Flores, cata-ventos, hélices, quadrados e cruzes.

Rodrigo Lopes de Oliveira
Colégio Divino Salvador - Jundiaí, SP

 

Entrei na sala de aula com a ideia de fazer com que os alunos tivessem uma experiência estética com figuras, saindo um pouco da rotina usual da sala de aula. A atividade que propus está descrita a seguir.

 

Explicações e desenhos feitos na lousa

Em uma malha quadriculada, escolham um ponto inicial, e, nessa malha, o lado dos quadradinhos é a unidade.       

Depois, escolham um comando com três números. Por exemplo, o comando (2, 3, 7). A partir do ponto inicial, vocês vão começar a desenhar da esquerda para a direita, de acordo com o primeiro número que está no comando. Neste exemplo, vamos fazer um traço de tamanho 2.     

Terminando o traço, façam um giro de 90º no sentido horário e desenhem o próximo traço, de tamanho 3.   

Novamente um giro de 90º graus no sentido horário e o próximo traço, de tamanho 7.

O comando deve ser repetido infinitamente, sempre começando um novo traço no ponto em que terminou o anterior. O giro sempre deve ser de 90º no sentido horário. Vejam os próximos três traços.

Terminei a explicação nesse ponto e pedi para que tentassem continuar a figura. Muitos protestavam, dizendo que o desenho seria infinito. Eu reafirmei para continuarem seguindo o comando (2, 3, 7). Não demorou para que chegassem na figura abaixo e para perceberem que, se continuassem desenhando, os traços se repetiriam, sobrepondo-se aos que já foram desenhados.

 

As figuras

Em seguida pedi para cada estudante criar um novo comando e verificar qual figura seria construída. Não demorou muito para que várias figuras fossem aparecendo e os estudantes foram percebendo semelhanças e diferenças entre suas características. Então eles criaram cinco nomes com os quais classificaram as figuras, a saber: Flor, Cata-vento, Hélice, Quadrado e Cruz. Vejam os exemplos (a partir desse ponto, fiz os desenhos em cores diferentes para facilitar a identificação da continuidade):

    

    

Para a maior parte dos estudantes, a aula acabou nesse ponto, pois estavam satisfeitos em perceber as várias formas possíveis e pareciam ter gostado de criar nomes para elas. Porém, alguns estudantes – talvez mais observadores e curiosos – começaram a fazer perguntas e ajudei-os a buscar respostas.

 

As perguntas

Se invertermos a ordem dos números, obteremos a mesma figura?

Eles mesmos descobriram (sem demonstrações, apenas constataram em vários exemplos) que as seis permutações possíveis com três números geram duas figuras diferentes, sendo uma simétrica à outra. Vejam os exemplos:

        

        

A figura sempre ‘fecha’ quando repetimos quatro vezes o comando?

Para perceber isso com mais clareza, pedi que os traços de cada rotina completa do comando fossem feitos com uma cor diferente. Nas figuras vistas,  a resposta foi afirmativa.

Se o comando tiver três números iguais, sempre será um quadrado sem cortes?

Nas figuras desenhadas, a resposta a essa pergunta foi afirmativa. Veja dois exemplos:


 

Mas a pergunta importante não conseguimos responder durante a aula: Quais são os números que geram cada tipo de figura? O que eles queriam, na verdade, era prever que tipo de figura apareceria quando um comando fosse dado. Queriam saber se o comando (27, 35, 100) daria uma Flor, um Cata-vento, uma Hélice, um Quadrado ou uma Cruz?

Várias hipóteses foram aparecendo, como, por exemplo: “professor, será uma flor, quando o maior número for o central no comando”; “quando tiver dois números pares e um ímpar será uma hélice”. Essas e outras hipóteses que apareceram durante a aula foram descartadas por eles mesmos por meio de contraexemplos.

Confesso que eu mesmo não sabia a resposta e, assim que pude, me debrucei para tentar buscá-la.

 

Os resultados

Eis os resultados que observei.

Seja o comando  (a, b, c).  Lembrando que as permutações de  a, b, c  geram apenas duas figuras simétricas, podemos supor  a b c.

Se  a b c,  então será Flor, Cata-vento ou Hélice, a saber:

Seja  N = c – (a + b),  então:

Se  N > 0, então será uma Flor.
Se  N = 0, então será um Cata-vento.
Se  N < 0,  então será uma Hélice.

Se  a = b,  qualquer que seja c, então será Flor ou Quadrado, a saber:

Se N > 0, então será uma Flor.
Se N ≤ 0, então será um Quadrado.

Se  a b = c, então será Cruz.

Em todos os tipos de figuras, a malha quadriculada onde ela será desenhada deve ser um quadrado de lado maior ou igual a  [(c + b) – a].


Quadrado central tem lado [c – (a + b)]
Retângulos (pétalas) têm lados  a  e  b


Retângulos têm lados  ab


Quadrado central tem lado [(a + b) – c]
Retângulos têm lados  a  e  b

Certamente o leitor está se perguntando por que o comando tem três números. Foi apenas uma escolha minha. O comando pode ter quantos números quisermos e muitas outras observações podem ser feitas. Por exemplo, se o comando tiver quatro números, a figura pode não ser fechada. Encerro apresentando mais algumas figuras com comandos com mais de três números.

 

NOTA da RPM

Este texto da seção Em Classe foi escolhido pelo Comitê Editorial da RPM como vencedor do concurso proposto na RPM 81, pág. 2, na notícia do 6 Encontro da RPM. O problema proposto pelo Prof. Rodrigo demonstrou grande potencial para gerar questões e investigações muito interessantes, que poderão ir além da proposta inicial do autor. O percurso para responder às perguntas feitas pelos alunos envolve trabalho com importantes habilidades de natureza matemática, como identificação e classificação de padrões, investigação de regularidades, levantamento de hipóteses e formulação de conjeturas.

A descrição das construções feitas na atividade poderia ser reformulada de forma mais precisa (e também mais geral usando, por exemplo, transformações geométricas como translações e rotações), o que permitiria demonstrações rigorosas dos resultados, algumas exigindo, talvez, conteúdos fora do escopo da educação básica, como, por exemplo, a classificação das figuras obtidas. No entanto, a redação foi mantida próxima da original, retratando de forma fiel a experiência real ocorrida em sala de aula.

Salientamos que a atividade merece ser reaplicada com novas turmas e, nesse caso, sugerimos que os resultados e conclusões mencionados no texto sejam justificados usando argumentação matemática possível e adequada ao nível dos alunos.

Por fim, deixamos para os leitores dois novos problemas em complemento à atividade. Dada uma  n-upla  qualquer, considere que a figura desenhada na malha seja fechada quando  o ponto final da construção coincide com o ponto inicial depois de executar o comando definido pela  n-upla  um número finito de vezes.

1) Mostre que se  n  não é um múltiplo de 4, então a figura sempre será fechada.

2) No caso de  n  ser um múltiplo de 4, determine qual é a condição para que a figura seja fechada.