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George Polya
No que segue, tenho em mente essencialmente o ensino de Matemática, nas escolas secundárias dos Estados Unidos (high schools); porém, para que este artigo possa contribuir para uma discussão internacional, vou dar destaque a pontos comuns a todas as escolas de nível secundário, isto é, escolas para alunos de 12 a 18 anos, em qualquer país, como por exemplo, os liceus e ginásios europeus. Certas restrições na aplicação deste artigo, inerentes a cada realidade, serão apontadas no momento oportuno.
Evidentemente, o ensino não é uma ciência exata com uma terminologia precisa e amplamente aceita. Por isso, os objetivos e métodos de ensino não podem ser discutidos de modo adequado sem que sejam dados exemplos concretos, descritos extensamente e com cuidado. Como, porém, o espaço reservado para este artigo não permite exemplos detalhados, devo encaminhar o leitor para os meus livros(**), disponíveis em várias línguas, onde encontrará explicações mais amplas e ilustrações apropriadas. Ensinar é uma ação complexa que depende em grande parte das personalidades envolvidas e das condições locais. Não existe, hoje, uma ciência do ensino propriamente dita e não haverá nenhuma em um futuro previsível. Em particular, não existe método de ensino que seja indiscutivelmente o melhor, como não existe a melhor interpretação de uma sonata de Beethoven. Há tantos bons ensinos quanto bons professores: o ensino é mais uma arte do que uma ciência. (Isso não exclui, é claro, que o ensino possa beneficiar-se de uma atenção judiciosa aplicada às experiências e teorias psicológicas.) De qualquer modo, o que segue é uma apresentação não dogmática das minhas convicções pessoais. Ficarei feliz, se algum diretor ou professor de mente aberta encontrar nestas páginas algo que convenha às suas condições de ensino ou ao seu gosto pessoal.
Os objetivos do ensino, os assuntos a serem ensinados e os métodos a serem utilizados dependem das condições que prevalecem neste ou naquele lugar, neste ou naquele momento: devem satisfazer às necessidades da comunidade e são limitados pelas possibilidades referentes a pessoal docente e dinheiro disponível. (Dependem, na verdade, da avaliação mais ou menos esclarecida destas condições pelas autoridades locais.) No entanto, uma discussão sobre o ensino só pode ter sentido se, previamente, for definido o objetivo a ser atingido. Minha convicção pessoal é que a principal tarefa do ensino da Matemática, em nível secundário, é a de ensinar os jovens a PENSAR. Tudo o que direi em seguida decorre desta convicção fundamental. Mesmo que o leitor não compartilhe completamente da minha opinião, espero que possa fazê-lo parcialmente, considerando como objetivo importante, ainda que secundário, o que para mim é o objetivo principal. Deste modo poderá encontrar sugestões úteis no que virá a seguir.
Naturalmente não esqueço os outros objetivos essenciais — penso simplesmente que eles são compatíveis com o que considero o objetivo principal. Deve-se: preparar os alunos para o curso de Física, se um tal curso fizer parte do programa da escola; preparar os futuros engenheiros e alunos das Faculdades de Ciências. No que se refere aos futuros matemáticos, um ponto é muito importante: eles não devem ser desencantados por um ensino mal dirigido. No entanto, é supérfluo introduzir assuntos que só tem interesse para futuros matemáticos, além de ser um procedimento pouco correto em relação à grande maioria dos alunos.
Eu disse que o objetivo principal de um programa de Matemática, em nível secundário, é ensinar os alunos a pensar. Este enunciado requer explicações mais amplas o que exigiria repetir aqui uma boa parte dos exemplos tratados nos meus livros citados na nota(**); uma tal repetição está fora de questão, mas o que segue poderá ajudar. Em diversos lugares, têm sido propostos objetivos os mais variados, tais como: experiência de pensamento independente, flexibilidade do espírito, melhores hábitos de trabalho, atitudes mentais desejáveis, ampliação dos pontos de vista, maturidade intelectual, introdução ao método científico. Parece-me que estes objetivos, interpretados de modo concreto e razoável, a nível secundário, apresentam muitas superposições e, tomadas em conjunto, cobrem o objetivo que recomendo. Abordando este assunto sob outro aspecto, obtém-se uma imagem melhor definida. Nosso ensino deveria englobar os aspectos principais do pensamento matemático, na medida em que isso é possível a nível secundário. As atividades mais marcantes do matemático são: a descoberta de demonstrações rigorosas e a construção de sistemas axiomáticos. Existem, no entanto, outras atividades que, por deixarem menos sinais na obra acabada do matemático são, por isso, menos aparentes mas não menos importantes tais como: reconhecer e extrair um conceito matemático de uma situação concreta; em seguida fazer várias formas de adivinhações, ou seja, prever o resultado, prever as grandes linhas de uma demonstração antes de realizá-la em detalhe. “Adivinhar”, assim compreendido, pode também englobar generalizações a partir de casos observados, um raciocínio indutivo, uma argumentação por analogia, etc. O ensino da Matemática dará somente uma idéia unilateral, diminuída, do pensamento do matemático se suprimir atividades “não formais” como adivinhar e extrair conceitos matemáticos do mundo visível que nos rodeia; ele desprezará o que pode ser a parte mais interessante para muitos alunos, a mais instrutiva para o futuro usuário da Matemática e a mais fecunda e rica para o futuro matemático.
