Luis Marcio Pereira Imenes e
José Jakubovic
Rua Mar Paulista, 574
04464 – Santo André – SP

Pra que serve isto, professor ?

Onde vou usar isto, professora ?

Todos nós, professores de matemática, já ouvimos estas perguntas em sala de aula.

E foram poucas às vezes em que conseguimos dar a elas uma resposta que satisfizesse e convencesse o aluno.

As respostas clássicas que costumamos dar são estas:

         mais tarde você vai usar na física.

         Se você quer estudar engenharia precisa saber isto.

         Estude porque mais tarde vai cair no vestibular.

Com estas respostas a gente mais se livra do problema do que atende realmente a uma justa  curiosidade do aluno.

É fácil entender por que não temos respostas satisfatórias para estas perguntas. Ensinamos o que aprendemos e a matemática que aprendemos também é desligada da realidade. Nós também, muitas vezes, não sabemos para que serve a matemática, embora saibamos que ela serve para alguma coisa.

É preciso romper o ciclo vicioso e esta seção da revista tentará colaborar neste sentido. Vamos ver para que servem certos temas matemáticos estudados no primeiro e no segundo grau.

Entretanto melhor que dar um peixe é ensinar  a pescar. Nós, autores deste artigo, temos conseguido algumas respostas para a pergunta: pra que serve isto ou aquilo na matemática? Gostaríamos de contar aos nossos colegas como temos conseguido isto.

O mundo está à nossa volta e a matemática está presente nele, cotidianamente, nas atividades de muitas pessoas. É preciso sair em busca disso e conversar com outras pessoas. Desenhistas mecânicos, projetistas, agrimensores, engenheiros, mestres de obra, comerciantes, bancários, ferramenteiros, torneiros, mecânicos e outros utilizam muito a matemática nas suas atividades profissionais. Interrogá-los e saber que matemática usam é uma experiência bastante rica.

Essa é uma sugestão aos colegas que trabalham com alunos adolescentes ou adultos em cursos noturnos principalmente (por exemplo nos cursos supletivos). Muitos deles trabalham naquelas profissões que relacionamos acima. Peçam-lhes que tragam os problemas que enfrentam nos seus trabalhos e que usam a matemática.
 

Temos feito e aos poucos têm aparecido problemas interessantes, onde surge uma matemática viva, presente no trabalho diário daquelas pessoas. Os alunos gostam disso. Passam até mesmo a contar conosco para a resolução de problemas que lhes surgem no seu trabalho.

Certa vez um aluno nos procurou apresentando o seguinte problema: o desenho a seguir é o perfil de uma peça usada na fabricação de bacias de plástico.

Para fundir as bacias é necessário fazer um molde e antes disso é necessário projetá-lo, desenhá-lo, conhecer suas dimensões.

O problema que ele me pedia para resolver era este: conhecidas as medidas indicadas no esquema, calcular h.

Este problema pode ser resolvido usando os métodos da geometria analítica.

Aproveitando a simetria da figura vamos escolher um sistema de coordenadas assim:

Nestas condições, temos:

A (10;0), B (20;10), C (x;10+h) e 
CA = CB = 20.

Vamos calcular as distâncias CA e CB:

ou

Fazendo (1) – (2) vem: 20x200+20x-200+20h=0

Donde: x 10 + h=0

Logo: x =10 – h                      (3)

 

Substituindo (3) em (2) chegamos a:

Resolvendo esta equação do segundo grau e  lembrando que h 0 obtemos: h = 8,2 cm.

Veja bem, este não é simplesmente um exercício de matemática. Com um exemplo destes é possível mostrar ao aluno onde serve a matemática.

É claro que nem sempre é fácil responder a pergunta: para que serve isto, professor?

Em alguns capítulos da matemática esta resposta é realmente complicada. Por exemplo: para que estudar os polinômios? Para que aprender a dividir polinômios? Talvez neste caso não haja outro jeito senão dizer ao aluno que o conhecimento dos polinômios é  necessário no estudo de certas equações (é  fácil mostrar a importância prática de se saber resolver equações). Nossa experiência revela  que o aluno não se aborrece quando, às vezes,  lhe damos a resposta: “isto será usado mais adiante”. O que não o convence é ouvir esta resposta o tempo todo.

Além disso, vivemos num mundo extremamente utilitarista, onde as coisas têm sempre que servir a um fim material especifico. No entanto, o homem continua gostando de fazer certas coisas que não têm utilidade imediata, no sentido utilitarista do termo. A arte é um exemplo disto.

Às vezes, na matemática, estudamos certos assuntos, resolvemos certos problemas, simplesmente com a intenção de vencer desafios, brincar com a matemática, divertir-nos com ela. Esta dimensão também deve ser mostrada ao aluno: é possível sentir prazer brincando com a matemática.

 

     A Matemática e o caipira

Esta história tem dois personagens: o caipira e o advogado e ela me foi contada por um amigo do advogado. Passa-se há sete ou oito anos atrás, nas proximidades de São Paulo.

Vai lá um dia em que nosso amigo advogado resolve comprar um sitio, de poucos alqueires, com a intenção de construir uma casa e nela passar seus fins de semana. Como não havia nascente no sitio, resolveu mandar cavar um poço, quando ficou sabendo que seu  vizinho, um caipira que ali morava há muito tempo, tinha em sua propriedade uma nascente  com água boa e farta. Procurou o vizinho e fez a proposta:

- Eu instalo um cano de uma polegada de diâmetro na sua nascente, conduzo a água para o meu sitio e lhe pago x cruzeiros por mês.

A proposta foi aceita na hora.

Passa-se o tempo e o advogado resolve implantar no sitio uma criação racional de porcos e, para isso, iria precisar de mais água. Voltou a procurar o caipira e lhe propôs trocar o cano de uma polegada por um outro de duas polegadas de diâmetro e pagar 2x cruzeiros por mês a ele.

O caipira escutou a proposta, não deu resposta imediata, pensou, e passados alguns minutos respondeu que não aceitava a proposta.
 

- Mas, como? Perguntou o advogado. Tem água sobrando, por que não me vende mais e  assim também ganha mais?

-  É que num tá certo, retrucou o caipira, e explicou com um gesto.

A água que vosmecê me paga passa por aqui:

e vosmecê qué me pagá o dobro.

Acontece que o cano que ocê vai ponha é assim:

Pois é, quem me paga a água que passa por aqui.

e a que passa por aqui?

Com a nossa linguagem a questão fica assim: um círculo de diâmetro 1 cabe 2 vezes num circulo de diâmetro 2 e ainda fica sobrando espaço:

Ou ainda: se o diâmetro de um circulo dobra, sua área não dobra. Ela “mais que dobra”.

O que o caipira não tinha condições de perceber era que o pagamento correto seria 4x (quando duas figuras são semelhantes a razão entre suas áreas é igual ao quadrado da razão entre seus comprimentos correspondentes). Mas para perceber que 2x é pouco basta visualizar um cano dentro do outro.