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Elon Lages Lima Minha intenção aqui é a de apresentar opiniões e esclarecimentos sobre pontos controvertidos, duvidas, dificuldades e questões em geral que preocupem o professor de Matemática. Os assuntos de que tratarei, gostaria que fossem sugeridos pelo leitor, motivados por seu desejo de aprimorar-se, provocados por sua curiosidade, suscitados às vezes por sua perplexidade diante de opiniões divergentes. Prefiro e darei sempre prioridade a questões relativas à Matemática propriamente dita, embora possa eventualmente discutir problemas correlatos, como os didáticos, por exemplo, por favor, dirijam sua correspondência a mim no seguinte endereço: Enquanto não chegam as indagações dos leitores, vamos começar com algumas perguntas que me foram feitas, em diferentes ocasiões e lugares, por pessoas interessadas em ensinar Matemática.
Sim e não. Incluir ou não o número 0 no conjunto N dos números naturais é uma questão de preferência pessoal ou, mais objetivamente, de convivência. O mesmo professor ou autor pode, em diferentes circunstâncias, escrever 0 N ou 0 N. Como assim? Consultemos um tratado de Álgebra. Praticamente em todos eles encontramos N = {0, 1, 2,...}. Vejamos um livro de Análise. Lá acharemos quase sempre N = {1, 2, 3,...} Por que essas preferências? É natural que o autor de um livro de Álgebra, cujo principal interesse é o estudo das operações, considere zero como um numero natural pois isto lhe dará um elemento neutro para a adição de números naturais e permitirá que a diferença x - y seja uma operação com valores em N não somente quando x > y mas também se x = y. assim, quando o algebrista considera zero como número natural, está facilitando a sua vida, eliminando algumas exceções.
Por outro lado, em Análise, os números
naturais ocorrem muito freqüentemente como índices de termos numa seqüência. Uma
seqüência (digamos, de números reais) é uma função x: Para encerrar este tópico, uma observação sobre a nomenclatura matemática. Não adianta encaminhar a discussão no sentido de examinar se o número zero é ou não “natural” (em oposição a “artificial”). Os nomes das coisas em Matemática não são geralmente escolhidos de modo a transmitirem uma idéia sobre o que devem ser essas coisas. Os exemplos abundam: um número “imaginário” não é mais nem menos existente do que um número “real”; “grupo” é uma palavra que não indica nada sobre seu significado matemático e, finalmente, “grupo simples” é um conceito extremamente complicado, a ponto de alguns de seus exemplos mais famosos serem chamados (muito justamente) de “monstros”.
Meu saudoso professor Benedito de Moraes costumava explicar, a mim e a meus colegas do segundo ano ginasial, as “regras de sinal” para a multiplicação de números relativos da seguinte maneira: 1ª) o amigo do meu amigo é meu amigo, ou seja, (+)(+) = +; 2ª) o amigo do meu inimigo é meu inimigo, isto é, (+)(-) = -; 3ª) o inimigo do meu amigo é meu inimigo, quer dizer, (-)(+) = -; e, finalmente, 4ª) o inimigo do meu inimigo é meu amigo, o que significa (-)(-) = +. Sem dúvida esta ilustração era um bom artifício didático, embora alguns de nós não concordássemos com a filosofia maniqueísta contida na justificação da quarta regra (podíamos muito bem imaginar três pessoas inimigas entre si). Considerações sociais à parte, o que os preceitos acima dizem é que multiplicar por – 1 significa “trocar o sinal” e, evidentemente, trocar o sinal duas vezes equivale a deixar como está. Mais geralmente, multiplicar por – a quer dizer multiplicar por (-1) a, ou seja, primeiro por a e depois por – 1, logo multiplicar por –a é o mesmo que multiplicar por a e depois trocar o sinal. Daí resulta que (-a)( -b) = ab. Tudo isto está muito claro e as manipulações com números relativos, a partir daí, se desenvolvem sem maiores novidades. Mas, nas cabeças das pessoas mais inquisidoras, resta uma sensação de “magister dixit”, de regra outorgada pela força. Mais precisamente, insinua-se a dúvida: será possível demonstrar, em vez de impor, que (-1)(-1) = 1? Não se pode demonstrar algo a partir do nada. Para provar um resultado, é preciso admitir uns tantos outros fatos como conhecidos. Esta é a natureza da Matemática. Todas as proposições matemáticas são do tipo “se isto então aquilo”. Ou seja, admitindo isto como verdadeiro, provamos aquilo como conseqüência. Feitas estas observações filosóficas, voltemos ao nosso caso. Gostaríamos de provar que (-1)( -1) = 1. Que fatos devemos admitir como verdadeiros para demonstrar, a partir deles, esta igualdade? De modo sucinto, podemos dizer que (-1)(-1) =1 é uma conseqüência da lei distributiva da multiplicação em relação à adição, conforme mostraremos a seguir. Nossa discussão tem lugar no conjunto Z dos números inteiros (relativos), onde cada elemento a possui um simétrico (ou inverso aditivo) –a, o qual cumpre a condição –a+a=a+(-a)=0. Daí resulta que simétrico –a, é caracterizado por essa condição. Mais explicitamente, se b+x = 0, então x = -b, como se vê somando –b a ambos os membros. Em particular, como –a+a = 0, concluímos que a = - (- a), ou seja, que o simétrico de –a é a Uma primeira conseqüência da distributividade da multiplicação é o fato de que a.0 = 0, seja qual for o número a. Com efeito, a + a.0 = a .1 + a.0 = a (1 + 0) = a.1 = a = a + 0.