“Para aprender eficazmente, o aluno deve descobrir, por si só, uma parte tão grande da matéria ensinada quanto possível, dadas às circunstâncias”[3](*). Prefiro esta formulação do “princípio da aprendizagem ativa” que é o princípio educativo mais antigo (pode ser encontrado em Sócrates) e o menos controverso. A Matemática não é um esporte para espectadores: não pode ser apreciada e aprendida sem participação ativa, de modo que o princípio da aprendizagem ativa é particularmente importante para nós, matemáticos professores, tanto mais se tivermos como objetivo principal, ou como um dos objetivos mais importantes, ensinar as crianças a pensar. Se quisermos desenvolver a inteligência do aluno, devemos ficar atentos para que as coisas primeiras apareçam em primeiro lugar. Certas atividades são mais fáceis e naturais do que outras: adivinhar é mais fácil do que demonstrar, resolver problemas concretos é mais natural do que construir estruturas conceituais. Em geral, o concreto vem antes do abstrato, a ação e a percepção antes das palavras e dos conceitos, os conceitos antes dos símbolos, etc. Já que o aluno deve aprender não receptivamente, mas por seu próprio esforço, comecemos no lugar onde o esforço é menor e o resultado mais compreensível do ponto de vista do aluno: ele deve se familiarizar inicialmente com o concreto, posteriormente com o abstrato; inicialmente com a variedade de experiências e posterior-mente com a unificação dos conceitos, etc. Isto conduz à resolução de problemas matemáticos, que é, na minha opinião, a atividade matemática mais próxima do centro do pensamento do dia a dia. Temos um problema sempre que procuramos os meios para atingir um objetivo. Quando temos um desejo que não podemos satisfazer imediatamente, pensamos nos meios de satisfazê-lo e assim se põe um problema. A maior parte da nossa atividade pensante, que não seja simplesmente sonhar acordado, se ocupa daquilo que desejamos e dos meios para obtê-lo, isto é, de problemas. Muitas vezes, os problemas cotidianos conduzem a problemas matemáticos simples e o professor, com um pouco de habilidade, pode tornar fácil e natural para o aluno o passo de abstração entre o problema cotidiano e o problema matemático. E como os problemas de todos os dias são o centro do nosso pensamento cotidiano, pode-se esperar que os problemas matemáticos estejam no centro do ensino da Matemática. A resolução de problemas tem sido a espinha dorsal do ensino de Matemática desde a época do papirus Rhind: A obra de Euclides pode ser considerada como uma proeza pedagógica: dissecar o grande tema da Geometria em problemas manejáveis. A resolução de problemas ainda é, na minha opinião, a espinha dorsal do ensino a nível secundário e me constrange que algo tão evidente precise ser ressaltado. Certamente outras coisas devem ser apresentadas no nível secundário: demonstrações matemáticas, a idéia de um sistema axiomático, talvez mesmo uma olhada na filosofia subjacente às demonstrações e às estruturas matemáticas. No entanto, estes assuntos estão mais distantes do pensamento habitual e não podem ser apreciados ou mesmo compreendidos sem um prévio cabedal de experiências matemáticas, que o aluno adquire, principalmente, resolvendo problemas.
