua, em 1 e em 3, onde ela seria lua cheia, esta última em pleno meio-dia, o que nunca acontece realmente. A hipótese contrária, de que o Sol está mais distante da Terra que a Lua, é a única compatível com as várias fases da Lua, em particular com a ocorrência de luas novas. Outro fato a corroborar esta hipótese é a ocorrência de eclipses do Sol, que só são possíveis com a Lua mais próxima da Terra que o Sol.
Para descobrir quão mais distante que a Lua se encontra o Sol, devemos aprofundar um pouco mais nossa observação do ciclo lunar. O que vamos descrever agora é o método que o sábio grego Aristarco de Samos (séc. III A.C.), da escola de Alexandria, usou para comparar as distâncias da Terra à Lua e da Terra ao Sol. Existem duas posições da Lua em sua órbita, o “quarto crescente” e o “quarto minguante”, quando o disco lunar apresenta-se, para um observador terrestre, com metade iluminada e outra metade escura (Fig. 2). Quando isso acontece, o triangulo Terra-Lua-Sol é retângulo, com ângulo reto no vértice ocupado pela Lua. Qualquer pessoa pode fazer uma observação simples e notar que nessa configuração o ângulo = (Fig. 3) é muito próximo de 90º , indício de que o Sol está efetivamente muito mais longe da Terra que a Lua. Esse fato é facilmente notado ao nascer e ao pôr do Sol, evidentemente com a Lua em quarto crescente ou quarto minguante (meia-lua), como ilustra a Fig. 3. Aristarco teria medido esse ângulo , encontrando para ele o valor de 87º. Então, o ângulo = seria de 3º. Basta agora construir um triangulo retângulo com esses ângulos e verificar o valor da razão TS/TL, que é a mesma para todos os triângulos a ele semelhantes. Aristarco verificou que essa razão estava compreendida entre 18 e 20, de sorte que a distância da Terra ao Sol cerca de vinte vezes a distancia da Terra à Lua. Voltemos a considerar o problema de medir o ângulo a (Fig. 2). Na verdade é mais fácil calcular esse ângulo do que medi-lo diretamente. Basta observar o tempo gasto pela Lua para completar uma volta em torno da Terra e o tempo de passagem de minguante a crescente; com estes dados uma proporção simples resolve o problema. O ciclo lunar dura 29,5 dias e, ao que tudo indica, Aristarco teria observado que a passagem de minguante a crescente durava 14,25 dias, um dia menos que a passagem de crescente a minguante. Admitindo uma velocidade uniforme da Lua em sua órbita, os ângulos descritos pelo seu raio vetor são proporcionais aos tempos gastos nos deslocamentos correspondentes. Então, com referencia à Fig. 2, podemos escrever
logo TS = 18,8 TL.
É preciso que se diga que o resultado de Aristarco está muito longe do valor correto, pois sabemos hoje que a distância da Terra ao Sol é a cerca de 400 vezes a distancia da Terra à Lua. Em conseqüência, o ângulo a está próximo a 89,86º, portanto muito perto de 90º! Os raios solares que se dirigem à Terra à Lua são praticamente paralelos. Isto põe o problema de explicar como Aristarco teria chegado ao calculo de a . Ao que parece, a diferença que ele teria notado entre o tempo gasto pela Lua numa volta completa em torno da Terra e o tempo para ir de minguante a crescente se deve à peculiaridade do movimento da Lua naquela época, conforme G. Abell em seu livro ([1], p.21).
Aristarco observou que o Sol e a Lua têm o mesmo “tamanho angular”. Em outras palavras, o ângulo 2 sob o qual um observador terrestre vê o Sol é o mesmo sob o qual ele vê a Lua (Fig. 4). Esse fato, aliás, é comprovado pela observação de um eclipse total do Sol. De fato, quando ocorre tal eclipse, o disco lunar coincide com o disco solar, encobrindo-o por inteiro. Aristarco estimou o ângulo 2 da Fig. 4 como sendo 2º; na verdade ele é de cerca de apenas 0,5º. Mas isto, como o leitor deve notar, não prejudica o resultado que obteremos a seguir, baseado na semelhança dos triângulos TLL’ e TSS’. Esta semelhança nos permite escrever
isto é, os raios do Sol e da Lua estão entre si como as distancias TS e TL respectivamente. Mas, pelo que vimos anteriormente.
de sorte que SS’ 20 LL’, segundo Aristarco, ou seja, o raio do Sol, é aproximadamente a vinte vezes o raio da Lua. Tendo em vista referências futuras, vamos resumir aqui resultados já obtidos. Sejam DS = TS (Fig. 4) a distância da terra ao Sol, DL = TL a distância da Terra à Lua, RS = SS’o raio do Sol e RL = LL’o raio da Lua. Então:
onde, para Aristarco, 1º e b 20, quando, na realidade, 0.25º e b = 400.
Fig. 4.