Assim,
logo Agora podemos mostrar que (-1) . a = -a para todo número a.
Com efeito,
logo ou seja, (-1)a = -a.
Em particular,
Daí resulta, em geral que
pois
A resposta mais simples é: 00 é uma expressão sem significado matemático. Uma resposta mais informativa seria: 00 é uma expressão indeterminada. Para explicar estas respostas, talvez seja melhor examinar dois exemplos mais simples de igualdades significariam que 0 = 0.x e 1 = 0.y. Ora, TODO número x é tal que 0.x = 0 e a 0 é impossível.) Voltando ao símbolo 00, lembramos que as potências de expoente zero foram introduzidas expressão indeterminada. Esta conclusão é ainda reforçada pelo seguinte argumento: como 0y = 0 para todo y 0. seria natural pôr 00 = 0; por outro lado, como x0 = 1 para todo x 0 seria também natural por 00 = 1. Logo, o símbolo 00 não possui um valor que se imponha naturalmente, o que nos leva a considera-lo como uma expressão indeterminada.
As explicações acima têm caráter elementar
e abordam o problema das expressões indeterminadas a partir da tentativa de
estender certas operações aritméticas a casos que não estavam enquadrados nas
definições originais dessas operações. Existe, porém, uma
Analogamente, dado o priori qualquer numero real c>0, podemos achar funções f, g tais que dado de antemão, desde que escolham os convenientemente as funções f e g. Então se diz que 00 é uma expressão indeterminada. Nosso quarto tópico é uma pergunta enviada pela professora Susi Pozza, de Piraju, SP. Podemos resumi-la assim:
Explica a Professora Susi que os guias curriculares para as matérias do 1º grau orientam os professores a não fazer distinção entre circunferência e círculo, alegando que não há tal diferenciação no caso de polígonos (fala-se tanto no perímetro como na área de um polígono). Mas todos os livros de 2º grau que a professora já viu fazem a distinção: circunferência é a linha, circulo é a região limitada pela circunferência. Daí sua perplexidade. No meu caso pessoal, Susi, ocorreu o oposto, ou quase. No ginásio e no colégio me ensinaram a distinguir entre circunferência e círculo. Na universidade, e em livros estrangeiros mais avançados, essa diferença desapareceu. Para ser mais exato, o que desapareceu quase inteiramente foi a palavra “circunferência”. Quanto ao termo “círculo” ele tornou-se ambíguo (como “polígono”); ora quer dizer a curva, ora a região por ela limitada. Para livrar-se da ambigüidade, quando isso é necessário, costuma-se usar a palavras “disco” para significar a região do plano limitada por uma circunferência . Aí não resta dúvidas. Em resumo: circunferência e disco são palavras de sentido bastante claro, cada uma com um único significado na língua portuguesa. Por outro lado, círculo é uma palavra que tanto pode ser empregada no sentido de circunferência como no sentido de disco. (Paciência...) Quanto à orientação dada pelos guias curriculares, ela contém uma atitude bem razoável. Afinal de contas, não é só “polígono” que quer dizer tanto a linha poligonal como a região que ela limita. Também poliedro, prisma, cilindro, esfera, etc, às vezes são superfícies (pois têm área) e às vezes são corpos sólidos, pois têm volume. No caso da esfera, a palavra bola pode ser usada para significar o sólido, ficando esfera para a superfície mas nos outros casos não há distinção. O melhor a fazer na sala de aula é aceita a terminologia do livro adotado, que deve ser sensata. (Se não for, troque o livro). Caso ache necessário, esclareça aos alunos que a nomenclatura não é universal, havendo quem prefira outros nomes para indicar as mesmas coisas. O mais importante é ser coerente com a linguagem que você escolheu, a fim de evitar mal entendidos. Lembrar sempre o que Humpty Dumpty falou para Alice (no País das Maravilhas): “Quando eu uso uma palavra, ela significa exatamente aquilo que eu decidi que ela significasse – nem mais nem menos”. (E lembrar de avisar aos seus ouvintes qual foi esse significado escolhido.) |