Há problemas e problemas e toda uma sorte de diferenças entre problemas. Porém, a diferença mais importante para o professor é a que existe entre os problemas de rotina e aqueles que não o são. O problema que não se resolve por rotina exige um certo grau de criação e originalidade por parte do aluno, enquanto o problema de rotina não exige nada disso. O problema a ser resolvido sem rotina tem alguma possibilidade de contribuir para o desenvolvimento intelectual do aluno, enquanto o problema de rotina não tem nenhuma. A linha de demarcação entre esses dois tipos de problemas pode não ser precisa, porém os casos extremos são claramente reconhecíveis. A brevidade deste artigo permite apenas uma descrição curta de dois tipos de problemas rotineiros: o problema que exige tão somente a aplicação de uma regra bem conhecida e o problema que não é senão uma simples questão de vocabulário. Um problema pode ser resolvido aplicando direta e mecanicamente uma regra que o aluno não tem nenhuma dificuldade para encontrar: ela é impingida debaixo do seu nariz pelo professor ou pelo manual. Não há nenhuma invenção, nenhum desafio à sua inteligência; o que ele pode tirar de um tal problema é apenas uma certa prática na aplicação desta regra única, um pedacinho isolado de conhecimento mecânico. Uma questão pode ser formulada para verificar se o aluno sabe utilizar corretamente um termo ou um símbolo do vocabulário matemático recém-introduzido; o aluno pode responder imediatamente à questão, desde que tenha compreendido a explicação do termo ou do símbolo; não há uma centelha de invenção, nenhum apelo à inteligência — é apenas uma questão de vocabulário. Os problemas rotineiros, mesmo dos dois tipos que acabamos de descrever, podem ser úteis, mesmo necessários, se forem administrados no momento certo e numa dose justa. Eu protesto contra o abuso de problemas rotineiros, cujo único resultado é desencantar alunos inteligentes com a matéria que lhes é apresentada sob o rótulo de “Matemática”. Os manuais “tradicionais” são duramente criticados em nossos dias, mas a maioria dos críticos parece não notar o que, na minha opinião, é o seu maior defeito: quase todos os seus problemas são problemas rotineiros do primeiro tipo acima. Quanto aos manuais “modernos”, estes contêm, freqüentemente, capítulos inteiros repletos de termos e símbolos novos, sem nenhuma relação com a experiência e o conhecimento matemático do aluno e dos quais, por conseguinte, ele não pode fazer nenhum uso sério; como conseqüência, os problemas no fim do capítulo são problemas rotineiros, particularmente chatos, a maior parte deles simples questões de vocabulário. Parece-me que o desserviço prestado ao aluno é da mesma natureza nos dois casos. Não há muito que escolher entre “tradicional” e “moderno” se a escolha ficar entre uma rigidez estreita e um excesso de palavras sem ligação com fatos. Não explicarei o que é um problema matemático não rotineiro: se o leitor nunca resolveu algum, se nunca experimentou a tensão e o triunfo da descoberta e se, depois de alguns anos de ensino, nunca observou tal tensão e um tal triunfo em algum de seus alunos, então é melhor procurar outra profissão e deixar de ensinar Matemática.
A resolução de um problema não rotineiro pode exigir do aluno um verdadeiro esforço; porém, ele não o fará se não tiver razões para isso; ora, a melhor motivação é o interesse pelo problema. Assim, devemos tomar o maior cuidado na escolha de problemas interessantes e em torná-los atraentes. Para começar, o problema deve ter sentido e ter um propósito, do ponto de vista do aluno. Deve estar relacionado de modo natural com coisas familiares e deve servir a um fim compreensível para o aluno. Se para ele o problema parece não ter relação com o que lhe é habitual, a afirmação do professor de que o problema será útil mais tarde não é senso uma pobre compensação. Um professor que assistia a uma de minhas conferências relatou a seguinte observação de um de seus alunos de 15 anos: “Até agora sei resolver todos os problemas, mas não vejo nenhuma razão no mundo para fazê-lo”. Não somente a escolha, mas também a apresentação do problema merece nossa atenção. Uma boa apresentação evidencia relações com coisas familiares e torna compreensível o objetivo. O princípio do ensino ativo nos sugere um pequeno truque, muito útil: o professor deveria começar não pelo enunciado completo do problema, mas por sugestões apropriadas e deixar aos alunos o cuidado de uma formulação definitiva. Vez ou outra deve se oferecer à classe um problema mais importante, rico em conteúdo e que possa servir de abertura para um capítulo inteiro de Matemática. E a classe deveria trabalhar com um tal problema de pesquisa, sem pressa e de modo que, segundo o princípio do ensino ativo, os alunos possam descobrir (ou sejam levados a descobrir) a solução e possam explorar sozinhas algumas conseqüências da solução.