Para relacionar as distâncias e os tamanhos do Sol e da Lua a raio da Terra, Aristarco observou o que acontece durante um eclipse da Lua, quando este satélite atravessa o cone de sombra da terra (Fig. 5). Pelo tempo gasto nessa travessia, ele calculou que o diâmetro do cone de sombra da Terra, na altura da Lua, era 8/3 do diâmetro da Lua. Na Fig. 6. L, T, S são os centros da Lua, da Terra e do Sol, respectivamente; LH = RL, TC = RT e SA = RS são os respectivos raios; LD é o raio do cone de sombra da altura da Lua, de sorte que LD = 8RL/3. Da semelhança dos triângulos DFC e CEA resulta:
Fig. 5.
Fig.6. Mas CF = TC-TF = RT -LD = RT-8RL/3; DF = DL; AE = AS-SE = RS-RT; CE = DS. Substituindo estes valores na igualdade anterior,
Da seção anterior temos que DS=bDL, RS = aDS = abDL, RL = adL de sorte que a igualdade anterior pode ser escrita na forma
Daqui segue-se que
ou ainda
Então,
Deste modo, substituindo a = tg 1° 0,017 e b 20, podemos obter as quatro grandezas, DL, DS, RS, e RL, em termos do raio da Terra RT, com os dados de Artistarco:
Ao contrário, com os valores mais corretos a = tg 1/4° 0,0044 e b= 400, encontramos valores bem próximos dos valores modernos:
Os cálculos que vimos descrevendo encontram-se num livro de Aristarco, intitulado “Sobre os tamanhos e distâncias do Sol e da Lua”. Esta é a única obra de Aristarco que chegou até nós. Dela existe uma primorosa edição comentada, com uma história da Astronomia Grega até os tempos de Aristarco, devida ao eminente historiador da ciência Thomas Heath. [3] Mais acessível para o leitor menos experiente são: o cap. 10 de Boyer [2], o cap. 2 de Abell [1] E os dois primeiros capítulos de Polya [4].
Pelo que vimos até agora, basta saber o raio da Terra para podermos calcular os tamanhos e as distâncias a que se encontram o Sol e a Lua.
Foi Eratóstenes (276-196 A.C.), outro sábio de
Alexandria, quem fez o cálculo do raio da Terra mais célebre da antiguidade. Era
sabido que quando o Sol se encontrava mais ao norte (solstício de inverno, para
nós, habitantes do hemisfério Sul), os raios solares caiam verticalmente, ao
meio dia, na localidade de Siene, hoje Assua, pois a imagem do Sol podia ser
vista refletida nos poços mais fundos daquela cidade. Ao mesmo tempo, em
Alexandria, os raios solares caiam inclinadamente, fazendo um ângulo aproximado
de 7,2° com a vertical
onde R é o raio da Terra. Como a distância de Alexandria a Siene era conhecida e igual a 45 000 estádios, podemos calcular a circunferência terrestre:
Até hoje não se sabe ao certo o valor do estádio usado por Eratóstenes. Segundo uma interpretação, esse estádio seria de aproximadamente 185 metros, o que dá para o raio da Terra o valor (note-se que 2 6,28) Km. O valor atual, no equador, é de 6378 km, mostrando que o resultado de Eratóstenes é bastante razoável.
Cláudio Ptolomeu foi o último grande astrônomo da antiguidade. Sua famosa obra, o Almagesto, inclui, além de suas contribuições próprias, as de seus vários predecessores. Pelos muitos fatos citados nesse livro, dentre eles vários eclipses, infere-se que Ptolomeu teria vivido por volta do ano 150 de nossa era. Ptolomeu propôs um método bastante engenhoso e simples para calcular a distância da Terra à Lua. Para isso imaginemos que um observador em A (Fig.8) veja a Lua na posição L, sobre a vertical de A. Depois de um certo tempo t, o observador passa da posição A à posição A’, devido ao movimento de rotação da Terra. Ao mesmo tempo a Lua passará à posição L’. Como os ângulos e são conhecidos (pois os movimentos da Terra e da Lua são conhecidos), também é conhecido o ângulo . O ângulo a é medido diretamente, o que permite conhecer seu suplementar . Assim, o triângulo CA’L’ fica completamente determinado pelo lado CA’ = R (raio da aTerra) e os ângulos e g. Portanto, a distância CL’ da Terra à Lua pode ser determinada em termos de R.
Referências bibliográficas[1] G. O. Abell, Exploration of the Universe, Holt, Rinehart and Winston (1975). [2] C. B. Boyer, História da Matemática, Editora Edgard Blücher Ltda. (1974). [3] T. Heath, Aristarcus of Samos, Oxford University Press (1959). [4] G. Pólya, Mathematical Methods in Science, the Mathematical Association of America (1977).
N. da R. Somos freqüentemente procurados por estudantes à busca de novas idéias para serem apresentadas nas Exposições de Ciências. Achamos que, com um pouco de imaginação e alguns cartazes ou maquetes, as perguntas e respostas deste artigo se constituem em material interessante para essas Exposições. |