Luiz Gustavo Martins Dos Santos
ORIENTAÇÃO: Gilcelia Regiane de Souza

INTRODUÇÃO

O professor de Matemática, durante sua prática pedagógica, tem como grande desafio mostrar a Matemática no cotidiano do estudante. Ao propor uma investigação sobre jogos de loteria em uma turma de ensino médio, tive oportunidade de presenciar uma enriquecedora discussão entre os alunos que acabou propiciando o estudo sobre o primeiro Lema de Kaplansky1. Esse conteúdo geralmente é estudado em cursos mais avançados sobre combinatória, mas a investigação proposta motivou os alunos e o conteúdo foi tranquilamente assimilado por todos.

Durante uma aula de probabilidade, um aluno diz que, para ganhar na Mega Sena, não devemos jogar números consecutivos, ou seja, se o número 21 for sorteado, dificilmente será sorteado o número 22, ou seja, seria muito difícil acontecer uma sequência de seis números em que haja ao menos um par de consecutivos. Outro aluno discorda da opinião do colega e diz que o pai dele sempre joga três números consecutivos. Então, formulo a seguinte questão aos alunos:

Dado que a Mega Sena apresenta um conjunto com 60 números, de quantas maneiras podemos formar subconjuntos, ou sequências de seis elementos, de modo que nenhum dos elementos seja consecutivo?

A pergunta, motivada pela discussão em sala, pode ser investigada por meio do primeiro lema de Kaplansky [1], que diz:

O número de subconjuntos de p elementos de {1, 2, 3, ..., n} nos quais não há números consecutivos, que denotamos por F(n,p), é

Aproveitando a discussão com meus alunos, propondo que comecem a pensar melhor sobre o assunto por meio de um problema menor do que o da Mega Sena, como, por exemplo:

Dado A = {1, 2, 3, 4, 5}, de quantos modos é possível formar um subconjunto de dois elementos nos quais não haja números consecutivos?

Os alunos facilmente listam os subconjuntos:

No problema original da Mega Sena, temos um conjunto de 60 elementos e queremos encontrar o total de subconjuntos de seis elementos nos quais não haja números consecutivos. Descobrir o total procurado por meio da listagem de todos os casos é uma tarefa muito trabalhosa e, portanto, talvez devêssemos voltar ao caso simplificado com o objetivo de encontrar uma estratégia que possa ser generalizada e, posteriormente, aplicada à resolução do problema da Mega Sena.

Dessa forma, nossa estratégia será a de marcar com o sinal (+) os elementos que farão parte do subconjunto e com o sinal (–) os números que não estarão no subconjunto em questão. Podemos, assim, representar cada subconjunto de dois elementos como uma sequência de cinco símbolos: dois sinais de + e três sinais de –. Por exemplo, no problema simplificado, o conjunto {1, 3} será representado pela sequência + – + – –, já que apenas o primeiro e o terceiro termos da sequência (1, 2, 3, 4, 5) fazem parte do conjunto.

De forma análoga, o conjunto {1, 4} será representado pela sequência + – – + – porque apenas o primeiro e o quarto termos da sequência (1, 2, 3, 4, 5) fazem parte do conjunto. Segue, portanto, que as representações serão:

Note que representações como + + – – – ou – + + – – não implicariam soluções do problema por indicarem subconjuntos de {1, 2, 3, 4, 5} com números consecutivos; no caso, {1, 2} e {2, 3}, respectivamente.

Observe que, para formar um subconjunto com dois elementos não consecutivos, devemos colocar 3 sinais (–) e 2 sinais (+) “em fila”, sem que haja 2 sinais (+) consecutivos. Conseguimos isso colocando 3 sinais (–) e deixando espaços entre eles. Como há 4 espaços disponíveis, chegamos a um total de 6 subconjuntos de 2 elementos não consecutivos, calculando .

Generalizando o raciocínio, queremos formar subconjuntos de p elementos não consecutivos partindo de um conjunto {1, 2, 3, ..., n} de n elementos, n > p. De maneira análoga ao problema simplificado, vamos representar os p elementos do subconjunto com o sinal (+). Dessa forma, teremos (np) elementos, que representaremos com o símbolo (–), que serão os números que não estarão no subconjunto. Entre os sinais (–) vão existir (np + 1) espaços vazios disponíveis. Então, basta escolher, entre os (n p + 1) espaços vazios, aqueles que serão ocupados pelos p sinais (+). Logo, o número procurado, como afirma o primeiro lema de Kaplansky, será:

Partindo agora para o problema da Mega Sena, queremos calcular o número de subconjuntos de 6 elementos, dentre os 60 elementos que podem ser sorteados, de forma que não haja números consecutivos. Temos, então, n = 60 e p = 6, ou seja,

Fica fácil verificar agora quantos subconjuntos terão pelo menos dois números consecutivos:

Reflexão com a turma: concluímos que existem mais sequências sem números consecutivos do que com eles, porém, isso não implica que as chances de sair uma determinada sequência sem números consecutivos é maior do que a de sair uma outra que tenha números consecutivos. Todas as sequências de seis números, dentre os 60 da Mega Sena, são igualmente prováveis. Em síntese, temos

28.989.675 – 21.074.185 = 7.915.490

possibilidades a mais de escolha de sequências sem números consecutivos do que de escolha de sequências com ao menos dois consecutivos, porém, cada uma das 28.989.675 + 21.074.185 = 50.063.860 possibilidades de sorteio da Mega Sena são igualmente prováveis.

Uma proposta inicial de observação sobre a Mega Sena permitiu a demonstração de um precioso lema da análise combinatória, o primeiro lema de Kaplansky. Essa experiência mostra a importância da investigação matemática para que o aluno possa desenvolver seu aprendizado de forma autônoma e contextualizada, além de colocar o professor como mediador do processo ao fazer as perguntas corretas e propor as devidas generalizações.

 

 

NOTAS

1. Irving Kaplansky (1917-2006) é um matemático americano que em 1943 escreveu um artigo com a solução para o famoso problema de Lucas. Nesse artigo, ele desenvolveu o que se conhece hoje por lemas de Kaplansky.

 

REFERÊNCIAS

1 MORGADO, A. C. de O., CARVALHO, J. B. P. de. CARVALHO, P. C. P, FERNANDEZ, P. Análise combinatória e Probabilidade, Coleção do Professor de Matemática, SBM, RJ, 1991.