A idéia deve nascer na mente do aluno e o professor deve agir como parteiro; a metáfora é antiga (ela se deve a Sócrates), mas não obsoleta. Se encararmos o desenvolvimento da inteligência do aluno como o objetivo principal (ou um dos mais importantes) do ensino a nível secundário e o trabalho do aluno para resolver problemas como o meio principal (ou um dos mais importantes) para atingir este fim, então a principal (ou uma importante) preocupação do professor deverá ser a de conduzir o aluno a descobrir a solução por si mesmo. E a primeiríssima coisa, quando se trata de ajudar o aluno, é não ajudá-lo demais: ele deve fazer o máximo possível por si só. O professor deve evitar uma interferência excessiva no nascimento natural de uma idéia. Sem metáforas: ao ajudar o aluno, o professor deve dar apenas uma ajuda interior, isto é, sugestões que poderiam ter nascido na mente do próprio aluno, e evitar uma ajuda exterior, isto é, evitar dar pedaços de solução que não tenham relação com o que se passa na mente do aluno. Digo que é importante dar uma ajuda interior, mas não digo que seja fácil. Fazê-lo eficazmente exige da parte do professor um bom conhecimento tanto do problema quanto do aluno; além disso, ele deve ter experiência e familiaridade com as etapas que se apresentam naturalmente e com freqüência na resolução de problemas.
A Heurística é o estudo dos caminhos e meios da descoberta e invenção; estuda, especialmente na resolução de problemas, essas etapas que se apresentam naturalmente, com freqüência e que têm alguma probabilidade de nos conduzir à solução. Não é um gênero de estudo muito usual; se bem que Descartes e Leibniz tenham meditado sobre ele (Leibniz chamava Heurística a “arte da invenção”), o assunto estava praticamente morto quando meu primeiro artigo a esse respeito apareceu em 1919. Mais informações sobre Heurística (resolução de problemas, a arte de adivinhar,...) podem ser encontradas nas referências da nota(**). As idéias mais simples da Heurística são as mais importantes para o professor, que poderia, aliás, extrai-las de sua própria experiência, pois que elas decorrem do simples bom senso. (Mas bom senso é tão pouco comum, como observou Descartes.) Eis alguns conselhos sobre os problemas do dia a dia que talvez lhe pareçam absolutamente triviais. Enfrente seu problema se quiser resolvê-lo e pergunte-se: o que é que eu quero? Quando souber a resposta e o seu objetivo estiver claro, examine tudo o que se encontra à sua disposição e que você poderia utilizar para atingir o objetivo e pergunte-se: o que é que eu tenho? Tendo examinado durante algum tempo tudo o que tiver possibilidade de ser usado, você poderá voltar à primeira questão e ampliá-la: o que eu quero? Como posso obtê-lo? Onde posso obtê-lo? E, interrogando-se assim, você poderá se aproximar da solução do problema. É menos trivial observar que os problemas do dia a dia apresentam certas analogias com os problemas matemáticos, O professor que tenta dar uma ajuda “do interior” a um aluno debruçado sobre um problema matemático, pode, com proveito, utilizar as perguntas precedentes, ou perguntas paralelas, expressas em termos matemáticos. O professor pergunta: o que você quer? Qual é a incógnita? Se o objetivo da pesquisa, a incógnita, estiver suficientemente clara para o aluno, o professor poderá continuar: o que você tem, quais são os dados, qual é a condição? Se o aluno der respostas suficientemente claras também a estas questões, o professor poderá voltar à sua questão inicial e desenvolvê-la: o que você quer obter? Qual é a incógnita? Como você pode obter esta incógnita? Com que dados você pode determinar este tipo de incógnita? E estas perguntas têm bastante possibilidade de mobilizar na mente do aluno os conhecimentos apropriados e conduzi-lo à solução. Estas perguntas são exemplos de uma Heurística prática e de bom senso. O professor deve utilizá-las, de início, nos casos onde elas facilmente sugerem a idéia correta ao aluno. Depois ele poderá utilizá-las cada vez mais, tão freqüentemente quanto o discernimento e o tato o permitirem. Com o tempo o aluno poderá compreender o método e usar, ele mesmo, estas perguntas: aprenderá, assim, a dirigir sua atenção aos pontos essenciais, quando se encontrar perante um problema. Terá adquirido, deste modo, o hábito do pensamento metódico que é o maior benefício a ser tirado das aulas de Matemática por grande parte dos alunos que nunca utilizará a Matemática em sua profissão. Recomendo ao leitor que queira aprofundar estas observações sobre Heurística, mais uma vez, as obras citadas na nota(**). (**) 1. How to salve it, second edition, Doublé-day, 1957. NOT: (em português: A arte de Resolver Problemas, Ed. Interciencia, Rio de Janeiro, 1977). 2. Mathematics and plausible reasoning, vol. 1 e 2, Princeton University Press, 1954. NT: (em espanhol: Mathematicas y Razonamiento Plausible, Ed. Tecnos, Madrid, 1966). 3. Mathematical discovery, vol. 1 e 2, Wiley, 1962/65. (*) Ref. 3 ,vol. 2, p. 2103. (*) Ref. 3 (citada na nota (**)), vol. 2, p. 103.
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